quinta-feira, 24 de abril de 2025

Fraude no INSS: governo suspende repasse a entidades e diz que fará 'integral ressarcimento' de descontos irregulares, g1

 

O ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Vinicius Marques de Carvalho, anunciou nesta quinta-feira (24) que o governo vai suspender todos os descontos mensais feitos por entidades, como associações e sindicatos, nas folhas de pagamento dos beneficiários do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS).

Na mesma entrevista, a diretora de Orçamentos e Finanças e Logística do INSS, Débora Floriano, afirmou que o instituto vai elaborar um plano para garantir o ressarcimento integral das vítimas – mas o formato da devolução depende, ainda, de descobrir o tamanho da fraude.

"Nós traremos oportunamente um plano onde serão abordadas, tratadas todas as informações. Para em seguida, em uma força-tarefa conjunta, promovermos o integral ressarcimento dos valores irregularmente descontados dos nossos segurados", disse Débora.

➡️ Segundo CGU e INSS, os descontos serão interrompidos já nos contracheques de maio. Por isso, os aposentados e pensionistas não precisam correr às agências para evitar novo prejuízo.

➡️ Eventuais parcelas que já tenham sido lançadas não serão enviadas às entidades, e sim, ressarcidas no mês seguinte.

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Fraude no INSS: como descobrir se você foi uma vítima

De acordo com as investigações até o momento, o valor descontado dos aposentados desde 2019 alcança R$ 6,3 bilhões.

Não se sabe, ainda, quanto disso foi descontado ilegalmente, e quanto seguiu as regras.

"Nós estamos tratando de uma oportunidade de reorganizar esse sistema como um todo. Mas para reorganizar esse sistema, tornar ele seguro e íntegro [...] é necessário agora que se faça a suspensão de todos esses acordos de cooperação técnica. Todos, de todas as entidades", disse o chefe da CGU.

"Essa suspensão vai viabilizar, em primeiro lugar, que os recursos que iriam para as associações neste mês de maio já não vão para as associações. Vão ser retidos [...] e na próxima folha de pagamento serão restituídos aos aposentados. A partir de agora, nenhum aposentado será descontado da sua folha", seguiu.

Segundo o relatório da apuração da CGU, houve um aumento dos descontos em 2019, no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro.

O maior salto nos valores totais descontados pelas entidades foi em 2023, já no governo Lula. Veja os números:

  • 2016: descontos de R$ 413,2 milhões
  • 2019: descontos de R$ 604,6 milhões
  • 2022: descontos de R$ 706,2 milhões
  • 2023: descontos de R$ 1,3 bilhão

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Vítimas relatam dificuldade em cancelar desconto indevido no INSS

Tamanho da fraude ainda é desconhecido

O ministro da CGU disse ainda que as investigações reveladas nesta quarta (23) apuram descontos nas aposentadorias de 6 milhões de brasileiros.

O número se refere ao total de aposentados e pensionistas que enviam alguma parcela mensal de seus vencimentos para entidades associativas.

O governo ainda não sabe quantos desses 6 milhões foram vítimas de fraude – ou seja, quantos não autorizaram os descontos.

"A grande investigação que se faz é saber exatamente por que esses aposentados, ou uma parte grande desses aposentados tinham esse desconto sem ter autorizado. O principal objetivo é proteger os aposentados brasileiros e garantir que sua aposentadoria seja recebida em sua inteireza, sem descontos indevidos", disse.

De quantos conchavos se faz um conclave?, Sergio Rodrigues, FSP

 Enquanto os olhos do mundo se voltam para o Vaticano, à espera do conclave que elegerá o sucessor do grande Francisco, aqui deputados minúsculos fazem conchavos para anistiar golpistas e contratar a extinção de seu próprio habitat, a democracia.

Devo ao leitor Adilson Roberto Gonçalves, pesquisador na Unesp, a providencial lembrança de que o substantivo conclave, termo de jeitão solene que está na ordem do dia, é irmão de conchavo, palavrinha popular e desprovida de pompa que costuma exalar um aroma de mutreta.

Nos dois casos, temos a mesma ideia de ambiente que se fecha com chave, "clavis". No conclave, enfatiza-se a reclusão, o quase encarceramento; no conchavo, o sigilo do que só pode ser dito entre quatro paredes.

Aí você pode perguntar: como foi que as duas palavras vieram a se tornar tão diferentes depois que a história as separou na maternidade?

Em primeiro lugar, não convém esticar demais a metáfora –gêmeos, a rigor, os vocábulos não são. Conclave nos chegou no século 15 de "conclavis", que no latim clássico queria dizer apenas quarto fechado a chave, alcova.

A imagem mostra uma chaminé de metal, de cor marrom, emitindo uma densa coluna de fumaça branca. O fundo é escuro, sugerindo que a foto foi tirada à noite. A fumaça se dispersa no ar, criando um efeito visual de movimento.
Fumaça branca sai da Capela Sistina em 13 de março de 2013, dia em que Jorge Bergoglio foi escolhido papa pelos cardeais - Vincenzo Pinto - 13.mar.13/AFP

Conchavo surgiu no português dois séculos mais tarde como forma substantivada curta (derivação regressiva é o nome técnico) do verbo conchavar. Este saíra do latim tardio "conclavare", que queria dizer reter alguém, não deixar sair.

Repare que no conclave, de formação culta, "clavis" mantém sua feição latina, como mantém no claviculário (quadro onde se penduram chaves). No conchavo, popular, "clavis" se aportuguesa no chiado da chave.

Antes de virar uma tradição de oito séculos, o sentido eclesiástico de conclave —cardeais trancafiados até elegerem o novo pontífice— nasceu de uma medida de força adotada para obrigar os bonitões a dar fim a um impasse de quase três anos na sucessão do papa Clemente 4º, morto em 1268.

Já no conchavo, explica o filólogo Antenor Nascentes, a ideia de "fechar dois ou mais em um quarto" se desdobrou na de "pôr de acordo" —e logo na de "pôr de acordo para maus fins". Afinal, se os fins fossem lícitos, por que se faria segredo?

Só podemos imaginar com quantos conchavos se faz um conclave, pois até as estatuetas de Francisco à venda na loja do Vaticano sabem que a política envolvida numa escolha como essa é tão complexa que talvez desafiasse o próprio Gilberto Kassab.

A julgar pela direção dos ventos que empurram nossa nau de insensatos para a extremidade direita da Terra plana, não será surpresa se o próximo papa for um palhaço sinistro que restaure as fogueiras da Inquisição sob o lema "Make the Church Grate Again" —algo como "Torne a Igreja uma Grelha de Novo".

Nesse dia, talvez a gente se lembre com saudade de Francisco, que chefiou uma das instituições de maior capivara da história com uma dignidade incompreensível, um humanismo datado, um senso de humor estapafúrdio, uma humildade incongruente. Que sujeito extravagante, pensaremos então. Não via que estava na contramão de tudo?

O que o mundo ficou pior desde que perdeu Francisco não cabe em palavras. Boa sorte aos conclavistas.

Lula vai a Roma com crise dupla na bagagem, Helio Schwartsman, FSP

 Lula embarca para Roma com duas crises fresquinhas batendo às portas de seu governo. A primeira foi deflagrada pela recusa do deputado Pedro Lucas (União Brasil-MA) de assumir a pasta das Comunicações depois de ter sido anunciado como ministro. A segunda é o escândalo dos descontos indevidos em aposentadorias.

A primeira é a menos grave. É uma crise de revelação. Ela dá materialidade a algo que todos já sabíamos desde antes da posse, isto é, que a Presidência está enfraquecida e se tornou refém do centrão. A esnobada do União Brasil para cima do Executivo indica ainda que Lula não vive um bom momento em termos de popularidade e não poderá contar automaticamente com o apoio das legendas do centrão que integram o governo numa eventual campanha de reeleição —o que também já sabíamos.

Um homem de cabelos grisalhos e barba, vestido com um terno cinza e uma camisa azul clara, está sentado em um ambiente formal. Ao fundo, há bandeiras do Brasil e do governo, com as cores verde, amarelo e azul predominando. O homem parece pensativo, olhando para o lado.
O presidente Lula durante cerimôpnia no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira - 23.abr.25/Folhapress

É uma crise que dificilmente criará problemas para o futuro. Dentro de algumas semanas, só quem respira política lembrará do caso Pedro Lucas. O escândalo do INSS tende a ser bem mais tóxico para o governo.

Ele pode ser descrito como um caso de crueldade com velhinhos, algo mais difícil de esquecer. Combina corrupção —termo do qual o terceiro mandato de Lula vinha conseguindo manter razoável distância— com incapacidade administrativa. Dá ótimo material para memes, que a oposição não hesitará em usar.

É verdade que os descontos fraudulentos/indevidos começaram na gestão Bolsonaro, mas ganharam escala sob Lula. Há um componente ideológico que pesa contra o governo. Os petistas nunca esconderam a vontade de ajudar sindicatos, federações e confederações que se viram empobrecidos com o fim do chamado imposto sindical.

É um caso que terá desdobramentos, tanto na esfera policial como na administrativa. Isso significa que não sairá tão cedo das manchetes dos jornais. Poderá até ter repercussões econômicas, na hipótese de o INSS ter de arcar com um espeto que talvez chegue a R$ 6 bilhões.

Dizem que a Esmolaria Apostólica, no Vaticano, concede bênçãos a quem delas precisa.