terça-feira, 19 de agosto de 2025

Governo Trump versus IPCC, Jerson Kelman, FSP

 O Departamento de Energia dos Estados Unidos emitiu recente relatório sobre a emissão de gases de efeito estufa e as mudanças climáticas (com o título A Critical Review of Impacts of Greenhouse Gas Emissions on the U.S. Climate). Inicialmente, nem abri o documento porque, sendo uma manifestação oficial do governo de Donald Trump, achei que só teria compromisso com o destino de 5% da população mundial que habita os EUA. Mas reconsiderei porque não quero me encaixar no perfil polarizado do tipo "não li e não gostei".

O relatório concorda com o IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima) no sentido de que a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera está aquecendo o planeta. Mas discorda do prognóstico sobre o ritmo do aquecimento porque, segundo afirma, as previsões dos modelos climáticos globais do IPCC feitas com dados históricos enxergam um mundo mais quente do que foi efetivamente observado.

A imagem mostra um homem falando ao microfone, com cabelo loiro e pele clara. Ao fundo, há uma pintura de um homem montado em um cavalo, em um cenário que parece ser uma paisagem. O homem em primeiro plano está vestido com um terno escuro e uma camisa branca.
O presidente Donald Trump discursa na Casa Branca, em Washington, nos Estados Unidos - Jim Watson - 30.jul.2025/AFP

Pode haver alguma razão nessa alegação porque os modelos mais recentes do IPCC (CMIP6) foram ajustados para tornar as previsões mais verossímeis, acrescentando-se observações de temperatura, precipitação e circulação atmosférica. Consideram as retroalimentações climáticas, tanto o aumento da retenção do vapor d’água na atmosfera, que intensifica o efeito estufa, quanto na direção oposta, o aumento da nebulosidade, que intensifica a reflexão da radiação solar. Porém, esse tema—a dinâmica das nuvens— permanece sendo um dos aspectos mais complexos e incertos da modelagem climática.

O relatório trata de diversos temas, ao longo de 12 capítulos. Destaco apenas um deles: o alegado "efeito benéfico" da abundância de CO2 sobre o crescimento das plantas. O relatório e o IPCC concordam que o aumento da concentração de CO2 na atmosfera estimula a fotossíntese e consequentemente aumenta a produção de biomassa vegetal, sendo todo o resto constante. Concordam também que fartura de CO2 faz com que os estômatos das plantas permaneçam fechados por mais tempo, diminuindo a perda de água por transpiração. Porém, discordam quanto as consequências, sendo todo o resto variável.

O relatório diagnostica aumento de produtividade agrícola graças à predominância do efeito positivo — causado pelo aumento da fotossíntese— sobre o efeito negativo —causado pelo aumento da temperatura. Aponta também que a abundância de CO2 melhora a eficiência hídrica das plantas, reduzindo a necessidade de irrigação. Já o IPCC, embora reconheça que a abundância de CO2 possa ter efeito fertilizante e diminuir o uso da água em culturas como trigo e soja, enfatiza que esses benefícios são limitados por fatores como temperatura elevada, escassez de nutrientes e eventos extremos, como secas e ondas de calor (AR6 WGII – Climate Change 2022: Impacts, Adaptation and Vulnerability).

A diferença de visão entre o relatório e o IPCC ultrapassa a fronteira da ciência. É mais um confronto entre os que atacam e os que defendem as políticas de mitigação de emissão de gases de efeito estufa, em escala global. Na falta de consenso, e a despeito do que gostaríamos que acontecesse, o Brasil tem que decidir pragmaticamente onde vai concentrar esforços, na mitigação ou na adaptação às mudanças climáticas. Eu penso que deveria ser na adaptação.

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