quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Na educação, IA não é sujeito, é objeto, FSP

 

Thiago Rached

Cofundador e CEO da Letrus

O impacto da inteligência artificial na educação é um dos grandes temas em debate na academia, gestão pública, setor privado e terceiro setor.

É consenso que as aplicações baseadas nos LLM (sigla em inglês para "large language models") já impactam a nossa sociedade de maneira profunda e, portanto, afetarão a formação de estudantes e professores. A questão não é "se" a IA terá efeito transformador na educação, mas "como".

Pela ainda recente abertura da IA generativa, marcada pelo lançamento do ChatGPT no final de 2022, há naturalmente poucas referências com evidências sólidas sobre o uso de IA aplicada à educação.

A imagem mostra um ambiente de trabalho onde várias pessoas estão sentadas em cadeiras em frente a computadores. Ao fundo, há uma parede com azulejos e post-its coloridos organizados. As pessoas estão focadas em suas telas, e uma mulher está interagindo com um dos homens, que está de costas. O ambiente parece ser um espaço colaborativo ou de aprendizado.
Alunos da rede estadual de educação do Espírito Santo utilizam plataforma Letrus para aprimorar leitura e escrita - Renato Stockler

Essa ausência dificulta a construção de visões estruturadas, abrindo espaço para teorias frágeis e, mais perigosamente, para a inação –a única decisão que garante, sem erro, a perpetuidade do atraso educacional.

No Brasil, há um raro exemplo de solução baseada em IA com resultado comprovado na evolução dos estudantes e na diminuição da desigualdade educacional: o programa Letrus. Baseado em uma IA proprietária, o lançamos em 2017 com foco em reduzir a lacuna da escrita e leitura nas escolas brasileiras.

Em 2019, o programa passou por uma avaliação de impacto na rede pública do Espírito Santo, financiada pelo J-Pal (centro de pesquisa do MIT), pela Fundação Lemann e conduzida pela FGV-SP.

Com 19 mil estudantes em mais de 170 escolas, as evidências comprovaram que o programa reduziu em 9% a desigualdade de desempenho entre estudantes de escolas públicas e privadas na redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), em apenas cinco meses.

A partir da implementação da Letrus como política pública em 2022, a rede estadual do Espírito Santo tornou-se a melhor colocada na redação do exame entre todas as unidades da federação. Além disso, Goiás e Mato Grosso, que adotaram o programa em 2024, tiveram avanços significativos.

Goiás subiu quatro posições (sétimo lugar, média 619,7) e Mato Grosso subiu cinco posições (19º lugar, média 584,9). Evoluções apenas possíveis pela parceria, foco em resultado e profissionalismo da gestão de ambas as redes, destacando que, em Goiás, atuamos com uma parcela ainda relativamente pequena de escolas no ano passado.

Essa pesquisa fundamentou o reconhecimento da Letrus como a melhor tecnologia educacional do mundo pela Unesco em 2020 e se tornou caso de referência global do J-Pal/MIT.

A solução também virou estudo de caso de Harvard e estabeleceu parceria com Stanford para pesquisas na área educacional. Uma tecnologia brasileira contribuindo e pautando as principais instituições que estudam e influenciam o futuro da educação.

Pela nossa experiência precursora, com muitos erros ao longo do caminho, aprendemos que contribuir com a evolução dos estudantes se refere muito pouco à tecnologia em si. O sucesso de uma solução educacional tecnológica está centrada no fator humano, em como ela consegue potencializar a atuação das pessoas.

Isso é menos sobre "features" e sofisticação algorítmica e mais sobre compreensão dos indivíduos, suas dores e motivações. Por exemplo, potencializar um professor não é entregar-lhe um "dashboard" com informações detalhadas dos seus estudantes, o que pode ser complexo de se compreender e pouco indica o que fazer.

É sobre reduzir sua carga de trabalho operacional, sobre viabilizar conexões mais afetivas com seus estudantes, sobre reconhecer sua importância nos avanços da sua turma, sobre viabilizar seu desenvolvimento contínuo conectado com sua prática em sala de aula.

A IA pode ter um papel essencial para catalisar essas experiências potencializadoras.

A transformação educacional positiva não será sobre IA, mas com IA. A inteligência artificial não é sujeito, é objeto, ferramenta, meio.

O sucesso continuará dependendo de como as pessoas a utilizam. Acompanhando a implementação de outras soluções de IA, os resultados são bem diversos e por vezes até negativos.

Para que a transformação educacional aconteça com IA, não pela IA, precisamos construir soluções e políticas que tornem a educação mais humana e menos artificial.

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