sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Ana Luiza Albuquerque - Tarcísio oferece lealdade inegociável, mas é preterido por Bolsonaro, FSP

 Tarcísio de Freitas não agrada bolsonaristas radicais. Não se sabe por qual motivo: se porque o governador come com garfo e faca, frequenta reuniões na Faria Lima ou visita gabinetes do Supremo Tribunal Federal (ou todas as opções).

Eles alegam que o governador de São Paulo não é leal a Jair Bolsonaro. Nos momentos mais críticos, porém, ele esteve, sim, ao lado do ex-presidente —por lealdade genuína ou cálculo político.

A imagem mostra um orador em um palanque, segurando um microfone e apontando com a mão. Ele está vestido com uma camiseta azul e amarela. Ao lado dele, há uma figura pública em um casaco azul, observando atentamente. O fundo apresenta edifícios altos e uma multidão visível.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ao lado de Jair Bolsonaro em manifestação de apoio ao ex-presidente na avenida Paulista, em São Paulo - Zanone Fraissat/29.jun.2025/Folhapress

Tarcísio estava lá durante as lives de Bolsonaro na pandemia de Covid-19. Não esboçou reação quando o chefe atacou as vacinas e defendeu medicamentos ineficazes.

Também estava lá no 7 de setembro de 2021, quando Bolsonaro fez graves ameaças ao Supremo em manifestações de rua.

Ele estava lá, de novo, em novembro de 2024, quando o ex-presidente foi indiciado pela PF. Disse que Bolsonaro respeitou o resultado da eleição (não respeitou) e que a posse aconteceu em plena normalidade (não aconteceu).

No 7 de Setembro de 2025, Tarcísio também estava lá. Dessa vez, foi ele quem mandou um recado para o STF: "Não vamos aceitar que nenhum ditador diga o que temos que fazer."

Se se tornasse presidente, Tarcísio seria mais leal do que nunca: concederia um indulto a Bolsonaro, preso por tramar para derrubar a democracia.

As demonstrações de lealdade, porém, não foram suficientes. Por meses a fio, Tarcísio teve seu nome cotadíssimo para a disputa presidencial. No fim, soube por Flávio que Jair havia escolhido o senador. Na hora da promoção, o chefe preteriu o funcionário mais fiel em benefício do filho.

Tarcísio silenciou por dias, evitou a imprensa e, enfim, declarou apoio a Flávio. Disse, porém, que haverá outras candidaturas. Antes, afirmava que a direita estaria unida. A mudança pode ser por descontentamento ou por prever que ainda pode concorrer.

O governador também lembrou que a lealdade a Bolsonaro é inegociável. Até aqui, não há dúvidas. Resta saber qual será seu custo político para o futuro de Tarcísio.

Hélio Schwartsman - Precisamos falar sobre Hugo Motta, FSP

 São Paulo

A inexperiência é o único defeito que não piora com a idade. Devemos, então, concluir que há esperança para Hugo Motta, o jovem presidente da Câmara que vem metendo os pés pelas mãos num ritmo que surpreende até seus padrinhos políticos?

Só nesta semana ele cometeu dois lapsos graves. Preocupado em não reeditar a frouxidão com que lidou com o motim de parlamentares bolsonaristas em agosto, resolveu enfrentar a rebelião do deputado Glauber Braga com firmeza. Mandou suspender a transmissão ao vivo da sessão —o equivalente legislativo do policial desligando a câmara corporal—, retirou a imprensa do plenário e soltou a Polícia Legislativa em cima dos insurgentes. Os agentes da ordem não foram delicados nem urbanos.

Homem de terno azul escuro e gravata azul fala olhando para frente, com expressão séria. Ao fundo, outras pessoas desfocadas em ambiente interno com parede clara.
BRASÍLIA, DF, 18/11/2025: O presidente da Camara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB) - Pedro Ladeira - 18.nov.2025/Folhapress

Um observador caridoso poderá argumentar que esse foi um erro de execução, não de posicionamento. O objetivo de retomar a cadeira presidencial era corretíssimo. Talvez. Em mais dois ou três motins, Motta acabará acertando a dose.

O segundo grande equívoco da semana foi ter permitido que a condenada foragida Carla Zambelli conservasse seu mandato de deputada. É fato que Motta apenas seguiu o roteiro estabelecido pela Constituição para determinar a perda de mandato de parlamentares condenados com sentença penal definitiva. Ele não viu que a Carta escondia uma bela armadilha ao remeter o caso para o plenário.

Haveria caminhos alternativos, como cassar o mandato pela impossibilidade física de comparecer às sessões ou pela suspensão dos direitos políticos, situações em que a sanção é aplicada automaticamente pela Mesa, sem votação. E os erros desta semana se somam a vários outros de semanas anteriores. Meu espaço é exíguo então lembro apenas a "dafaecatio maxima" que foi ter bancado a PEC da Blindagem.

Respondendo à pergunta do início do texto, eu diria que em princípio sim. O cérebro humano é plástico, e pessoas são capazes de aprender. Mas, no caso de Motta, pelo andar da carruagem, não sei se ele terá o tempo de um segundo mandato para tornar-se menos inexperiente.

Otto Lara Resende contou a história do porteiro que teve que morrer para ser notado., FSP (105)

 Um homem passou 32 anos dando bom dia ao mesmo porteiro. Recebia recados, trocava palavras. O porteiro morreu. Como era ele? Sua cara? Sua voz? "Não fazia a mínima ideia. Em 32 anos, nunca o viu. Para ser notado, o porteiro teve que morrer."

Otto Lara Resende contou essa história em crônica publicada na Folha, em 1992. O tema era o olhar cansado.

Homem idoso de cabelos grisalhos e camisa branca sentado em cadeira marrom em escritório. Ele segura um par de óculos com ambas as mãos, com estantes e papéis desfocados ao fundo.
O escritor Otto Lara Resende posa para foto no escritório de sua casa, em 1992 - Luciana Whitaker/Folhapress

"De tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não-vendo", escreveu. E propôs: "Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver. Parece fácil, mas não é. O campo visual da nossa rotina é como um vazio."

Otto discordava de Hemingway, que olhava cada coisa como se a visse pela última vez. Preferia o olhar limpo da criança, os olhos atentos do poeta.

Leia a seguir o texto completo, parte da seção 105 Colunas de Grande Repercussão, que relembra crônicas que fizeram história na Folha. A iniciativa integra as comemorações dos 105 anos do jornal, em fevereiro de 2026.

Vista Cansada (23/2/1992)

Acho que foi o Hemingway quem disse que olhava cada coisa à sua volta como se a visse pela última vez. Pela última ou pela primeira vez? Pela primeira vez foi outro escritor quem disse. Essa ideia de olhar pela última vez tem algo de deprimente. Olhar de despedida, de quem não crê que a vida continua, não admira que o Hemingway tenha acabado como acabou. Fugiu enquanto pôde do desespero que o roía –e daquele tiro brutal.

Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver, disse o poeta. Um poeta é só isto: um certo modo de ver. O diabo é que, de tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não-vendo. Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver. Parece fácil, mas não é. O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade. O campo visual da nossa rotina é como um vazio.

Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta. Se alguém lhe perguntar o que é que você vê no seu caminho, você não sabe. De tanto ver, você não vê.

Sei de um profissional que passou 32 anos a fio pelo mesmo hall do prédio do seu escritório. Lá estava sempre, pontualíssimo, o mesmo porteiro. Dava-lhe bom dia e às vezes lhe passava um recado ou uma correspondência. Um dia o porteiro cometeu a descortesia de falecer.

Como era ele? Sua cara? Sua voz? Como se vestia? Não fazia a mínima ideia. Em 32 anos, nunca o viu. Para ser notado, o porteiro teve que morrer. Se um dia no seu lugar estivesse uma girafa, cumprido o rito, pode ser que também ninguém desse por sua ausência. O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem. Mas há sempre o que ver. Gente, coisas, bichos. E vemos? Não, não vemos.

Uma criança vê o que o adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de tão visto, ninguém vê. Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher, isso existe às pampas. Nossos olhos se gastam no dia a dia, opacos. É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença.