quarta-feira, 9 de abril de 2025

A anistia virou guerrilha, Elio Gaspari, FSP

 

Jair Bolsonaro simula que põe na mesa a carta da anistia para os condenados pelo 8 de janeiro, mas pretende embaralhar o jogo. Ele e os demais denunciados pela Procuradoria-Geral da República são acusados de tentar um golpe de Estado no exercício de funções públicas. Nada a ver com o batom de uma cabeleireira.

As duas últimas anistias brasileiras serviram a regimes exauridos para fechar feridas da política nacional. Assim foi em 1945 e em 1979. (Durante seu governo, Juscelino Kubitschek enfrentou dois levantes de militares aloprados e anistiou-os antes que as feridas se abrissem.)

Um homem com uma jaqueta amarela acena para a multidão em um evento ao ar livre. Ele está cercado por pessoas que levantam seus celulares para tirar fotos. O ambiente é de celebração, com várias pessoas visíveis ao fundo.
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em ato pró-anistia na avenida Paulista, em SP - Miguel Schincariol - 6.abr.2025/AFP

Bolsonaro não conseguiu reunir multidões, mas foi hábil ao embaralhar as cartas, beneficiado pela bizarrice da dureza (teórica) das sentenças já proferidas.

O Datafolha informa: 56% dos entrevistados são contra uma anistia para os condenados pelo 8 de janeiro (há um ano eram 63%) e 37% são a favor (eram 31%). Noutro recorte, 36% acham que as penas impostas deveriam ser menores e 34% acham que são adequadas, enquanto 25% acreditam que deveriam ser maiores.

O sistema penal brasileiro tem uma jabuticaba do tamanho de um mamão. O cidadão condenado por certos crimes tem direito a uma progressão da pena que lhe permite, tendo cumprido sua sexta parte, respeitando algumas condições, deixar a cadeia durante o dia para trabalhar, retornando à noite. Em alguns casos, no regime semiaberto, pode ir para casa com uma tornozeleira eletrônica.

Esse sistema tem a melhor das intenções, mas delas o inferno está cheio. Como um condenado a seis anos de prisão pode deixar a cadeia durante o dia ao cabo de um ano, metem-lhe uma pena de 12 para que fique trancado por dois.

Formou-se no próprio Supremo Tribunal Federal uma corrente propensa a baixar as penas já impostas. Nada de novo sob o céu de anil. A anistia de agosto de 1979 criou uma geringonça pela qual não seriam beneficiadas as pessoas condenadas e encarceradas por práticas terroristas, assaltos ou sequestros. Aqueles que viviam na clandestinidade ou no exterior estavam anistiados, os presos, não.

Aos poucos, o Superior Tribunal Militar reduziu as penas e, assim, em outubro de 1980, o último preso deixou a prisão, em Fortaleza. Estava na cadeia desde 1971, condenado à prisão perpétua, mais 84 anos. Sua pena foi reduzida para 16 anos e, tendo cumprido a metade, obteve liberdade condicional. Beneficiada pela extensão da anistia aos que cometeram crimes "conexos" (leia-se torturas e execuções), a tigrada não reclamou.

Noutra jabuticaba, do tamanho de uma jaca, passados dois anos, 78 dos 155 presos pelo 8 de janeiro ainda não foram sentenciados. São os presos provisórios. A cabeleireira do batom ainda não foi sentenciada e passou a cumprir prisão domiciliar.

Há meio século, o STM desatou o nó. Hoje, o Supremo Tribunal Federal meteu-se no enrosco que dá pista livre a Bolsonaro. Misturando a trama do golpe de Estado de 2022/23, coisa de peixes grandes, com delitos praticados no 8 de janeiro, deu-se agenda a Bolsonaro. Ele tirará proveito da situação enquanto houver presos provisórios ou pessoas encarceradas por condenações superiores a 12 anos de prisão.

Bernardo Guimarães - Tarifas são como um retrocesso tecnológico, FSP

 

Na semana passada, o rei da confusão, Donald Trump, fez história ao anunciar sua insana política comercial com sua patética tabela de tarifas.

Para entender por que essas tarifas são um tiro no pé e uma facada no mundo, pense em como é feita uma simples caneta. Ela custa 12 segundos de trabalho de quem recebe o salário médio nos Estados Unidos. Doze segundos! Esse valor paga todo o processo de produzir a caneta, desde a extração dos minerais usados até a montagem do produto, incluindo o custo de usar as máquinas e equipamentos.

A caneta custa tão pouco porque o processo de produção é dividido em várias etapas, executadas por empresas diferentes. Da extração da matéria-prima à montagem, incluindo a produção dos equipamentos, o processo vai incluir dezenas de países.

Crucialmente, esse processo de produção não foi arquitetado por um planejador: cada empresa foi buscando fornecedores mais baratos, encontrando maneiras mais eficientes de produzir, e assim, com o tempo, chegamos a uma altíssima produtividade, que faz a caneta custar 12 segundos do trabalho de um norte-americano médio.

As tarifas vêm para matar esse processo produtivo. Trump quer que a produção de bens consumidos nos Estados Unidos aconteça no país. Esse é o maior erro.

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Substituir cadeias de produção altamente produtivas, escolhidas pela mão do mercado, por um processo que não aproveitará as vantagens comparativas de cada país tem efeito similar ao de um retrocesso tecnológico. Caem a produção e a renda.

Um homem sentado em uma cadeira, vestindo um terno azul escuro com uma gravata vermelha. Ele está gesticulando com as mãos, em um ambiente interno decorado com elementos dourados e uma lareira ao fundo. O homem parece estar em uma conversa ou discurso.
Donald Trump na Casa Branca - Kevin Mohatt/Reuters

O argumento usual para proteger a indústria é que essas perdas são compensadas por algum aprendizado que estimulará uma indústria nascente e gerará ganhos futuros. Mesmo quem é simpático a esse argumento deve concordar que os Estados Unidos não precisam aprender a fazer meias e bicicletas.

Os Estados Unidos podem produzir camisetas, telefones e carros sem negociar com o exterior. Só que os salários seriam muito menores ou os preços dos bens seriam muito maiores (dá no mesmo).

E para quê?

O segundo problema, como explicou a coluna da Cecilia Machado desta semana, é que ninguém vai investir para montar esse novo processo de produção 100% americano se ninguém sabe como serão as tarifas no ano que vem.

A parte patética é que as tarifas foram calculadas para punir países com os quais os Estados Unidos têm déficit comercial mais alto. Isso faz tanto sentido quanto o dono da pizzaria querer punir o produtor de tomates porque compra mais tomates do que vende pizzas para ele. A conclusão inescapável é que Trump tem uma visão mercantilista extremamente rudimentar da economia.

Em retrospectiva, é fácil ver que mercados foram excessivamente otimistas ou benevolentes com Trump. Talvez ainda estejam sendo.

É ridícula a crença de que Trump impôs essas tarifas para forçar outros países a eliminarem barreiras comerciais. Quem entende os benefícios do comércio internacional jamais tomaria essa medida, por entender o enorme custo que as tarifas impõem à própria economia americana.

Agora o mundo quer saber se Trump vai voltar atrás. O problema é que Trump não vai dizer que errou, era brincadeira. Ele precisa cantar vitória. A resposta da China –impor mais tarifas aos Estados Unidos– atrapalha demais esse caminho.