quarta-feira, 9 de abril de 2025

Tarifaço de Trump é sintoma do vigarista com paranoia de ser otário, Ruy Tavares, FSP

 

Dizer, como tenho feito repetidamente nesta coluna, que não há nenhuma estratégia sofisticada por trás das ações de Donald Trump não é o mesmo que dizer que tudo é burrice e ignorância. Também não é o mesmo que dizer que as suas ações primam pela irracionalidade, o que no fundo seria pressupor que elas fossem meramente táticas, como defendem aqueles que acreditam que as tarifas de Trump são absurdas a não ser como tática negocial.

Nada disso. A minha tese é a seguinte: existe uma lógica simples que explica as ações de Trump. Essa lógica é a do vigarista com medo de ser otário.

A imagem mostra Donald Trump em um palanque. Ele está vestido com um terno escuro e uma gravata vermelha. Ao fundo, há um grupo de trabalhadores usando capacetes brancos e uniformes cinzas, que parecem estar aplaudindo e sorrindo. O ambiente é festivo, com bandeiras americanas visíveis.
Donald Trump gesticula ao lado de trabalhadores da indústria do carvão na Casa Branca, em Washington - Nathan Howard - 8.abr.25/Reuters

Para quem é vigarista, como Trump tem demonstrado ser em toda a sua carreira desde que começou por não pagar a fornecedores e a tentar despejar inquilinos nos seus tempos de magnata do mercado imobiliário, todo o mundo é otário.

No início, o vigarista está embevecido com o superpoder que descobriu em si mesmo. Se não seguir as regras comuns da honestidade e do respeito mútuo, se não tiver vergonha na cara, se estiver disposto a tirar vantagem de todas as relações, o mundo é seu. Como qualquer psicopata, o vigarista não ganha apenas pela sua capacidade de violar limites; ele ganha pela nossa boa educação, pelos nossos escrúpulos, ou seja, pela nossa incapacidade de violar esses mesmos limites.

Com o tempo, porém, o vigarista começa forçosamente a questionar-se: "se eu ganho fazendo assim, por que é que os outros não fazem o mesmo a mim?" Aí o mundo do vigarista começa a distinguir entre duas categorias de pessoas: os otários e os que poderiam ser vigaristas como ele.

Como é natural nestes casos, o vigarista fica obcecado pela projeção. Medindo os outros com sua própria régua, ele desenvolve a paranoia de que em todas as transações só há dois resultados possíveis: ou ele ganha, vigarizando com sucesso os outros; ou, se não ganha, isso é sinal de que foi vigarizado pelos outros. Na sua mente não cabem os jogos que não sejam de soma nula. Se alguém está a ganhar, é porque ele está a perder.

Esta lógica simples explica-nos a visão que Trump tem do comércio global. Para ele, o mero fato de que um país tenha com os Estados Unidos uma balança comercial positiva é uma injustiça. Pior, é sinal de que alguém tirou vantagem dos Estados Unidos e os vigarizou. Para Trump também só há dois tipos de jogos: aqueles em que ele ganha e aqueles em que os outros jogaram sujo.

De caminho, esta explicação ajuda a entender a fórmula que o governo Trump utilizou para definir as suas "tarifas adicionais". Como vários especialistas apontaram, elas não fazem qualquer sentido macroeconômico. Mas fazem todo o sentido psicológico para a mente do vigarista que ficou obcecado com ser otário.

Se eu estiver certo, há uma conclusão inquietante a retirar de tudo isso: é que não vale a pena negociar com Trump. Nada o convencerá a reintroduzir justiça num jogo cujas regras ele não aceita, a não ser que a vitória lhe seja dada à partida. A única saída é os países que ainda reconhecem as regras do jogo reforçarem os laços comerciais entre si, deixando a birra de Trump passar sozinha.

De manhã, copo na mão. Ruy Castro, FSP

 Todos já assistimos a esta cena. Às 7 da manhã, o homem magro, peito afundado, rosto vermelho e inchado, no balcão do botequim ou da padaria, tenta mandar para dentro um copinho de cachaça. Suas mãos tremem tanto que ele precisa usar as duas para levar o copo à boca. Sabe que está sendo observado e que as pessoas ao redor estão pensando: "Olha que vagabundo. Isso é hora de beber?". Para ele, é. Aquela será a dose que o estabilizará e, dependendo do seu grau de dependência, o manterá mais ou menos firme pela hora seguinte. Ou minutos seguintes.

Ele não é um vagabundo. É um homem doente, já perto do desfecho. Precisa beber de manhã porque passou as últimas horas dormindo e sem beber. Como seu organismo já não funciona sem a bebida, poucas horas sem ela provocam uma descarga neurológica —a tremedeira— que o transforma na triste figura que você vê. Já perdeu o emprego, a mulher, os filhos, os amigos, a saúde, a dignidade e, se ainda pode pagar por sua bebida, é porque beber no Brasil é criminosamente barato. E, não, ele não é um "viciado". É um alcoólatra. É-se alcoólatra como se é cardíaco ou diabético.

A palavra "viciado" tem conotação injusta. Leva a uma condenação moral do indivíduo, a impedir que se tente convencê-lo a procurar uma reunião do AA (Alcoólicos Anônimos) ou aceitar internar-se numa clínica para dependentes —ninguém pode ser internado contra a vontade. Mas o desconhecimento no Brasil sobre o problema é maciço. Somos um país que discute a legalização das drogas sem ter aprendido até hoje a lidar com a mais legalizada de todas.

Não há campanhas de esclarecimento ou prevenção à altura das necessidades. Pessoas que bebem todos os dias, cada dia mais cedo e em maior velocidade, acham que "bebem socialmente". Quando se diz que alguém foi internado numa clínica para "desintoxicação", pensa-se nesse lugar como um spa onde "o sem-vergonha enxugará o que anda bebendo" e saíra "pronto para outra".

Pode ser. Mas, se ele voltar à ativa, não haverá outra.

Entidades lançam manifesto contra supersalários, que pagariam Bolsa Família para 1,36 milhão, FSP

 Luany Galdeano

Rio de Janeiro

Os R$ 11,1 bilhões gastos com supersalários em 2023, que são isentos de Imposto de Renda, poderiam ser usados para beneficiar 1,36 milhão de famílias por um ano no Bolsa Família, construir 4.582 unidades básicas de saúde e oferecer bolsas a 3,9 milhões de alunos do programa Pé-de-Meia.

A estimativa é de um grupo de organizações do terceiro setor que se posicionam contra o projeto de lei de supersalários, em tramitação no Congresso. Em março deste ano, 20,5 milhões de famílias eram beneficiárias do Bolsa Família.

Segundo as entidades, o PL se tornaria inócuo por criar 32 exceções que permitiriam a manutenção dos salários acima do teto, hoje de R$ 46,3 mil. Se o projeto for aprovado, os servidores do Judiciário e do Ministério Público poderão receber, por exemplo, pagamento em dobro de férias e serem ressarcidos por gastos com planos de saúde.

A imagem mostra um edifício alto e moderno, com uma fachada de vidro refletindo o céu nublado. Na parte inferior, há uma placa com a inscrição 'JUSTIÇA FEDERAL' em letras brancas. Acima da placa, há um símbolo que parece ser um emblema ou logotipo. O edifício é cercado por um ambiente urbano.
Tribunal Regional Federal na Av. Paulista - Rubens Cavallari/Folhapress

Só quatro dessas 32 exceções custariam R$ 3,4 bilhões em 2025, segundo relatório do Movimento Pessoas à Frente, uma das organizações signatárias do manifesto contra o projeto.

Os supersalários podem afetar a percepção dos brasileiros sobre o servidor e o setor público. Ao todo, 25% da população acredita que a maior parte profissionais públicos recebem remuneração acima do teto, segundo pesquisa Datafolha de 2023. No entanto, apenas 0,06% dos servidores ganham supersalários, de acordo com levantamento do Instituto República.org, que também assina o manifesto.

"É simbólico conseguirmos juntar dez organizações para um posicionamento contra supersalários que, concentrados em poucas carreiras, são uma distorção que compromete a moralidade e eficiência do serviço público no Brasil. Nossa proposta é a de construir uma solução alternativa que seja efetiva para dar fim aos pagamentos indevidos", afirma Jessika Moreira, diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente.

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As entidades propõem uma série de medidas que, em suas avaliações, seriam mais eficazes para combater os salários acima do teto. Entre elas, um PL que classifique as diferentes verbas recebidas pelos servidores, como as remuneratórias, que são os vencimentos básicos, e as indenizatórias, hoje usadas como penduricalhos.

No caso das indenizatórias, elas precisariam atender a três critérios: ressarcir servidor de despesas advindas do trabalho, ter caráter eventual e ser criada por lei, e não por ato administrativo.

Isso porque conselhos e tribunais ainda autorizam penduricalhos, como no caso do Tribunal de Justiça do Maranhão, que sugeriu a compra de 50 iPhones 16 Pro Max para os desembargadores, por valores que poderiam chegar a R$ 574 mil. A compra foi suspensa pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

No manifesto, as organizações defendem ainda que o imposto de renda seja aplicado corretamente sobre os salários desses servidores e que verbas acima do teto que não tenham amparo legislativo sejam enquadradas como improbidade administrativa.

As entidades signatárias do manifesto são:

  1. República.org

  2. Movimento Pessoas à Frente

  3. Fundação Tide Setubal

  4. Transparência Brasil

  5. Plataforma Justa

  6. Instituto Democracia e Sustentabilidade

  7. Movimento Brasil Competitivo

  8. Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades

  9. Associação Livres

  10. Centro de Liderança Pública