terça-feira, 29 de abril de 2025

Um Congresso que vence a polarização é também um Congresso corrupto?, Joel Pinheiro da Fonseca _FSP

 Os presidentes do Senado e da Câmara protagonizam uma negociação junto ao Supremo para a redução da pena dos invasores do 8 de janeiro. Assim, eles poderão logo ir para casa sob progressão de pena; evitando assim a completa anulação de seus processos e a anistia prévia a Bolsonaro e outros cabeças do golpismo. Mais uma vez, é o Congresso resolvendo um problema criado pela polarização do país.

De um lado, centenas de fanatizados pelo bolsonarismo que se fizeram de bucha de canhão de uma tentativa insana de golpe de Estado. Do outro, um Supremo que —sob a liderança de Alexandre de Moraes— pune os invasores de maneira exemplar, chegando a penas superiores às de muito assassino. Moraes se tornou um herói da esquerda petista.

A imagem mostra uma sessão no Congresso Nacional do Brasil, com muitos deputados reunidos. No centro, há uma mesa com alguns membros da mesa diretora, enquanto outros deputados estão em pé, levantando as mãos. Ao fundo, há bandeiras e um ambiente formal, típico de uma sessão legislativa.
O plenário da Câmara dos Deputados durante a sessão para eleição da Mesa Diretora da Casa, em Brasília - Pedro Ladeira - 1º.fev.25/Folhapress

A ideia de um acordo que solucione impasses políticos —como o dos presos do 8 de janeiro— é visto por muitos como uma certa traição de princípios. Não deveria. Democracia é isso: saber negociar e chegar a soluções de meio do caminho. Sem isso, só nos restaria a guerra ou a tirania. É uma virtude, não um defeito, de nossa política.

O Brasil está polarizado. Dois polos se odeiam e arrastam consigo o resto do país. O Congresso, por sua vez, atua contra a polarização no dia a dia. Primeiro ao representar de forma ampla a população e seus muitos interesses. Mesmo causas minoritárias conseguem seus representantes na Câmara.

Segundo, servindo como freio ao Executivo com muito mais eficácia do que, por exemplo, o Congresso americano, que tem se mostrado inútil para conter Trump. Muitas das piores ideias de Lula e de Bolsonaro não foram para frente graças ao Congresso. E quando um presidente tentou governar sem o Congresso —como Dilma ou Bolsonaro—, logo viu seu poder se esvair. Lá, um impeachment é praticamente impossível. Aqui, bem sabemos, não.

Ao mesmo tempo, o Congresso é visto como o locus do interesse escuso, da corrupção, do fisiologismo. E não sem razão. Acompanhamos no início do ano a dificuldade que foi impor regras de transparência para as emendas parlamentares, algo que deveria ser padrão.

No escândalo do INSS descoberto há pouco, torcedores de ambos os lados já tentam colar a responsabilidade em Lula ou em Bolsonaro. Provavelmente, as decisões que permitiram pagamentos automáticos passaram por baixo do radar de ambos. Mas não do radar dos parlamentares que, pouco a pouco, introduziram mudanças na lei para permitir essas cobranças.

Será que o trade-off de uma política capaz de moderar os extremos com base na negociação é uma política que se deixa corromper?

Volta e meia, vemos do próprio Congresso discussões sobre a mudança na forma de governo —migrando para o semipresidencialismo ou para o parlamentarismo—, o que lhe daria ainda mais poder. A população provavelmente rejeitaria essa mudança, a exemplo de plebiscitos passados. A confiança no Legislativo é baixa.

Negociar apoio em troca dos interesses de estados, regiões e grupos econômicos é do jogo político. O parlamentar está lá também para isso. Mas essa negociação tem que se pautar pela legalidade. Quando os próprios parlamentares derem exemplo de transparência e fortalecimento do combate à corrupção, quem sabe possam esperar legitimidade perante o povo para consagrar seu protagonismo na política nacional.

segunda-feira, 28 de abril de 2025

João Pereira Coutinho - Adesão da esquerda ao papa Francisco é sintoma da sua crise de referências, FSP

 Passei a semana em estado de choque. A esquerda em peso prestou homenagem ao papa Francisco como se tivesse descoberto um novo revolucionário para as suas hostes.

Segundo parece, a admiração dos camaradas explica-se por três motivos: as críticas ao "capitalismo selvagem" que Francisco foi emitindo; a preocupação com os imigrantes deste mundo; a tolerância perante minorias sexuais, perfeitamente captada na sua pergunta "quem sou eu para julgar?".

Sim, mil vezes sim: Francisco foi um papa admirável. Mas serei o único a ver nos eflúvios progressistas algo de bizarro?

Em desespero de causa, recorri aos textos canônicos. Suspirei de alívio. Críticas ao "capitalismo selvagem"?

Na era moderna, Leão 13 estabeleceu o tom e o conteúdo da doutrina social da igreja. Foi em 1891, na sua "Rerum Novarum", em que aparelhou as predações do socialismo revolucionário com os abusos do liberalismo econômico sem limites.

A lição ficou para a posteridade. Mesmo João Paulo 2º, "persona non grata" para a esquerda que ainda suspira por Moscou, reafirmou a crítica na sua "Centesimus Annus".

Francisco não inovou. Não é fácil inovar uma doutrina com século e meio.

E que dizer das preocupações com os imigrantes?

Assim de cabeça, lembro-me de três refugiados que tiveram importância maior na narrativa cristã: José, Maria e Jesus. Já ouviu falar deles?

Foi precisamente em nome dessa família que Pio 12, em discurso em 1952, exortou a comunidade cristã a acolher com amor os desvalidos. Francisco, também aqui, permaneceu fiel aos antecessores.

Por último, é inegável que houve uma abertura para a comunidade LGBTQ. Mas essa abertura está já contida na "Carta aos bispos da Igreja Católica sobre o atendimento pastoral das pessoas homossexuais", elaborada por um tal de Joseph Ratzinger durante o pontificado de João Paulo 2º.

Por outras palavras: Francisco, com as inevitáveis diferenças de estilo que são próprias da individualidade papal, é um continuador. Como explicar o desconhecimento festivo dos seus novos seguidores?

Arrisco uma hipótese: não é apenas desconhecimento. A adesão a Francisco também se explica pela crise de referências que assola a esquerda contemporânea.

É uma crise de referências no sentido mais básico da expressão: faço uma lista mental com os principais nomes teóricos da esquerda e comprovo o definhamento onomástico das últimas décadas. Marx, Lênin, Gramsci, Adorno, Sartre, Foucault –até aqui tudo fácil. Depois daqui tudo difícil.

Haverá um nome incontornável que se lhes compare? Habermas, talvez. Antonio Negri? Thomas Piketty? Zizek?

Não blasfeme. A biblioteca do intelectual de esquerda perdeu brilho e vigor. Só restam sombras.

Papa Francisco olhando para o alto usando uma boina com estrela vermelha", em referência à foto clássica de Che Guevara. No fundo a foice símbolo do Comunismo aparece cruzada por um crucifixo, ao invés de martelo.
Angelo Abu/Folhapress

Mas a crise não é apenas bibliográfica. É cartográfica: onde estão as propostas da esquerda para um projeto mobilizador de sociedade?

O historiador David Swift, ele próprio um homem de esquerda, respondeu à pergunta em "A Left for Itself: Left-Wing Hobbyists and Performative Radicalism".

A crise financeira de 2008, o mais sério revés do capitalismo internacional, deveria ter sido um maná para a política progressista, escreve o autor.

Não foi. Pelo contrário: foi a direita populista que emergiu triunfante, conquistando o eleitorado tradicional de esquerda (o "proletariado"; ainda lembra dele?).

Essa deserção dos trabalhadores para as águas da direita se explica, segundo David Swift, pela opção identitária da nova esquerda, mais preocupada com a sinalização moralista da sua própria virtude.

"Sujar as mãos" com os problemas reais dos "deploráveis" (para usar essa imortal palavra) deixou de ser uma prioridade.

Para que perder tempo com a economia quando a verdadeira luta é simbólica e cultural?

Como exemplo, David Swift oferece os debates sobre a imigração. Um marxista clássico diria que as vantagens econômicas da imigração irrestrita tendem a beneficiar o capital, enquanto os custos sociais são suportados pelo trabalho.

No mundo da nova esquerda, só há vantagens. E quem disser o contrário é racista e xenófobo.

Moral da história?

A nova esquerda prefere subir no púlpito e transformar a política em sermão.

Essa deriva clerical tinha de acabar numa interpretação abusiva do papa Francisco. Como se a doutrina da Igreja Católica, expurgada dos seus elementos transcendentes, fosse mera propaganda ideológica.

Como diria Talleyrand, é pior que um crime; é um erro. E esse erro diz mais sobre o estado da esquerda atual do que sobre o legado do papa Francisco.

Nem são Sidônio faz milagre no INSS, Helio Schwartsman, FSP

 Não há são Sidônio que faça milagre aqui. A nova eminência parda do governo Lula fez o que tinha de fazer diante do escândalo dos descontos indevidos em aposentadorias e pensões do INSS.

Sidônio Palmeira instruiu a administração a suspender os repasses às entidades, a prometer ressarcir os prejudicados, cuidou para que uma alta autoridade, o presidente do INSS, fosse demitida e tentou emplacar uma narrativa favorável ao governo, destacando que o escândalo veio à tona em investigação da própria gestão e que os descontos suspeitos tiveram início bem antes de Lula tomar posse.

O ministro Sidônio Palmeira (Comunicação Social) - Evaristo Sá/AFP

Não sei se bastará. Há detalhes que favorecem leituras menos benignas para o governo, como o fato de que um dos sindicatos que mais se beneficiou com o esquema tem um irmão de Lula como dirigente. Interpretações à parte, há também uma questão substantiva que me parece de fato irrespondível.

Reportagem da TV Globo mostrou que o problema das fraudes em descontos foi levado pessoalmente, por fonte crível, ao ministro da Previdência, Carlos Lupi, em junho de 2023. A presteza com que o governo agiu agora, suspendendo os repasses, indica que a pasta poderia ter adotado a mesma medida tempos atrás, poupando velhinhos de quase dois anos de subtração de benefícios.

Lupi, aliás, já se movimenta como se seu cargo estivesse na berlinda. Lula tem notória dificuldade para demitir ministros, sobretudo aqueles com os quais tem ligação pessoal, mas sua solidariedade só vai até certo ponto.

A pergunta que lanço é se faz sentido que o Estado atue como agente coletor de dinheiro que vai para instituições não públicas. Exceto pelos empréstimos consignados (sem o desconto automático o aposentado não tem acesso ao juro menor), eu acho que não. O presente escândalo é um ótimo argumento a favor dessa tese.

Se queremos ter certeza de que o pagamento é de fato voluntário, não há melhor instrumento do que o bom e velho boleto, que exige a decisão concreta de enviar determinado valor a determinada entidade.