Digamos que a História seja feita de pessoas, fatos e coincidências. Sobre estas, vale retomar o recente encontro de Vladimir Putin e Donald Trump em Anchorage, no centro-sul do Alasca. Um encontro em que nada se decidiu, mas que, do lado americano, buscou-se dar uma relevância à altura dos grandes eventos políticos do século 20. No teatro midiático de Trump, Putin dominou a cena e sugeriu que um futuro encontro sobre a guerra na Ucrânia se passe em Moscou.
Se vier a acontecer por lá, o que não está definido nem previsto, a grandiosidade de Moscou intimidará Anchorage, com seus 291 mil habitantes e uma imponência emprestada dos montes nevados Chugach. Contudo, ontem e hoje, coincidências históricas aproximam as duas cidades.
O Alasca foi parte do Império Russo até a primeira metade do século 19. Em 1867, os Estados Unidos compraram o território pagando cinco centavos de dólar por acre. De lá para cá, história conhecida: descobertas de ouro e petróleo, construção de estradas de ferro, pontes e portos, bases militares e um terremoto de triste memória, em 1964.
Quando Putin e Trump posavam para as câmeras, dias atrás, algo grave se passava nas prisões do Complexo Correcional de Anchorage: surto de tuberculose. O mesmo acontece no Centro de Detenção Eloy, no Arizona, no Centro Prisional de Denver, no Colorado, no Centro Prisional de Adelanto, na Califórnia.
Desde que passaram a receber comboios diários de imigrantes capturados pelo ICE (sigla em inglês de Imigração e Fiscalização Aduaneira), as condições sanitárias e de saúde colapsaram nestes lugares. A revista americana Prospect fala em imigrantes removidos às pressas para hospitais e de um óbito. E os testes positivos para a tuberculose se avolumam.
Em mais uma coincidência, o mesmo tipo de surto prisional marcou a Rússia no fim do regime soviético. O mal que se concentrava nas prisões da Sibéria extrapolou para outras partes, num tempo em que o encarceramento cresceu, tal como o alcoolismo e o desemprego, tudo agravado pelo súbito desmantelamento do sistema de saúde.
De 1991 a 2001, a incidência da tuberculose nas prisões russas atingiu a perigosa marca de 7.000 casos por 100 mil detentos, segundo a revista Scientific American. Putin poderia ter lembrado Trump do risco de empilhar gente, ainda que por tempo determinado.
Os Estados Unidos voltam ao passado com o projeto político-financeiro em curso na Casa Branca. Neste projeto está inserido o grande negócio da deportação em massa.
Trump pretende se livrar de 1 milhão de imigrantes em 2025, superando as marcas de Clinton, Obama e Biden. Para tanto, triplicou o orçamento do ICE, destinando US$ 45 bilhões ao financiamento de novos centros de detenção.
Há duas empresas, a GEO Group e a CoreCivic, que recebem boa parte da dinheirama, cujos CEOs têm dado entrevistas esfuziantes diante das "inéditas oportunidades de mercado".
Enquanto se apresenta como o fiador do fim das guerras e candidato imbatível ao Nobel da Paz –pena que terá de concorrer com outros nomes, do contrário, compraria o prêmio– Trump continua impondo a sua limpeza social, racial e étnica ao país que se constituiu pela força da imigração. A tuberculose nos cárceres americanos serve de metáfora para uma realidade ainda mais complexa.
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