quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Brasil virou uma caverna do Taleban, Hélio Schwartsman, FSP

 Fiquei feliz ao ler nesta Folha que foi criada no Brasil a Eu Decido, a primeira associação em defesa do direito à morte assistida. Essa é uma bandeira que empunho há décadas. Não sou, porém, muito otimista em relação à possibilidade de resultados concretos em breve.

A conjuntura política por aqui nos transportou metaforicamente para uma caverna do Taleban. Não só não vemos avançar liberdades individuais já consagradas nos países desenvolvidos, como a de usar drogas ou abortar, como ainda lidamos com a ameaça de retrocessos. O leitor se lembrará da recente tentativa da bancada da Bíblia de aprovar uma lei que equipararia abortos tardios a homicídios. Meninas estupradas que só descobrissem a gravidez com mais de 20 semanas e abortassem, como a lei hoje autoriza, ficariam sujeitas a um castigo maior do que o reservado a seus estupradores.

A imagem mostra um grupo de mulheres participando de uma manifestação nas ruas. Elas seguram faixas e cartazes, com destaque para um banner verde que diz 'ABORTO LEGAL, SEGURO, GRATUITO E POR OBSTETRIZES'. Algumas mulheres estão usando lenços verdes, símbolo do movimento pelo direito ao aborto. Uma delas está falando em um megafone, enquanto outras levantam os punhos em sinal de protesto. O ambiente urbano é visível ao fundo, com prédios e pessoas ao redor.
Ato pela descriminalização do aborto em São Paulo - Bruno Santos - 28.set.2024/Folhapress


E a situação é preocupante mesmo fora do circo performático em que o Congresso Nacional se converteu. É incrível que a Prefeitura de São Paulo, a maior e mais cosmopolita cidade do país, esteja restringindo o acesso a serviços de aborto legal.

STF até ensaiou alguns passos liberalizantes. Foi o caso da decisão que excluiu a possibilidade de sanções penais para a posse de pequenas quantidades de maconha. Mas o tribunal se vê enredado em tantas controvérsias políticas que teve de pisar no freio da agenda pró-autonomia.

Longe de mim negar as enormes dificuldades para regular questões como mercado de drogas e morte assistida. Há aí dilemas impossíveis. A revista The Atlantic acaba de publicar uma boa reportagem sobre os problemas por que passa o Canadá com sua avançadíssima legislação de eutanásia.

Meu ponto é que, se formos recusar o corolário mais elementar do Estado liberal moderno, que é o de garantir a autonomia individual de forma robusta, então podemos aposentar as declarações de direitos das Cartas, fechar cortes de Justiça, restituir a autoridade do "pater familias" e recriar conselhos tribais que diriam o que é e o que não é aceitável.

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