Até o surgimento da classificação Nova, em 2010, os alimentos eram classificados por nutrientes. Proteínas, carboidratos, gorduras. Uma salsicha era como um peito de frango, proteína. Um biscoito recheado era carboidrato, como uma saca de farinha. Foi a partir da sistematização elaborada na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo que os alimentos passaram a ser divididos por grau de processamento.
Segundo a Nova, os alimentos podem ser: in natura, ingredientes culinários processados, alimentos processados e ultraprocessados.
O primeiro grupo, dos alimentos in natura, engloba carnes, vegetais, leguminosas, leite e ovos. Tudo que pode ser consumido da forma como está presente na natureza cai nessa categoria.
Em seguida, o grupo dos ingredientes pressupõe processamento mínimo: azeite, manteiga, sal. São os alimentos do primeiro grupo após passarem por processos como prensagem, concentração, moagem, centrifugação.
O terceiro grupo demanda mais processamento. É a mistura de alimentos do primeiro e do segundo grupo para formar uma nova comida. Para isso, passam por processos industriais simples e que podem ser replicados em casa. Conservas, caldas, pães artesanais.
O último grupo, hoje objeto de escrutínio, é o dos ultraprocessados. Aqui, fala-se em produtos gerados a partir do fracionamento de alimentos.
A ideia de separar os alimentos por processamento veio de um epidemiologista. Carlos Augusto Monteiro, hoje quase uma celebridade a nível mundial, havia passado boa parte de sua carreira médica olhando para indicadores de fome. A falta deu lugar ao excesso quando a questão se tornou a obesidade.
Ele desenvolveu a pesquisa sobre o impacto do processamento dos alimentos no Nupens, o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP, fundado em 1990. O grupo se destaca por recusar patrocínios e financiamentos privados. Segundo Monteiro, a classificação Nova cria tensão na indústria de alimentos.
No Brasil, alguns nomes fortes defendem a alimentação mais livre possível de ultraprocessados, caso da apresentadora de televisão Rita Lobo e da nutricionista Neide Rigo.
O tema se tornou central para o debate sobre saúde pública. Monteiro foi selecionado como uma das personalidades do ano pelo Washington Post e os ultraprocessados ganharam temperatura ao se tornarem alvo do secretário de saúde dos Estados Unidos, Robert Kennedy Jr.
O americano, adepto do slogan "make America healthy again" (torne os EUA saudáveis novamente), é crítico dos ultraprocessados. No início deste ano, ele afirmou que doenças crônicas, como obesidade e condições autoimunes, poderiam estar ligadas ao aumento no consumo desse tipo de alimento. Ele tem a intenção, ainda, de criar regulamentações mais rígidas para ultraprocessados e corantes alimentícios.
Hoje, a classificação Nova é amplamente aceita pela comunidade científica. Órgãos como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) adotam a divisão.
São consolidados também os estudos que sugerem relações entre o consumo de ultraprocessados e problemas de saúde, como obesidade, colesterol alto, distúrbios endócrinos. Até impactos na saúde mental já foram associados aos ultraprocessados.
Mas o Nupens acredita que os problemas não se restringem à saúde. "O consumo de ultraprocessados não afeta apenas indicadores de saúde, como obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares. Ele afeta também relações sociais, saberes culinários, modos de vida e até valores culturais", disse Monteiro, em entrevista à Folha.
Alguns pesquisadores, como Josiemer Mattei da Universidade Harvard (EUA), contestam se a classificação não seria categórica demais ao taxar os ultraprocessados como prejudiciais à saúde sem fazer distinção entre eles. Um iogurte industrializado, por exemplo, recai na mesma categoria que salgadinhos de milho. Adeptos da Nova, porém, afirmam que não existe ultraprocessado saudável.
Os ultraprocessados ganham espaço pela praticidade e, em alguns países, baixo custo. A chamada "comida de verdade", expressão contestada, demanda tempo e investimento que faltam a famílias de baixa renda.
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