domingo, 16 de agosto de 2020

Controle emocional no trabalho vira atributo essencial na pandemia, FSP

 


SÃO PAULO

Ser qualificado para uma vaga de emprego já não é mais suficiente para quem está em busca de uma nova colocação. A pandemia que está mudando a forma como nos comportamos socialmente, nos encontramos, nos reunimos e trabalhamos chegou também ao que as empresas querem quando buscam um novo funcionário: estabilidade emocional, organização e capacidade de se adaptar a situações inesperadas.

Para recrutadores e consultores de RH ouvidos pela Folha, questões comportamentais, antes mais importantes na manutenção do emprego, ganham relevância na conquista da vaga em um momento de distanciamento social e insegurança.

trabalho em casa, seja ele parcial ou total, também é visto como um caminho sem volta na dinâmica de escritórios.

Para o professor Marco Tulio Zanini, da Ebape/FGV (Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas), o momento ainda é de aprendizado nas firmas.

“Nos setores da economia em que for possível a transição [para o trabalho remoto], isso tende a ficar, até pelo ganho de produtividade ao reduzir deslocamentos”, diz.

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E a adaptação a esse novo funcionamento, no caso de quem está no mercado, já foi um teste para o que novos funcionários precisarão ter e para o que os atuais terão de melhorar.

A diretora de serviços de RH da Employer, Vânia Montenegro, afirma que inteligência emocional, autogestão, disciplina e capacidade de lidar com frustrações sempre foram habilidades valorizadas pelas empresas, mas que se mostraram urgentes com a pandemia.

A diretora de gente e gestão da Catho, Patricia Suzuki, diz que os processos de seleção já estão considerando esses desafios em relação ao trabalho remoto, pois mais candidatos estão interessados nesse modelo e mais empresas estão considerando experiências do tipo positivas.

“Estamos tentando entender como os candidatos se apresentam, e não é só em relação ao trabalho remoto, mas em relação ao isolamento social. Trazemos a questão da organização, de como está estruturando a rotina com outras pessoas da família em casa, como está se organizando para ser mais produtivo, como é a agenda, se usa lembretes, se há pontualidade”, diz.

Patrícia afirma que o processo de entrevistas busca entender, em pequenos desafios, como o candidato agiria em certas situações. A partir das respostas, ela diz que é possível identificar habilidades importantes, como a capacidade de lidar com equipe, de ouvir sugestões, de superar barreiras.

Marcelo Souza, da Soulan RH, diz que as questões comportamentais substituem as técnicas quanto ao que permite um candidato se destacar.

“Quando chega à fase final da seleção, as pessoas têm o conhecimento técnico mais ou menos nivelado. O que vai diferenciar são as competências pessoais. E, agora, se dá mais atenção ainda a competências que podiam ser mascaradas na gestão olho no olho, que são resiliência e empatia.”

Aos 22 anos, a estudante de administração Flávia Adissy acaba de trocar de emprego, tudo a partir de seu quarto, em São Paulo. Entrevistas e outros processos foram todos online.

A estudante Flávia Adissy, que trocou de emprego durante o home office
A estudante Flávia Adissy, que trocou de emprego durante o home office -  Danilo Verpa/Folhapress

Com a pandemia e o home office, sentiu a necessidade de criar uma rotina para evitar distrações e manter a concentração. “Estar longe é muito ruim porque eu não posso só chegar à mesa de alguém e pedir ajuda. Também ficava ansiosa se não conseguia entregar alguma coisa, achava que eu tinha que fazer tudo sozinha.”

Na seleção para o novo emprego, ela diz não ter percebido nenhuma questão por meio da qual a empresa buscasse saber se ela se sairia em situações difíceis. Avalia, no entanto, que cabe às empresas abordar o tema com os funcionários.

“Até porque acho muito difícil alguém dizer em uma entrevista que não consegue se organizar ou lidar com problemas”, afirma.

As instabilidades trazidas pela pandemia também obrigaram as empresas a colocar a saúde mental em pauta.

Mariana Navarro, gestora da área de talentos e desenvolvimento da Amanco Wavin, diz que a transferência do trabalho para o modelo remoto foi desestabilizadora para chefes e funcionários, exigindo uma atenção com sinais de estresse e ansiedade. A solução foi a contratação de um serviço de acompanhamento psicológico para terapia online.

“Apresentamos em um webinar para poder dizer a todos: ‘Está tudo bem se você estiver ansioso, todo o mundo está vivendo isso. Fiquem atentos a esses sinais’”, afirma.

Outros requisitos tradicionalmente valorizados nas seleções, como distância do local de trabalho e formações específicas —como a preferência do contratante por certas universidades—, que acabam por eliminar muitos candidatos, começam a perder força.

“Vai entrando em evidência muito mais a atitude da pessoa, alguém que vai dar conta do trabalho e a maneira como ela age, do que alguém que mora perto da empresa e se formou na faculdade A ou B”, diz Fernando Medina, presidente da Luandre RH.

Para ele, ainda não há uma mudança drástica no que as empresas buscam de seus candidatos, pois a facilidade em lidar com imprevistos já era vista como uma competência do futuro. A longa quarentena ressaltou essa necessidade.

“Todas as empresas e funcionários tiveram que lidar com situações adversas. Muita gente foi trabalhar em casa, e a maioria não tem uma infraestrutura ideal de home office”, afirma Medina.

“Você teve que trabalhar com barulho de criança, de vizinho. São todos cenários não ideais, mas, se no final das contas você tem uma pessoa que se vira na adversidade, essa característica é muito mais importante do que onde ela mora ou o diploma.”

Para Zanini, da FGV, o trabalho a distância exige maturidade profissional para estabelecer uma rotina —o que pode ser muito difícil para quem tem filhos, por exemplo.

Vânia Montenegro, da Employer, destaca ainda a importância do conhecimento e a disposição para entender ferramentas tecnológicas e digitais.

Mariane Guerra, vice-presidente da RH da ADP na América Latina, diz que se mostrar como alguém amigável à tecnologia é indispensável. “Isso já era muito comentado e demandado, mas nunca foi tão necessário.”

Nesse sentido, Mariane diz que os profissionais precisam abolir resistências a chamadas por vídeo e demonstrar interesse em aprender.

Se na questão tecnológica os candidatos jovens levam vantagem, Mariane diz que a experiência, e mesmo a idade, fazem diferença no controle emocional. Para ela, executivos e gestores mais jovens não passaram por muitas crises e acabam mais abalados com imprevistos.

“A gente vê claramente hoje uma geração que entrou no mercado com o real estável e um país que passou por crises mais amenas, mesmo que difíceis, mas que não se comparam com um país com hiperinflação.”

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