segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Getúlio Vargas ganhou a guerra calado, Elio Gaspari, FSP

 Valeria a pena mandar um pesquisador aos arquivos do Itamaraty para consultar a conduta de Getúlio Vargas durante os primeiros anos da Segunda Guerra Mundial. Ele tinha um enorme abacaxi no colo.

Depois da entrada dos Estados Unidos na guerra, em 1941, o Brasil corria o risco de uma invasão para assegurar o controle de pistas de pouso no Saliente Nordestino. Voando de Natal, os aviões americanos poderiam chegar à África.

Os personagens dessa época nada tinham em comum com os da crise de hoje. O presidente americano Franklin Roosevelt era um simpático profissional, enquanto Donald Trump faz da antipatia um estilo de vida. Vargas cultivava seus silêncios, já Lula fala o que lhe vem à cabeça.

O então presidente Getúlio Vargas durante cerimônia de sua posse no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro
O então presidente Getúlio Vargas durante cerimônia de sua posse no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro - 31.jan.51/Folhapress

Com a entrada do Brasil na Guerra e a criação da Força Expedicionária Brasileira, Getúlio fez do limão (o risco da invasão) uma limonada. O silêncio foi sua arma.

Em 1938, um ano antes do início da guerra, os Estados Unidos já olhavam para a importância estratégica do Saliente Nordestino.

Getúlio era uma esfinge, mas os generais Eurico Dutra e Góes Monteiro eram germanófilos assumidos. Um era ministro da Guerra e o outro, chefe do Estado-Maior do Exército e condestável militar do Estado Novo.

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Os EUA mapearam até a casa do bispo

Em janeiro de 1939, os americanos pediram o primeiro estudo de ocupação do Saliente. Em agosto, um mês antes do início da guerra na Europa, o Exército americano desenhou o Plano Rainbow (Arco-Íris). De prático, resultou o envio de um cônsul para Natal, com o objetivo de colher informações. Meses depois a cidade estava mapeada, localizando até mesmo a casa do bispo.

Em maio de 1940, Vargas escreveu:

"As notícias da guerra são de uma verdadeira derrocada para o s Aliados. O povo, por instinto, teme a vitória alemã; os germanófilos exaltam-se. Mas o que ressalta evidente é a imprevidência das chamadas democracias liberais."

Meses depois da tomada de Paris, o embaixador alemão no Rio achava que os militares brasileiros não aceitariam bases americanas, caso os Estados Unidos entrassem na guerra. Tudo bem, mas, na mesma semana, os americanos estavam de olho em Natal e registravam:

"O aeroporto não é guardado por tropas ou polícia... aviões de transporte vindos da África ou Açores podem surpreender tropas terrestres e ocupar Natal e outras cidades da corcunda do Brasil."

Vargas se equilibrava, prometia a base, negociando armas e, se possível, uma siderúrgica. Os americanos construíram pistas de pouso com dinheiro de um fundo secreto e o logotipo da companhia PanAmerican.

O embaixador alemão continuava convencido de que não haveria acordo. Afinal, os generais Dutra e Góes Monteiro remanchavam e queixavam-se a Vargas. Ele escrevia: "O ministro da Guerra falou-me dos planos que os americanos alimentaram, de ocupação do nosso território" (...) "Góes convencido de que os americanos querem ocupar o nosso território do Nordeste, a pretexto de nos defender contra ataques alemães."

Em setembro de 1941, Dutra era claro:

"A vinda agora de elementos americanos para o Brasil acarretaria a consequência de anular nossa soberania na região."

Em 1993, o repórter Lauro Jardim revelou que, em novembro de 1941, os Estados Unidos tinham um plano para invadir o Brasil, ocupando Natal, Recife, Belém, Salvador, São Luís, Fortaleza e a Ilha de Fernando de Noronha.

Em dezembro, os japoneses atacaram Pearl Harbor. Os EUA entraram na guerra e foram buscar o Saliente Nordestino. O então tenente-coronel Kenner Hertford contaria:

"Para encurtar a história, os brasileiros aceitaram cem fuzileiros em Belém, outros cem em Natal e mais cem em Recife e Fortaleza. (...) Concordaram em que nosso Exército assumisse o controle das torres dos aeroportos. Inicialmente, não podiam usar uniformes."

A pista de Parnamirim, perto de Natal, foi uma das mais movimentadas da época.

Haddad caiu numa armadilha ao anunciar conversa com secretário do Tesouro dos EUA

Se tivesse esperado em silêncio, ministro teria escapado de constrangimento

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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou no dia 4 passado que teria uma conversa virtual com o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent. Com o gosto do governo brasileiro pelos holofotes, adiantou até sua agenda:

"O Brasil pode participar mais do comércio bilateral e, sobretudo, de investimentos estratégicos. Temos minerais críticos e terras raras, os EUA não são ricos nesses minerais. Podemos fazer acordos de cooperação para produzir baterias mais eficientes."

Um homem com cabelo castanho e ondulado, vestindo um terno escuro e uma gravata vermelha, está com a mão no queixo, olhando para baixo em um ambiente com fundo de madeira. Sua expressão é de reflexão ou preocupação
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante evento sobre mobilidade sustentável - Mateus Bonomi -10.jul.25/Reuters

Qualquer aluno do Instituto Rio Branco poderia aconselhá-lo a não anunciar concessões antes de conversar.

A reunião virtual com Bessent estava marcada para quarta-feira e Haddad tinha recebido o link para o encontro. Na segunda-feira o secretário do Tesouro desmarcou a entrevista sem maiores explicações e sem marcar nova data.

Haddad atribuiu a desfeita à atividade da milícia bolsonarista acampada em Washington. É possível que seja assim, mas o estilo mercurial de Trump prevalece sobre os milicianos brasileiros. Se Haddad tivesse esperado o dia da conversa em silêncio, teria escapado do constrangimento.

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