sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Por que há tantos espaços comerciais vazios nos novos prédios?, Mauro Calliari, FSP

 Uma das ideias por trás do Plano Diretor de 2014 era boa: estimular os incorporadores a cuidar da fruição do térreo dos novos prédios. Quem fizesse calçadas mais convidativas e integradas, com comércio aberto, poderia construir prédios mais altos.

O princípio dessas fachadas ativas, como são chamadas, é que as pessoas preferem andar por calçadas largas, com vitrines e vegetação, em vez de encarar a paisagem de muros, garagens e calçadas estreitas da cidade.

Pois bem, pela primeira vez desde o início da nova legislação, temos alguma informação sobre as fachadas ativas. Uma pesquisa da Associação Comercial de São Paulo mostra que a política pública induziu novos espaços nos empreendimentos, mas eles ainda estão vazios.

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Fachada ativa de um prédio perto da estação Vila Madalena do metrô, na zona oeste de SP

Depois de 2016, multiplicaram-se os empreendimentos com fachadas ativas. Hoje são quase 300, quase 20% de todos os lançamentos recentes. Esse percentual cresce em Santa CecíliaPerdizes e Vila Madalena, onde surgiram academiasbares, clínicas, estúdios de pilates, padarias, cafés e uma variedade de pequenas lojas.

A notícia ruim é que na maior parte da cidade, essas lojas estão vazias. Na Rebouças, a vacância é de mais de 60%. No Ibirapuera, quase 70% e na Vila Mariana 80% dos espaços locáveis estão vazios.

Alguma coisa não deu certo. O que pode explicar isso?

Para começar, o comércio tradicional já vem sofrendo concorrência de e-commerce, delivery, lojas de shopping e até camelôs e bancas de jornal, que vendem de tudo sem pagar aluguel.

Outro problema é de projeto. Alguns empreendedores construíram espaços inadequados e escondidos. Mesmo em bons projetos, as exigências entre os tipos de comércio são muito diferentes; lojas, bares e clínicas não conseguem se adaptar a um lugar genérico. Costureiras, chaveiros e o comércio de bairro, muitas vezes deslocados pelos próprios prédios, não têm cacife para bancar os aluguéis novos. Os bons exemplos são aqueles em que o empreendedor já negociou antes da construção com o futuro inquilino. Em compensação, se o uso for alterado depois da construção, o processo de alvará pode durar até 4 anos. A Prefeitura já sabe disso e poderia resolver a burocracia facilmente.

Outra questão é a gestão. Alguns condomínios não sabem gerenciar o aluguel ou então não veem com bons olhos a ocupação do térreo; então, preferem deixa-lo vazio. Um contrassenso, considerando que o prédio recebeu benefício justamente para isso.

A principal razão, porém, tem a ver com o fracasso da própria essência do plano diretor até agora. Ao estimular o adensamento populacional nos eixos de transporte, a ideia era que mais gente já estivesse morando e circulando a pé entre suas casas e o transporte coletivo. E até agora esse plano tem falhado.

Apesar do aumento de área construída e da destruição de milhares de imóveis antigos, não aconteceu ainda o aumento de densidade populacional. Muitos apartamentos pequenos são vendidos a investidores para aluguel ou Airbnb, grande parte está vazia. Como se não bastasse, pelo menos 20% dos empreendimentos novos estão sob investigação por usar benefícios específicos para habitações populares e vender para públicos de renda mais alta. Menos gente nas ruas significa menos demanda para novos comércios.

Com o novo Plano Diretor de 2029 na esquina, esses dados servem para lembrar que entre a cidade planejada e a cidade real existe um abismo, que talvez só possa ser preenchido com uma visão comum de futuro e com a revisão seletiva dos mecanismos para que ela aconteça. A cola entre todos esses novos prédios que estão sendo construídos deveria ser o investimento no espaço público, que hoje parece bastante ameaçado.


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