sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Valdinei Ferreira - Uso de celular compromete a espiritualidade, FSP

 Jonathan Haidt é um intelectual que conseguiu influenciar o mundo real; em parte graças a ele, o uso de celulares está proibido nas escolas brasileiras. O que poucos notaram é que, mesmo sendo ateu, Haidt também refletiu sobre os efeitos nocivos do smartphone para a espiritualidade.

Essa discussão aparece em seu best-seller "Geração Ansiosa: Como a Infância Hiperconectada Está Causando uma Epidemia de Transtornos Mentais". No capítulo intitulado "Elevação e Degradação Espiritual", o autor aponta que o excesso de telas afeta não só as crianças nas escolas, mas também os adultos em atividades como ir à igreja.

Haidt me fez lembrar relatos que ouço nos cursos de meditação cristã que ministro. Pessoas de diferentes idades e classes sociais relatam dificuldades crescentes para orar, ler a Bíblia ou se concentrar em sermões. Recordo especialmente o desabafo de um homem de 80 anos: "Na minha idade, minha mente deveria estar calma, mas minha cabeça não para um segundo." Apontando para o celular, ele acrescentou: "Isso aqui piorou muito minha vida."

Um homem de cabelos brancos e calvo, usando óculos, está falando ao microfone. Ele parece estar em um evento ou apresentação, com um fundo desfocado que apresenta cores suaves, como rosa e azul.
Em seu livro 'A Geração Ansiosa', Jonathan Haidt refletiu sobre o uso nocivo de celulares nas escolas e também para a espiritualidade - Rafaela Araújo - 8.ago.24/Folhapress

Segundo Haidt, o uso do celular prejudica a religiosidade ao comprometer práticas simples e antigas, como contemplar a natureza. Em vez disso, as pessoas caminham por parques e bosques imersas nas telas. A mente e o corpo se desconectam, cada um em um lugar.

Outro ponto crítico, segundo Haidt, é a promoção do individualismo. Muitas práticas de espiritualidade são rituais coletivos que envolvem sincronia entre corpos e vozes. Pense, por exemplo, em liturgias onde as pessoas se assentam, levantam e cantam juntas. Assistir a um culto online não proporciona o mesmo impacto que estar presente no templo ao lado de outras pessoas.

Por milênios, diferentes tradições desenvolveram práticas meditativas para acalmar a mente. No entanto, para Haidt, os celulares, com suas notificações constantes, roubam o silêncio necessário para a meditação, promovendo ansiedade e fragmentação da atenção. É difícil meditar quando estamos distraídos por sinais sonoros e um dilúvio de mensagens.

PUBLICIDADE

Um dos maiores ataques à espiritualidade, segundo Haidt, vem das redes sociais. Nessas plataformas, tudo gira em torno do ego: busca por curtidas, seguidores e fama, ou seja, a tentativa de ocupar o centro das atenções. Isso contraria os ensinamentos das grandes tradições de sabedoria, como o cristianismo, o budismo, o taoísmo e o hinduísmo, que incentivam o foco nos outros, e não em si mesmo.

Embora "A Geração Ansiosa" tenha impulsionado o debate sobre a proibição do uso de celulares nas escolas, Haidt não é tão radical em relação à espiritualidade. Ele propõe um "sabá digital": um dia por semana sem tecnologia digital ou com uso reduzido para que as pessoas cultivem sua espiritualidade.

Tenho dúvidas se isso é suficiente para recuperar as condições necessárias ao cultivo da espiritualidade. Como pastor, observo que religião e tecnologia estão cada vez mais entrelaçadas: Bíblias nos smartphones, templos com paredes instagramáveis e dízimos entregues via QR codes.

Será que ainda há espaço para discutir os prejuízos do celular à espiritualidade quando ele já faz parte da cultura religiosa? Talvez seja um bom tema para debater no grupo de WhatsApp da sua igreja.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

NY teve 2º maior número de visitantes em 2024 e prevê quebrar recorde em 2025, FSP

 Julia Chaib

Washington

Quatro anos após o início da pandemia de Covid-19, a cidade de Nova York recebeu o segundo maior número de visitantes da sua história em 2024: 64,3 milhões de turistas. Desse total, mais de 700 mil foram brasileiros.

A prefeitura estima que o ano que vem será ainda melhor, com a previsão de receber 67,6 milhões de pessoas de fora. Isso representaria a quebra do recorde estabelecido em 2019, quando 66,6 milhões de turistas foram à cidade "que nunca dorme".

Empire State Building e Estátua da Liberdade - Charly Triballeau/AFP

Nova York sempre é um dos destinos mais procurados do mundo. Segundo ranking da empresa Euromonitor, sediada em Londres, foi o sexto local mais visitado em 2024.

A recuperação do turismo ocorre após uma brusca queda durante os anos de pandemia. Em 2020 e 2021, quando as viagens foram restringidas devido à Covid-19, o número de visitas foi menos do que a metade do registrado em 2019.

A projeção da agência NYC Tourism and Convention, a órgão oficial da cidade, é que o turismo doméstico tenha sido o principal responsável pela alta do turismo na cidade. Cerca de 50 milhões dos visitantes de 2024 teriam viajado dentro do próprio Estados Unidos para Nova York. A expectativa é que 2025 siga essa tendência.

Já a visitação internacional ficou na marca de 13 milhões. O lazer foi a razão que levou mais pessoas à "Big Apple", estima a agência de turismo: cerca de 50 milhões. Os demais visitantes foram a Nova York para viagens a negócios.

A Europa registrou o maior número de embarques para a capital. O Brasil ficou na quarta posição, com mais de 700 mil visitantes. A Colômbia foi outro país da América do Sul que serviu como principal origem de voos para a cidade americana.

Num comunicado de setembro, a agência de turismo previa que a Argentina, que também costumava ser a base de muitos visitas, não recuperou ainda a marca que teve em 2019. O comunicado atrelava essa dificuldade a desafios econômicos enfrentados pelo país.

As visitas em 2024 geraram mais de US$ 51 bilhões em gastos diretos na cidade. Além disso, mais de 388 mil empregos foram criados nas áreas de lazer e hospitalidade.

Segundo o órgão, a cidade ainda teve receita tributária superior a US$ 6,8 bilhões.

A temporada de feriados, que inclui a black friday, no final de novembro, e os finais de semana de dezembro, é crucial para esse resultado. Segundo dados da Corporação de Desenvolvimento Econômico de Nova York, em 2023, esse período teve visita média de 3,2 milhões de pessoas, o que representa um aumento de 14% na comparação com a média de visitação no ano.

O pico de 2023 foi registrado no sábado anterior ao Natal, quando foram contabilizados 4,4 milhões de visitantes na capital.

O prefeito de Nova York, Eric Adams, comemorou o resultado dizendo que isso representa uma recuperação do período da pandemia do coronavírus e consolida a cidade como a mais visitada dos EUA.

"Seja visitando a negócios ou a lazer, os cinco distritos têm tudo o que você precisa, desde salas de conferências até teatros, restaurantes e hotéis —Nova York continua sendo o coração da inovação, cultura e oportunidades. E estamos ansiosos para bater nosso próprio recorde de turismo no próximo ano com uma recuperação completa", disse em entrevista coletiva no final de 2024.

Militão Augusto de Azevedo registrou a evolução de São Paulo, FSP

 Vicente Vilardaga

São Paulo

Não teríamos ideia de como foi São Paulo na segunda metade do século 19 se Militão Augusto de Azevedo (1837-1905) não tivesse feito suas centenas de imagens da cidade. Nenhum outro fotógrafo do seu tempo assumiu empreitada parecida. Ninguém, como ele, documentou a evolução paulistana quando ainda eram escassos os registros de paisagens urbanas.

Sua sensibilidade ia além do excelente enquadramento. Ele buscava captar a mudança no cenário pela ótica do progresso. Cada foto que tirava era um documento de cultura. Percebia que naquele momento a cidade estava em mutação e deixava de ser uma localidade modorrenta para ser tomada por uma agitação febril impulsionada pela economia do café.

Um de seus feitos foi ter sido o primeiro a fazer um "Álbum Comparativo da Cidade de São Paulo" com fotos de 1862 e de 1887, mostrando como o lugar se havia desenvolvido em 25 anos.

Pátio do Colégio
Palácio do Governo e Igreja do Colégio em 1887: prédio foi demolido e deu lugar à atual construção

Nesse período a população local mais do que dobrou, saltando de cerca de 20 mil para 47 mil moradores e o dinheiro do café começou a jorrar como nunca. Havia também o impulso cosmopolita da Faculdade de Direito do largo São Francisco, que atraia estudantes e intelectuais para a cidade, criando uma vida boêmia até então inexistente.

O álbum foi composto por 60 imagens, algumas panorâmicas e outras tomadas parciais de casas, ruas, largos, jardins e prédios importantes. Entre as paisagens fotografadas por ele está o largo da Sé, a várzea do Carmo, a atual rua Florêncio de Abreu, a rua Tabatinguera e o Pátio do Colégio.

Militão Augusto de Azevedo
Militão Augusto de Azevedo: o grande valor de seu trabalho passou a ser reconhecido no século 20

Do total de fotos, 18 são pares comparativos enquadrados mais ou menos pelo mesmo ângulo. Militão classificou as fotos de 1862 como antigas e as de 1887 como modernas.

Disse na ocasião que julgava o trabalho muito importante, mas pouco rendoso. Apesar da relevância histórica, o produto foi um fracasso comercial e poucos exemplares foram comercializados. Em uma correspondência para um amigo no ano do lançamento escreveu que "muito pouco se vende e é preciso pedir pelo amor de Deus aos fregueses e ainda para eles pagarem quanto quiserem".

O fotógrafo fez outros álbuns, como o "Vistas da Cidade de São Paulo", de 1863, o "Vistas da Cidade de Santos", de 1865, e o "Vistas da Estrada de Ferro Santos Jundiaí", de 1868.

A histórica rua Direita, em 1862: imagem do "Álbum Comparativo da Cidade de São Paulo"
Rua Direita em 1862: imagem do "Álbum Comparativo da Cidade de São Paulo"

Militão pensava em suas fotos como símbolos de uma época e um legado para o futuro. Foi, além disso, um produtivo retratista de pessoas, embora essa não fosse sua prioridade.

Em 1875 tornou-se proprietário do estúdio Photographia Americana, onde produziu imagens de celebridades como Dom Pedro 2º, Ruy Barbosa, Castro Alves, Joaquim Nabuco e Luiz Gama.

Também fotografou muitos personagens anônimos porque cobrava preços módicos por suas fotos, entre os mais baratos da cidade. Cada retrato saia por cinco mil réis, um valor acessível na época. Isso permitia que a população mais pobre comprasse suas fotos.

Igreja de São Bento, o centro de São Paulo, em 1862
Igreja de São Bento, 1862: fachada tinha pedra fundamental talhada pelo mestre de cantaria Tebas

O fato de seu estúdio ficar na praça Antônio Prado, em frente à antiga Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos explica a grande quantidade de negros fotografados por ele, não como escravos, mas como cidadãos comuns.

Nascido no Rio de Janeiro, Militão se mudou para São Paulo aos 25 anos de idade. Sua primeira profissão foi a de ator e a partir da década de 1850 começou a fazer retratos. Produziu mais de 12 mil imagens. Durante longo tempo, o fotógrafo caiu no esquecimento, mas, ao longo do século 20, seu grande valor passou a ser reconhecido.