Prêmio Nobel da Paz em 1994, o líder israelense Shimon Peres (1923-2016) celebrizou a expressão “um novo Oriente Médio” ao apontar a cooperação econômica como fator a transformar inimigos em parceiros numa das regiões mais turbulentas do cenário global. A previsão finalmente ganha contornos nítidos, com o recente anúncio do acordo entre Israel e Emirados Árabes Unidos.
O histórico tratado, ainda a ser assinado, apresenta como motor fundamental a chamada era pós-petróleo. Países árabes, em particular alguns situados no golfo Pérsico, passaram a enxergar Israel com outros olhos diante da necessidade de ingressar numa fase marcada pelo declínio da economia petrolífera.
Fatores geopolíticos, sem dúvida, compõem também a equação. Na disputa por zonas de influência no Oriente Médio, ambições expansionistas do Irã contribuem decisivamente para a aproximação de seus arqui-inimigos regionais, Israel e monarquias do golfo Pérsico lideradas pela Arábia Saudita.
No entanto, o fator primordial a transformar antigos adversários em novos aliados chama-se era pós-petróleo. Dirigentes de países como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos passaram a ver um potencial parceiro em Israel quando constataram o esgotamento da sua fórmula de governar no século 20.
No passado recente, lideranças árabes governavam apoiados no tripé petróleo-ditadura-narrativa anti-Israel. Na economia, bastava confiar na bonança petrolífera, sem diversificar ou modernizar a atividade produtiva.
No segundo fator do tripé, ditaduras congelavam dinâmicas política e social. Com a riqueza do petróleo e o autoritarismo, regimes árabes recorriam à narrativa anti-Israel como válvula de escape para obter mobilizações populares.
Discursos oficiais descreviam a criação de Israel como “principal catástrofe do mundo árabe” e posicionavam as reivindicações palestinas no epicentro das estratégias emanadas do Cairo ou de Riad.
A chegada do século 21, no entanto, corroeu o tripé, a começar pelo petróleo. A perda de relevância se evidencia com quedas vertiginosas em sua cotação e com a busca por fontes alternativas de energia.
A partir de 2010, a Primavera Árabe, com manifestações de rua, derrubada de ditadores e guerras civis, demonstrou, a dirigentes no Oriente Médio, a necessidade de dinamizar o modelo econômico, gerar empregos e aplacar a crescente insatisfação popular.
Ou seja, canalizar a revolta e a frustração para a narrativa anti-Israel deixou de ser suficiente. Evidenciou-se o esgotamento do tripé petróleo-ditadura-narrativa anti-Israel.
Na nova equação, a opção por regimes autoritários se mantém. Prioriza-se agora a mudança do modelo econômico, com ênfase na diversificação das atividades e diminuição da dependência da indústria petrolífera. É a transição à era pós-petróleo.
Arábia Saudita e as monarquias do golfo Pérsico embarcaram em planos para modernizar suas economias. Emirados Árabes Unidos, por exemplo, buscam se tornar polo de inovação e até lançaram uma sonda a Marte, iniciativa inaudita no Oriente Médio.
Com as mudanças, sauditas e seus aliados reavaliaram a estratégia para o conflito israelo-palestino e a relação com Israel. Passaram a ver o ex-inimigo como parceiro, dono de soluções tecnológicas em defesa, segurança cibernética, agricultura no deserto, dessalinização de água, entre outras.
Perspectivas de investimento e de comércio também fortalecem a aproximação, exemplificada pelo acordo entre Israel e Emirados Árabes Unidos. Ao que tudo indica, Shimon Peres tinha razão.
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