quinta-feira, 24 de abril de 2025

Golpe contra aposentados não começou agora, mas deixa governo Lula constrangido sob três frentes, OESP

 

A operação Sem Desconto, deflagrada nesta quarta-feira, 23, pela Polícia Federal para apurar desvio de recursos diretamente do contracheque de aposentados e pensionistas, deixa o governo Lula constrangido sob três frentes, ainda que os golpes não tenham começado agora.

Do ponto de vista político, mexer com aposentados e pensionistas tende a ser um tema espinhoso para o governo, que já enfrenta uma grave crise de popularidade, já que envolve idosos e pessoas com deficiência. Não por acaso, Lula determinou a demissão do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, ainda na quarta-feira.

Operação Sem Desconto, deflagrada pela PF e pela CGU, investiga descontos indevidos em benefícios de aposentados e pensionistas.
Operação Sem Desconto, deflagrada pela PF e pela CGU, investiga descontos indevidos em benefícios de aposentados e pensionistas. Foto: Wilton Junior/Estadão

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Do ponto de vista criminal, apesar de os desvios terem começado em 2016, os números indicam que eles escalaram em 2023, o primeiro ano do atual do governo, e subiram ainda mais em 2024, mesmo após reportagens na imprensa, judicialização e acórdãos do TCU sobre o tema. O afastamento da cúpula do INSS foi um pedido da PF, autorizado pela Justiça, por supostas omissões no combate a essas irregularidades.

Já sob a lógica fiscal, o Tesouro terá dificuldades para arrumar recursos para indenizar cerca de R$ 8 bilhões que teriam sido tungados dos aposentados durante todo esse período. Questionado sobre o assunto em coletiva, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, confirmou que “um dia”, este dinheiro terá que ser restituído, após análise caso a caso.

Será mais uma fonte de despesas a rondar os Ministérios da Fazenda e do Planejamento, que já indicaram o colapso do arcabouço fiscal nos próximos anos com o crescimento dos gastos obrigatórios e a volta do pagamento integral dos precatórios, por dentro das metas fiscais.

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O que a auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) indica é que a audácia para a prática de atividades criminosas no país não tem limites. A CGU fez entrevistas com 1.300 aposentados de todo o País e 97% deles afirmaram que não autorizaram os descontos para essas associações, diretamente nos seus contracheques. Embora seja apenas uma amostra, ela sugere a abrangência do problema por todo o território nacional.

Além disso, mostra que a fala do ministro da Previdência, Carlos Lupi, que afirmou que os aposentados podem cancelar os descontos de maneira rápida e simples no site do ministério, não condiz com a realidade. A auditoria mostra, ao contrário, que há enormes dificuldades práticas no cancelamento, já que muitos dos idosos não são afeitos a tecnologias e precisam ser “nível ouro” na conta gov.br. Também há relatos de novos descontos, mesmo após a formalização do cancelamento.

Com a economia perdendo tração, a inflação elevada, e a popularidade em queda, tudo que Lula não precisava era de desvios, por terceiros, de recursos do bolso dos aposentados. E tudo sob uma suposta omissão do INSS.

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Opinião por Alvaro Gribel

Repórter especial e colunista do Estadão em Brasília. Há mais de 15 anos acompanha os principais assuntos macroeconômicos no Brasil e no mundo. Foi colunista e coordenador de economia no Globo.

quarta-feira, 23 de abril de 2025

Um papa conservador da Igreja pode se opor à barbárie reacionária de Trump, FSP - VTF

 João Paulo 2º, papa de 1978 a 2005, militou pelo fim do comunismo. Contribuiu por vias indiretas, de efeito prático mínimo, para a derrocada soviética. Era anticomunista por todos os motivos óbvios, inclusive por ser polonês. Acabou por fazer parte da frente liderada por Ronald Reagan, que estressou até a morte o coração econômico-militar da União Soviética.

Francisco era das lideranças políticas mais sensatas e, habilidosas do planeta, uma raridade. Procurou reformar o Vaticano, suas finanças e corrupções, refazer o colégio de cardeais ou dar um destino sério, mas ainda muito discreto, ao caso da pedofilia, tudo isso sem causar terremoto que o incapacitasse politicamente. Para quem enxerga o catolicismo pelo monóculo da política ou de guerras culturais, parecia alguém que procurava reformar ideias católicas sobre costumes.

A imagem mostra a parte superior da cabeça de um homem idoso, que está usando um pequeno chapéu branco. Ele está com a mão direita apoiada na cabeça, e na mão há um anel com um símbolo visível. A pele do homem é enrugada, indicando sua idade.
O Papa Francisco morreu no último dia 21 - Yara Nardi/Reuters

Francisco não era bem isso ou muito longe de ser apenas isso; a igreja está dividida, com muitos insatisfeitos com o mundanismo, como o dito progressista. Mas seu fim repercute na mídia por meio de comentários sobre direitos LGBTQIA+ ou de opiniões de evangélicos, sem se levar em conta o que o papa tentava modificar e preservar da doutrina e da prática católicas. Talvez essa pobreza intelectual e, para quem é crente, espiritual, se explique pela decadência do prestígio do catolicismo, pelo desconhecimento do que seja essa religião e a ignorância geral, que tudo vê e tudo mói pela política ou ideologia vulgar, seja no caso de religião ou do que sobrou de ideias e artes.

Mas assim era visto Francisco, o progressista o quanto possível. A vida desse papa ligeiramente mais franciscano, mas política e espiritualmente bem jesuíta, se encerrou no repique da grande onda reacionária que se vê no mundo faz uma década. Mal era ouvido por quem tem poder secular.

Agora, nas discussões ultramundanas do que será do catolicismo, a sucessão, especula-se que "os papáveis" favoritos são conservadores. O que seria conservador? Para certa esquerda cultural-midiática, ressalte-se, trata-se de saber das preferências papais ou do colégio de cardeais a respeito de ordenação de mulheres, homossexuais etc. são retrógradas, se é preciso dizer. O caso não é bem esse.

Talvez interessasse pensar se pode ser eleita a ideia de uma igreja que viria a se recolher em si mesma. A igreja dos poucos seria em parte aquela de Bento 16, daqueles capazes de compreender e pensar as exigências radicais de exame de consciência, da fé na vida eterna, da misericórdia, do sacrifício, do acolhimento e do reconhecimento da vaidade das coisas do mundo. O assunto pode interessar até quem trata de religião como mera política.

O novo papa vai protestar contra o risco renovado e aumentado do desprezo pelos direitos humanos em geral? Considere-se Donald Trump, o flagelo de Deus. Agora mesmo, noticia-se que o Departamento de Estado, as relações exteriores, vão largar até a aparência de defesa de democracia, direitos humanos e paz. Prega-se a perseguição de pessoas entre as mais danadas da terra, imigrantes. A paz se dana, faz-se o elogio da força bruta.

O novo papa vai ser um conservador da igreja e capaz de falar contra o avanço dos bárbaros? Não fará grande diferença prática, mas interessa saber, se o caso é falar de política.

Drauzio Varella - Quadrilhas da internet, FSP

 Há anos quadrilhas de falsários usam minha imagem para achacar pessoas ingênuas. No começo era a minha foto que ilustrava textos com propagandas de tratamentos miraculosos, capazes de curar dor nas costas e nas juntas, diabetes, pressão alta, Alzheimer e outros males que afligem grande parte da nossa população.

Como essas falsidades eram veiculadas pelo Instagram e pelo Facebook, procurei entrar em contato com a Meta —a empresa responsável— para pedir que as retirassem do ar. Depois de inúmeras tentativas realizadas por mim e pela equipe da Júpiter, a agência que coordena nosso Portal de Saúde, concluímos que a empresa não tinha nenhum interesse em dar fim a esse crime contra a saúde pública, muito pelo contrário, não apenas mantinha os vídeos no ar como acobertava a identidade dos falsários.

Sabe por que razão a plataforma age dessa forma? Porque trabalha em conluio com essas quadrilhas. Explico melhor, prezado leitor: você faz um vídeo e publica em suas redes sociais. Quantos terão acesso a ele? Cem, 200, número insignificante para os estelionatários. Para eles é negócio pagar para a plataforma impulsioná-los. Desse modo, a depender da verba de que disponham, podem atingir centenas de milhares ou milhões de incautos. Vai valer a pena, as vendas serão multiplicadas sem risco de enfrentar a lei, a Meta lhes garantirá o anonimato.

A ligação da empresa com os ladrões é clara. Por esse mecanismo eles inundam a internet com anúncios falsos. No caso da venda de comprimidos e cápsulas que ninguém faz ideia do que contêm, quem pratica o crime mais abjeto? Os que fabricam e anunciam o produto ou quem é pago para fazê-lo chegar ao maior número possível de pessoas?

Ilustração da estátua 'A Justiça', de Brasília, sendo intimidada de perto por um sujeito gigantesco. Não o vemos inteiramente, ele está de costas para nós, mas vemos que segura atrás do corpo seu grande revólver e também vemos que é poderoso e rico pelo seu caro terno riscado, seu anel precioso e suas abotoaduras douradas. Tudo neste personagens indica um gangster.
Libero/Folhapress

Nos últimos anos, essas propagandas que usam meu nome e minha imagem se multiplicaram em proporções geométricas. A julgar pelo número das que chegam até mim, devem ser centenas ou milhares. Os que as enviam pedem que eu tome providências. Quais? Reclamar com quem ganha dinheiro com esse tipo de transação?

O advento da inteligência artificial permitiu que os meliantes aperfeiçoassem o golpe. No início, a imitação da minha voz era grosseira e o movimento dos lábios atropelava as palavras pronunciadas. Hoje, até eu me confundo. Meus lábios estão quase sincronizados com a fala, chego a achar que a voz falsificada é melhor que a minha.

Claro que fico revoltado ao ver a carreira que construí em mais de 50 anos ser vilipendiada, meu nome na boca de gente da pior espécie, que faz uso dele para roubar gente humilde e de boa-fé. Mas o que mais me dói é ser parado na rua por pessoas simples que me perguntam por que não melhoram com o remédio que eu teria recomendado. Ou que pagaram sem nunca receber a encomenda.

Inconformado com a impunidade desses criminosos e com o acobertamento que a Meta coloca à disposição de seus acólitos, movi uma ação judicial contra a empresa e fiz uma denúncia ao Ministério Público de São Paulo. Ambas correm em segredo de Justiça.

Amigos me alertaram para os percalços de processar a plataforma do homem mais rico do mundo. De fato, há vários países tentando estabelecer regras que permitam enquadrá-la nos limites das leis. A resposta todos já ouviram: eles são contrários a qualquer tipo de regulamentação, por serem defensores ferrenhos da liberdade de expressão.

Como assim? Associar-se a meliantes que praticam crimes contra a saúde pública tem alguma coisa a ver com princípios democráticos?

O argumento de que eles publicam milhares de vídeos por dia e por isso não teriam como fiscalizá-los não se sustenta. Porque quando denunciamos a fraude eles nem se dignam a responder, ou simplesmente prometem que "irão verificar". Se barrar os impostores é tão difícil, por que a mesma coisa não acontece com o YouTube, plataforma que consegue se defender dessa escória?

Cara leitora, crimes contra a saúde pública estão sujeitos a penas de dez anos de prisão. Qual a lógica de a sociedade puni-los com esse rigor enquanto aceita que sejam cometidos impunemente pela internet? Até quando vamos nos acovardar diante dessas quadrilhas que atuam sob a proteção da Meta e de outras plataformas?

Será que devemos ter dois Códigos de Processo Penal, um para os criminosos da internet e outro para o comum dos mortais?