domingo, 27 de abril de 2025

Samuel Pessôa - Conversa com um leitor, FSP

 Na semana passada, abordei a necessidade de, durante alguns anos, não haver aumentos reais do salário mínimo. O tema é muito polêmico e suscitou inúmeros comentários de leitores. A minha coluna elaborava manifestação de Arminio Fraga na conferência Brazil Week, em Harvard. O leitor Luiz Gustavo Amorim fez os seguintes questionamentos:

"Arminio é um cara sensato, mas por que falar em congelar o mínimo sem antes mencionar a fila de subsídios e desonerações, a previdência dos militares, as emendas impositivas, os supersalários do Judiciário e a carga tributária ridícula do andar de cima?".

Um homem sentado em uma cadeira de vime em um evento. Ele está vestido com um paletó escuro e uma camisa clara. Ao seu lado, há duas garrafas de água em mesas pequenas. O fundo é claro e neutro, com uma iluminação suave.
Armínio Fraga durante evento antes do segundo turno da eleição presidencial de 2022

O questionamento de Luiz Gustavo reproduz inúmeras outras manifestações que chegaram até a mim. Vale, portanto, insistir no tema.

Em sua fala, Arminio propôs um programa de redução dos subsídios tributários dos atuais 6% do PIB para 4% do PIB. Mas, se o leitor quiser conhecer o diagnóstico que Arminio faz de nossa desigualdade, e das políticas necessárias para atacá-la, a melhor fonte é o artigo que ele publicou em 2019 na revista Novos Estudos, do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).

Na quinta seção de seu texto, Arminio, empregando o excelente relatório de Orçamento de Subsídios da União (OSU), avalia as diversas frentes em que podemos avançar. Há muito espaço para redução desses benefícios. Por exemplo, em 2003 os subsídios tributários da União eram 2% do PIB, em 2016 atingiram 4,3%, e hoje rodam em 4,8% do PIB. Se conseguirmos voltar ao valor legado pelo governo FHC, a arrecadação se elevaria em 2,8 pontos percentuais do PIB.

A leitura da quinta seção do texto de Arminio documenta o oposto da visão comum. Esta alega que há alguns grupos pequenos privilegiados que abocanham o dinheiro do Estado. Se houver vontade política e se enfrentarmos os poderosos, resolveremos o problema de financiamento do Estado brasileiro, e a pobreza e a desigualdade se reduzirão muito.

Como tenho insistido neste espaço há muito tempo, "os culpados", chamemos assim, somos todos nós. Há uma boquinha para cada um. Quem não se beneficia da possibilidade de abater do IRPF integralmente os gastos com saúde? Quem não tem uma empresa do Simples ou é "pejota", portanto, paga Imposto de Renda bem menor do que se tivesse um contrato CLT ou se a empresa operasse no lucro real? Quem não tem um parente idoso rico que não declara IRPF ou mesmo um parente com capacidade contributiva, mas que está isento do IRPF, pois tem alguma doença? Quem em algum momento da vida não se beneficiou de um empréstimo público a taxas subsidiadas? Quem não tem parente, conhecido, amigo que recebe uma reparação financeira muito elevada do Estado brasileiro pelos crimes da ditadura? E os salários acima do teto de diversas carreiras do funcionalismo público? A lista é bem longa.

Os governos têm buscado corrigir esse estado de coisas. Em 2023, o atual governo igualou as regras tributárias dos fundos fechados de investimentos com a dos abertos. O ministro Haddad, recentemente, encaminhou ao Congresso um projeto de lei para aumentar a tributação sobre as altas rendas. Paulo Guedes havia tentado. Oxalá desta fez o Congresso não desfigure completamente a proposta do Executivo.

O ideal é que deixemos de lado os xingamentos e olhemos com mais cuidado os números e avaliemos onde podemos melhorar —cortando gastos e elevando a receita— para atender aos mais necessitados.

Comida mais cara, roubança no INSS e governo meio perdido, VTF FSP

 No dia 15 de janeiro, o governo cancelava medida que ajudaria a fiscalizar bandalheiras com o Pix. Até aquele dia, um vídeo de propaganda de um deputado da direita tinha sido visto 217 milhões de vezes, mais do que a população do país. O vídeo avacalhava o governo e espalhava o medo da vigilância sobre o Pix. A popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva caía pelas tabelas, diriam as pesquisas, mais tarde.

Uma semana depois da derrota do Pix, o governo começava a dizer que tomaria providências a fim de conter a inflação dos alimentos. Foi em 22 de janeiro, aquele dia em que Rui Costa, ministro da Casa Civil, falou de modo desastrado sobre "intervenções" para lidar com a carestia da comida. O governo queria dar a impressão de que se agitava a fim de tomar medidas. Houve reuniões com empresários. O governo baixou o imposto de importação de sardinha. Lula disse que caçava quem "passou a mão no direito" do povo de comer ovo.

Um homem de cabelo grisalho e barba, vestindo um terno cinza e uma gravata azul, está com a mão na cabeça, aparentando estar pensativo ou reflexivo. Ao fundo, há uma bandeira do Brasil e um símbolo que representa o país.
O presidente Luiz Inacio Lula da Silva, em Brasília - Evaristo Sá - 23.abr.25/AFP

Desde janeiro, a inflação da comida sobe. O aumento anual de "alimentação no domicílio" (comida que se leva para preparo em casa), passou de 7,2% em fevereiro para 8% em abril, segunda maior alta em dois anos.

Parte da inflação da comida é mundial. O governo quase nada tem a fazer quanto a isso. Mas, como se passou à demagogia, agora tende a pagar o preço da esperteza burra.

Uma medida econômica de insatisfação com o governo, a julgar pelas pesquisas de avaliação, é a diferença entre o aumento nominal dos salários e a inflação da comida, acumulada em 12 meses.

Em abril de 2022, o aumento médio dos salários perdia para a inflação da comida em 12%. Além do grande aumento da miséria de 2021 (quando se cortou o auxílio emergencial), esse deve ter sido um motivo da derrota de Jair Bolsonaro.

Em janeiro de 2023, os salários ganhavam da inflação por 2,2%. Em setembro de 2023, por 10%. Meados de 2023 foi o melhor momento do prestígio de Lula. Em janeiro deste ano, a diferença entre a variação de salários e preços da comida (acumulada em 12 meses) baixara a apenas 1,2%. Os dados de abril devem mostrar piora adicional.

A fila do INSS aumentou. Claro que variações da espera no INSS não explicam variações de popularidade, mas criam aquele mau humor de base, que pode ser explorado por quem faz campanhas contra o Estado em geral e contra este governo em particular. Como se não bastasse, ficou escancarado que o INSS era negligente com a roubança dos aposentados, rolo de quase uma década, mas que piorou bem em 2023 e 2024, até dar em caso de polícia. O governo promete o impossível, mas não consegue tomar conta da barraquinha.

Neste ano, quase nada aconteceu na política politiqueira afora a frente parlamentar de apoio ao golpe e à anistia de golpistas. Quanto a medidas do governo, parece andar o consignado para celetistas. Desde o dia 21 de março, quando estreou, em média saem uns R$ 370 milhões de empréstimos por dia útil, mais de R$ 8,2 bilhões, no total. O governo prometeu, de resto, fazer passar a isenção do IR no Congresso, o que não pega no povo e, se passar sem rolo, valeria apenas em 2026. E foi tudo de relevante.

O ano tem sido obliterado pelo circo sinistro de Donald Trump. Mas o governo parece inerte, toma rasteiras políticas bisonhas no Congresso e não tem rumo e imaginação até para reagir ao atoleiro de popularidade.

INSS é líder em número absoluto de expulsões de servidores públicos, FSP

 Felipe Gutierrez

SÃO PAULO

O INSS (Instituto Nacional de Segurança Social), alvo de investigação da PF por irregularidades em descontos de benefícios, é o órgão do governo federal com o maior número de servidores punidos nos últimos oito anos, de acordo com informações da CGU (Controladoria Geral da União). São 168 pessoas do instituto, de um total de 2.437 de toda a administração federal —ou seja, 7% dos servidores que receberam sanções.

Oito anos é o período em que é possível fazer um levantamento das punições, uma vez que os nomes de servidores sancionados, após publicação no Diário Oficial, ficam por oito anos no Caef (Cadastro de Expulsões da Administração Federal), da CGU. Passado esse prazo, os nomes são retirados da lista.

As punições relacionadas no Caef são cassação de aposentadoria, destituição de cargo em comissão ou demissão –muitas vezes, há acúmulo de penas. No caso do INSS, todos foram demitidos.

Entre os motivos possíveis para uma demissão no serviço público estão corrupção e abandono de cargo, causas de 65% e 25%, respectivamente, do total de "punições expulsivas", segundo relatório feito em 2019 pela CGU.

Procurados, o INSS e a CGU não responderam à reportagem.

A imagem mostra um prédio de vidro refletindo o céu com nuvens. Na frente do prédio, há três mastros com bandeiras: uma bandeira do Brasil, uma bandeira branca e uma bandeira com o texto 'INSTITUIÇÃO SOCIAL'. O ambiente é urbano, com grama e um caminho de pedras na frente do edifício.
Fachada da sede do INSS em Brasília - Pedro Ladeira - 23.abr.25/Folhapress

ÓRGÃOS COM MAIORES NÚMEROS ABSOLUTOS DE DEMITIDOS

Órgãonº de demitidosnº total de servidores%
INSS16825 mil0,67
Min. da Saúde10363 mil0,16
Min. da Justiça672,7 mil2,5
Min. da Economia3922 mil0,17
Ibama285,2 mil0,53

Fonte: Caef



Em números absolutos, o INSS é seguido no cadastro da CGU pelos ministérios da Saúde (103), da Justiça (67), da Fazenda (39) e do Ibama (28).

No entanto, essas instituições têm folhas de pagamento de dimensões muito diferentes. Em porcentagem de servidores expulsos, o Ministério da Justiça fica em primeiro (2,5%), seguido do INSS (0,67%), do Ibama (0,53%) e, por fim, dos ministérios da Fazenda e da Saúde, que demitiram cerca de 0,17% de seus profissionais.

Um dos fatores que explicam o fato de o INSS liderar o número de punidos é justamente a quantidade de profissionais na ativa no órgão, 25 mil, segundo informações do Portal Transparência. Tirando as Forças Armadas, só o Ministério da Saúde e a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares têm mais funcionários.

Escândalos de corrupção no INSS são cíclicos, afirma o professor da FGV especializado em Previdência Jorge Boucinhas. "Eles trabalham com um volume muito grande de concessões e manuseiam valores muito expressivos", diz ele.

O instituto tem uma fiscalização robusta, segundo Boucinhas: "Não falta apuração interna nem externa de denúncias, mas é uma estrutura gigante em todos os aspectos e um volume muito grande tanto de fontes de receita, como loterias, empresas e pessoas, e de pagamentos".

Para ele, uma hipótese que pode explicar por que o INSS é a unidade da Administração Federal com mais expulsos é que "essa multiplicidade de fontes facilita a vida de quem está mal-intencionado".

As fraudes vão desde pagamentos para pessoas que já morreram até questões contábeis bem mais graves, diz o professor.

Na quarta-feira (23), a CGU e a PF (Polícia Federal) fizeram uma operação para acabar com um esquema de descontos que sindicatos e outras entidades faziam nos depósitos de aposentados e pensionistas, com mandatos de busca e apreensão, sequestro de bens e pedidos de prisão temporária em 13 estados e no Distrito Federal.

O presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e outros cinco servidores, alvos da operação, foram afastados.

Os descontos que levaram à operação policial acontecem quando aposentados e pensionistas se filiam a entidades para ter acesso a plano de saúde, academia e outros serviços. A investigação aponta, porém, que muitos beneficiários que tiveram dinheiro descontado não haviam se associado aos órgãos nem autorizado os pagamentos.

Há mais de 30 associações aptas a fazer esse tipo de desconto de valores nas aposentadorias, e a PF investiga 13 delas.

O processo administrativo que eventualmente culmina em uma demissão é instalado por cada órgão, afirma o professor da Faculdade de Direito da USP Vitor Schirato. "Há garantia de ampla defesa e contraditório, e a pena de demissão é aplicável para casos de grande gravidade, como corrupção, abandono de função, fraude etc.", diz ele.

A decisão de demitir é tomada por uma comissão formada por representantes do órgão, e pode ser revista pelo Poder Judiciário, segundo o professor.

"O número (de expulsos) é baixo porque as infrações muito graves são raras", afirma ele.