Jonathan Haidt é um intelectual que conseguiu influenciar o mundo real; em parte graças a ele, o uso de celulares está proibido nas escolas brasileiras. O que poucos notaram é que, mesmo sendo ateu, Haidt também refletiu sobre os efeitos nocivos do smartphone para a espiritualidade.
Essa discussão aparece em seu best-seller "Geração Ansiosa: Como a Infância Hiperconectada Está Causando uma Epidemia de Transtornos Mentais". No capítulo intitulado "Elevação e Degradação Espiritual", o autor aponta que o excesso de telas afeta não só as crianças nas escolas, mas também os adultos em atividades como ir à igreja.
Haidt me fez lembrar relatos que ouço nos cursos de meditação cristã que ministro. Pessoas de diferentes idades e classes sociais relatam dificuldades crescentes para orar, ler a Bíblia ou se concentrar em sermões. Recordo especialmente o desabafo de um homem de 80 anos: "Na minha idade, minha mente deveria estar calma, mas minha cabeça não para um segundo." Apontando para o celular, ele acrescentou: "Isso aqui piorou muito minha vida."
Segundo Haidt, o uso do celular prejudica a religiosidade ao comprometer práticas simples e antigas, como contemplar a natureza. Em vez disso, as pessoas caminham por parques e bosques imersas nas telas. A mente e o corpo se desconectam, cada um em um lugar.
Outro ponto crítico, segundo Haidt, é a promoção do individualismo. Muitas práticas de espiritualidade são rituais coletivos que envolvem sincronia entre corpos e vozes. Pense, por exemplo, em liturgias onde as pessoas se assentam, levantam e cantam juntas. Assistir a um culto online não proporciona o mesmo impacto que estar presente no templo ao lado de outras pessoas.
Por milênios, diferentes tradições desenvolveram práticas meditativas para acalmar a mente. No entanto, para Haidt, os celulares, com suas notificações constantes, roubam o silêncio necessário para a meditação, promovendo ansiedade e fragmentação da atenção. É difícil meditar quando estamos distraídos por sinais sonoros e um dilúvio de mensagens.
Um dos maiores ataques à espiritualidade, segundo Haidt, vem das redes sociais. Nessas plataformas, tudo gira em torno do ego: busca por curtidas, seguidores e fama, ou seja, a tentativa de ocupar o centro das atenções. Isso contraria os ensinamentos das grandes tradições de sabedoria, como o cristianismo, o budismo, o taoísmo e o hinduísmo, que incentivam o foco nos outros, e não em si mesmo.
Embora "A Geração Ansiosa" tenha impulsionado o debate sobre a proibição do uso de celulares nas escolas, Haidt não é tão radical em relação à espiritualidade. Ele propõe um "sabá digital": um dia por semana sem tecnologia digital ou com uso reduzido para que as pessoas cultivem sua espiritualidade.
Tenho dúvidas se isso é suficiente para recuperar as condições necessárias ao cultivo da espiritualidade. Como pastor, observo que religião e tecnologia estão cada vez mais entrelaçadas: Bíblias nos smartphones, templos com paredes instagramáveis e dízimos entregues via QR codes.
Será que ainda há espaço para discutir os prejuízos do celular à espiritualidade quando ele já faz parte da cultura religiosa? Talvez seja um bom tema para debater no grupo de WhatsApp da sua igreja.
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