quinta-feira, 24 de abril de 2025

Recusa a ministério foi mico para Lula e Gleisi Hoffmann, Marcos Augusto Gonçalves, FSP

 Embora remendada, a recusa do deputado Pedro Lucas ao convite para o ministério das Comunicações foi uma notícia ruim para o presidente Lula e a ministra Gleisi Hoffmann, das Relações Institucionais, que endossou o nome. Ao declinar da pasta, o parlamentar causou constrangimento geral e insatisfação no mundo petista. O governo pagou um mico e passou impressão de fragilidade.

Por mais que tenha contribuído o quadro de desavenças e desorientações políticas desse monstrengo partidário intitulado União Brasil (a sigla é mais uma de nossas piadas prontas), o fato é que o presidente foi deixado no vácuo.

O caso levou a crer que a escolha e o modo como transcorreu a tentativa de troca ministerial foram um equívoco. O desgaste também atingiu o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, interlocutor de Lula na substituição.

A imagem mostra um homem de cabelo grisalho e barba, vestido com um terno escuro e gravata, conversando de forma próxima com uma mulher de cabelo loiro e liso, que usa um blazer xadrez. Ao fundo, há uma mulher com um vestido colorido e um homem com terno escuro, que observa a cena. O ambiente parece ser um evento formal.
Lula e Gleisi Hoffmann na posse dela na Secretaria de Relações Institucionais - Pedro Ladeira - 10.mar.2025/Folhapress

A trapalhada, além de sua dimensão palaciana, pode ser vista como um sinal dos problemas que se apresentam nesses tempos em que o centrão e a ultradireita transformaram-se nos grandes astros dessa espécie de "parlamentarismo bastardo" instalado em Brasília.

Como observou o cientista político Christian Lynch, o eixo ideológico do poder há pelo menos dez anos vem se deslocando para a direita, sustentado por partidos mais ou menos conservadores e radicais que se tornaram o núcleo de estabilidade e controle do sistema.

O que se chama de centrão sempre esteve aí e vem passando por mutações para se adaptar aos ecossistemas que se sucedem. Hoje é uma associação de legendas e políticos que vai do bolsonarismo mais boçal a uma direita até certo ponto pragmática e interessada em mostrar algum serviço. O principal elemento da liga é a busca obstinada pela apropriação de recursos públicos para interesses paroquiais e privados.

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O Congresso do nefasto orçamento secreto, as chamadas emendas de relator e quetais ainda em curso sem a devida transparência, apesar de decisões do STF (Supremo Tribumal Federal), retrata uma cultura política que se degrada na falta de ética e de compromissos públicos. É a velha lógica do fisiologismo, o famoso me dá um dinheiro aí que eu entrego.

Foi o que fez Jair Bolsonaro, subindo (ou baixando) o patamar da coisa, com o intuito de se manter no poder e tentar a reeleição. É o que faz Lula, à sua maneira.

A situação só piora quando se projetam no meio político as expectativas eleitorais para 2026. Há dúvidas se Lula conseguirá renovar seu mandato. Estivesse o petista voando, com ampla aprovação nas pesquisas, o quadro certamente seria outro. Mas não está. Se sua popularidade parou de cair, como indicaram as últimas sondagens, o cenário ainda é complicado.

Os embates entre governismo e oposição tiveram seu peso, mas não maior que a confortável posição de Pedro Lucas nesse pomar de emendas a alimentar seus interesses e currais. Por que sair?

O mal-estar não levaria Lula a reações intempestivas como um rompimento com Alcolumbre —que não fala pelo partido, mas é interlocutor amigo no Senado. A começar pelas sinalizações contrárias à pauta da anistia ao 8 de janeiro, o descalabro legislativo da hora.

A saída veio com o presidente da Telebras, Frederico de Siqueira Filho, indicado a novo ministro das Comunicações. E assim caminha a realpolitik.


Também nunca tuitei, Ruy Castro, FSP

 Escrevendo no dia 19 último sobre a morte de Mario Vargas Llosa, meu amigo Alvaro Costa e Silva observa que o escritor peruano nunca tuitou na vida. "Não precisava", disse. "Qualquer declaração sua, artigo de opinião e entrevista logo estavam nas redes, provocando admiração ou rechaço." Como todos que vivem de escrever, Vargas Llosa produziu verdades e sandices. O espantoso é que suas palavras tenham tido tanto alcance sem essa "ferramenta", hoje essencial para milhões.

Modestamente, também nunca tuitei na vida. Assim, deixo de atingir as multidões que se comunicam pelo Twitter, mas, como isso não lhes altera a cotação do dólar, deduzo que ninguém tem saído perdendo. Donald Trump, em seu primeiro mandato na Presidência dos EUA, tuitou 25 mil vezes e, segundo a Casa Branca, seus tuítes eram declarações oficiais —o que inclui, portanto, suas incitações ao ataque ao Capitólio no 6/1 de 2022. Hoje, com o Twitter em mãos de Elon Musk, saberemos o que é tuitar de verdade.

Assim como nunca tuitei, também nunca orkutei, bloguei, fotologuei, flickerei ou messengerei. E, assim como eu, muita gente deixou de fazer isso quando essas tecnologias ficaram fora de moda —você conhece alguém que ainda orkuta? Portanto, apenas me antecipei. Da mesma forma, nunca instagramei, facebookei, telegramei, tik-tokei, skypei, linkedinei ou snapchatei. O máximo que faço é whatsappar e, mesmo assim, pelo computador. Algumas pessoas se preocupam por terem um excesso de vida digital. Eu tenho de menos. Mas, como sou um homem de necessidades simples, vou me virando sem essas maravilhas.

Sei que parece esdrúxulo viver no século 21 e ainda usar a tecnologia do século 20. Mas alguns dos maiores escritores do século 20 criaram obras-primas usando a tecnologia do século 19. Marcel Proust, James Joyce e F. Scott Fitzgerald não escreveram, respectivamente, "Em Busca do Tempo Perdido", "Ulisses" e "O Grande Gatsby" à máquina. Usaram a velha pena embebida no tinteiro.

E também nunca tuitaram.

Mudanças climáticas reduziram PIB do agro em ao menos R$ 460 bi em 2024, Bráulio Borges -FSP

 Em várias de minhas colunas, tenho chamado a atenção para o impacto negativo já observado das diversas mudanças climáticas sobre a economia brasileira. Em uma das últimas, apontei evidências de que o agronegócio brasileiro já vem sendo afetado adversamente por tais mudanças. Mas ainda há pessoas que insistem em não reconhecer o problema. Assim, resolvi explorar um pouco mais esse tema hoje.

Eu inicio citando um estudo acadêmico publicado no ano passado, de autoria de dois pesquisadores brasileiros ligados à Esalq/USP, Humberto Spolador e André Danelon. Utilizando dados bastante desagregados obtidos em três Censos Agropecuários (1995, 2006 e 2017), eles estimaram quais são os fatores que afetam a produtividade da agricultura brasileira.

A principal novidade é que, além de incluírem os insumos mais óbvios —como terra e maquinário—, eles também incluíram variáveis climáticas, temperatura e chuvas. O exercício conduzido por eles apontou que, quanto maior a temperatura (sobretudo no verão e no outono), menor a produção. Já no caso das chuvas, quanto maiores as precipitações, maior a produção (até um determinado limite, já que chuvas excessivas passam a gerar impacto negativo).

Desse modo, eles apontaram que a chamada produtividade total dos fatores na agricultura brasileira subiu cerca de 2% ao ano entre 1996 e 2017. Importante notar que esse conceito de produtividade é diferente daquele mais simples, de toneladas por hectare, uma vez que os autores levaram em conta o valor monetário da produção e vários insumos (não somente a terra).

O que mais chama a atenção nesse estudo é que eles estimaram que, não fossem as mudanças climáticas (aumento da temperatura e redução das chuvas), a produtividade sistêmica da agricultura brasileira teria crescido quase 3% a.a. Portanto, as mudanças climáticas já vêm afetando negativamente o agronegócio brasileiro.

A imagem mostra uma estrada de terra em meio a uma área devastada por incêndios florestais. O solo está exposto e coberto por cinzas, com árvores queimadas e algumas plantas verdes brotando ao redor. O céu está nublado, indicando fumaça ou poluição, e a vegetação ao fundo é escassa, com troncos de árvores queimadas visíveis.
Área de floresta queimada na região de planalto entre Santarém e Uruará, no Pará - Lalo de Almeida - 23.nov.24/Folhapress

Com base nas estimativas deles, eu construí uma espécie de cenário contrafactual para saber quão maior seria o PIB do agronegócio brasileiro hoje caso não tivéssemos observado essas mudanças climáticas desfavoráveis. Tomando por base as estimativas do Cepea/Esalq referentes a 2024, eu estimo que o PIB da agricultura teria sido cerca de R$ 113 bilhões maior sem esses efeitos negativos.

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Expandindo isso para o agronegócio como um todo (ou seja, levando em conta a cadeia de insumos, agroindústria, transportes, serviços etc.), chego a um valor próximo a R$ 460 bilhões. Ou seja: as mudanças climáticas acumuladas nos últimos 30 anos subtraíram quase meio trilhão de reais do PIB do agronegócio no ano passado.

Mas esses valores possivelmente estão subestimados. Em primeiro lugar, porque eu considerei que somente a agricultura teria sido impactada adversamente, ignorando a pecuária. Ademais, extrapolei as estimativas de impactos climáticos dos autores do período 1995-2017 para 2018-2024. Há diversas evidências de que as mudanças climáticas se acentuaram nos últimos anos, particularmente no caso das chuvas: no Brasil, as precipitações no período 2018-2024 foram 17% menores, em média, em relação a 1995-2017, de acordo com dados do Inmet.

Com efeito, para que o agronegócio brasileiro continue se desenvolvendo, ofertando cada vez mais alimentos e biocombustíveis para o país e o mundo a preços razoáveis, é preciso impulsionar a adoção de medidas de mitigação (como a redução das queimadas e desmatamentos, sobretudo na floresta amazônica), de adaptação (como o aumento da irrigação), além de práticas mais sustentáveis (como a agricultura regenerativa).