terça-feira, 8 de abril de 2025

Donald Trump e o seu populismo tarifário com cara de antigo faroeste, Wilson Gomes, FSP

 Não sou capaz de opinar sobre a racionalidade econômica por trás da guerra tarifária em que Trump empenhou seu governo nos últimos dias. Deixo a dor de cabeça para quem entende de comércio internacional. Mas gostaria de examinar essa confusão do ponto de vista da política ou, mais precisamente, da comunicação política. Mesmo porque tenho a impressão de que Trump entende tanto quanto eu sobre comércio e tarifas —e é na arena das narrativas e dos imaginários que está, de fato, jogando o seu jogo.

E se tudo parece desconcertante sob a ótica econômica, talvez no campo da comunicação política as coisas se esclareçam. Trump é um populista de direita, é essa a sua persona pública —e ele ainda não saiu do personagem. O contrato que o populista estabelece com seus seguidores é simples: ele é o campeão do povo contra a exploração e a traição das elites.

Sobre fundo azul céu, um cowboy vestido à caráter, com chapéu e tudo. se contorce no ar para atirar com seu Colt. No lugar de balas, sai do longo cano cinza uma bandeirinha onde está escrito MAGA (Make America Great Again)
Ariel Severino/Folhapress

O povo, neste caso, é a nação em seus estratos mais profundos: o americano médio, trabalhador e empobrecido por ser vítima, ao mesmo tempo, de um Estado que mete a mão no seu bolso e do globalismo que se aproveita do país. O populismo opera com uma equação sem variações: há um povo bom, uma elite exploradora e um líder vinculado organicamente ao povo, que busca o poder para reparar essa injustiça.

Por isso, Trump estrutura sua retórica sobre três pilares centrais: o vitimismo (nacionalista), a exigência de compensações e, agora com nitidez, a punição exemplar dos culpados. O primeiro inverte os papéis: os EUA, vistos como potência imperial, aparecem como nação humilhada por seus aliados e adversários. O segundo transforma a reparação em questão de justiça histórica. E o terceiro —o mais brutal e eficaz— promete fazer os exploradores sofrerem.

Esse tripé retórico esteve escancarado no discurso do chamado Liberation Day, na semana passada. Trump declarou que "por décadas, nosso país foi saqueado, pilhado, estuprado e explorado" e que "trabalhadores americanos assistiram, impotentes, à destruição do sonho americano enquanto líderes estrangeiros roubavam seus empregos e fábricas". O mais absoluto vitimismo: a nação como vítima passiva da pilhagem mundial, enquanto uma elite nacional cúmplice a tudo assistia.

A resposta vem sob a forma de uma vingança organizada e institucional. "Este é o Dia da Libertação", declarou Trump, com pompa e vaidade. "É a nossa declaração de independência econômica." E, com isso, anunciou tarifas punitivas sobre automóveis estrangeiros e novas exigências para países que desejem acesso ao mercado americano: "Se quiser tarifa zero, construa aqui".

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Aqui entra a lógica da compensação —mas com um detalhe central: essas tarifas não são apenas uma medida econômica, são castigo. Um mecanismo de correção simbólica que faz os supostos culpados —os países que "nos exploraram"— sentirem na pele o peso da justiça retributiva.

As tarifas, nesse registro, pouco têm a ver com racionalidade econômica. Podem ser um absurdo técnico —e os analistas de mercado quase unânimes as tratam como tal—, mas fazem sentido no campo da retórica política. Para Trump, elas são o chicote que desce no lombo dos que "por muito tempo se aproveitaram de nós", um prazer punitivo que o povo americano merece ver e saborear. Afinal, o que importa é o espetáculo da restituição, da revanche e da punição dos que "nos humilharam". "Eles vão pagar um preço alto", prometeu. "E, pela primeira vez em muito tempo, o povo americano vai vencer."

Essa retórica —que ora se vitimiza, ora agride— alterna dois modos populistas clássicos. No modo vitimista, Trump apresenta o povo americano como explorado por uma elite global e traído por suas próprias lideranças políticas e culturais. No modo valentão, encarna o macho alfa que chegou para limpar a cidade: o novo xerife do Velho Oeste do comércio internacional, disposto a restaurar a decência nem que seja à base de balas e murros.

Trump talvez não entenda nada de comércio internacional. Mas entende tudo de ressentimento, espetáculo e gozo punitivo. E é nisso que aposta: na satisfação que a vingança política oferece aos que se sentem derrotados, empobrecidos e esquecidos por um sistema que, ao longo das décadas, os transformou em número, estatística e dano colateral.

No fundo, o que ele oferece não é uma política comercial. É o roteiro de um western moral: o povo foi roubado, o herói chegou e alguém vai pagar com sangue por cada lágrima derramada. Se vai dar certo, não sei, mas o enredo é esse.

Falta só combinar com a realidade.

As tarifas de Trump vão prejudicar o mundo, MArtin Wolf FT FSP

 Agora sabemos qual economia é a maior ameaça aos Estados Unidos depois da China: Lesoto. Atualmente, a China tem uma tarifa combinada de 54% sob o novo plano de Donald Trump. Mas, aparentemente, Lesoto merece uma tarifa "recíproca" de 50% sobre suas exportações para os EUA, logo à frente dos 49% sobre o Camboja e 46% sobre o Vietnã, seguidos por 32% sobre a Indonésia e Taiwan, 26% sobre a Índia e 20% sobre a UE. O Reino Unido escapa com 10%.

O que talvez seja mais extraordinário sobre a derrubada de quase um século de política comercial é que ninguém, aparentemente, informou ao presidente que um procedimento que coloca Lesoto no degrau mais alto faria os EUA parecerem ridículos. Mas fez —e fez isso porque esse procedimento era ridículo.

A imagem mostra um boné vermelho sendo lançado em direção à câmera, com uma mão visível no lado direito. Ao fundo, há uma bandeira dos Estados Unidos com listras vermelhas e brancas e estrelas brancas em um campo azul.
Presidente Donald Trump tenta alcançar um boné com o slogan "Make America Great Again" durante anúncio de tarifas recíprocas na Casa Branca - Carlos Barria - 2.abr.25/Reuters

Não houve uma análise sutil de todas aquelas supostas barreiras tarifárias e não tarifárias das quais, diz Peter Navarro, ecoando seu chefe, os EUA explorados têm sofrido tão terrivelmente. Não, foi muito mais simples e estúpido. As tarifas propostas são proporcionais ao déficit comercial bilateral dividido pelas importações bilaterais.

A suposição implícita é que, em um mundo justo, o comércio se equilibraria com cada parceiro individual. Isso é uma completa loucura. No entanto, agora se tornou a base intelectual da política comercial do país mais poderoso do mundo —infelizmente, pobre coitado, aparentemente vítima de uma conspiração comercial global.

Não é apenas loucura. É perversidade. Pense na história do envolvimento dos EUA no Vietnã. No entanto, agora, os EUA decidiram tentar interromper seu desenvolvimento econômico. O Vietnã não está sozinho em buscar explorar os benefícios da abertura. De fato, a política comercial convergiu para o liberalismo nas economias emergentes de forma bastante ampla. Eles estavam respondendo a uma promessa que os EUA agora retiraram.

Isso não é nem mesmo todo o trabalho de Trump. Canadá e México ainda são vítimas de suas "tarifas de fentanil". Há uma tarifa de 25% sobre automóveis e as tarifas sobre aço e alumínio também foram aumentadas.

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No entanto, as tarifas não fecharão os déficits comerciais. Nos anos 1970, trabalhei na economia indiana, então uma das economias mais protegidas do mundo. Ela tinha grandes superávits comerciais? Não. Sim, tinha uma proporção pequena de importações em relação ao PIB. Mas tinha uma renda ainda menor de exportações. Isso se devia ao impacto adverso da proteção na competitividade das exportações.

Isso agora acontecerá com os EUA: as importações encolherão, mas as exportações também. Os déficits, determinados pela renda e pelo gasto, permanecerão praticamente inalterados. O mundo apenas acabará mais pobre. Como argumenta o Instituto Kiel da Alemanha, os maiores efeitos negativos provavelmente recairão sobre os EUA: a proteção geralmente é um tiro no próprio pé.

As pessoas que fundaram o sistema de comércio global nas décadas de 1930 e 1940 experimentaram os resultados do protecionismo empobrecedor nas décadas de 1920 e 1930. O sistema que criaram foi baseado, por boas razões, nos princípios de não discriminação, liberalização através de negociações recíprocas, vinculação de tarifas e adjudicação imparcial de qualquer uso das cláusulas de escape no sistema.

Tudo isso foi projetado para criar um regime comercial previsível, transparente e liberal. Ao longo de oito rodadas de negociações concluídas, o resultado se tornou uma economia mundial aberta e dinâmica. Isso foi um produto da diplomacia dos EUA. Trump não apenas trouxe a proteção dos EUA a níveis não vistos em um século, mas destruiu tudo o que seus predecessores buscaram alcançar. Isso é um ato de guerra contra o mundo inteiro.

O debate sobre se devemos levar Trump a sério acabou. Ele agora aprendeu a ser o tirano que sempre desejou ser. Isso levou um tempo. Mas, com a ajuda que recebeu, ele chegou lá. Sua administração está engajada em um ataque abrangente à república americana e à ordem global que ela criou. Sob ataque doméstico estão o Estado, o Estado de direito, o papel do Legislativo, o papel dos tribunais, o compromisso com a ciência e a independência das universidades.

Todos esses eram os pilares sobre os quais a liberdade e a prosperidade dos EUA repousavam. Agora, ele está destruindo a ordem internacional liberal. Em breve, presumo, Trump estará invadindo países, enquanto prossegue para restaurar a era dos impérios.

A aplicação de todas essas tarifas é um símbolo perfeito do que Trump representa. Ele apelou para uma "emergência" inexistente, permitida por um Legislativo tolo, para impor um aumento de impostos altamente regressivo que pesará particularmente sobre sua própria base política, em parte para financiar uma extensão que estoura o orçamento de seu próprio corte de impostos altamente regressivo de 2017.

Parece inevitável que essas tarifas, além da incerteza criada pelo novo ambiente político não ancorado e, portanto, imprevisível, prejudicarão o mundo e os EUA tanto agora quanto a longo prazo. Nossas economias estão muito mais abertas do que nunca.

Aumentos enormes e repentinos na proteção terão efeitos econômicos correspondentes maiores do que antes. Os mercados de ações estão certamente certos ao supor que uma boa parte do estoque de capital produtivo de hoje se tornará sucata: a contínua turbulência do mercado é provável.

Isso oferece um tipo perverso de esperança. A tentativa de Trump e seus associados de minar a república levaria tempo. Agora é mais provável que ele fique sem tempo. Imagine que, como resultado de toda essa turbulência, a economia realmente vacile e, assim, os republicanos sejam derrotados nas eleições de meio de mandato. Isso tornaria o projeto Maga muito mais difícil de realizar. Quem sabe? As instituições dos EUA podem começar a mostrar um pouco de coragem. Acima de tudo, a próxima eleição presidencial pode realmente ser justa.

Enquanto Maga dominar a direita americana, o potencial dos EUA para um comportamento imprevisível, irracional e pernicioso permanecerá. Isso é, infelizmente, um grande presente para a China. Mas quanto pior ficar agora, mais provável é que Maga seja um interlúdio, não o destino da América. Isso é um consolo e uma esperança.