domingo, 24 de agosto de 2025

Microbiota, elo perdido da depressão, Marcelo Leite, FSP

 Há mais coisas entre as tripas e a cachola do que as sonhadas por nossa biologia –pelo menos a ciência biológica convencional, reducionista. A depressão, por exemplo, parece envolver bem mais que uma carência de serotonina no cérebro, incluindo até bactérias do intestino.

Antidepressivos como o escitalopram atuam barrando a reciclagem do neurotransmissor entre neurônios. São os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS), classe surgida há quatro décadas alicerçada na noção de que transtornos mentais decorrem de desequilíbrios bioquímicos no cérebro.

Mais de um terço dos deprimidos não melhoram com os ISRS, indicativo de que mais fatores entram nessa inequação. Dois temas vêm ganhando atenção: eixo intestino-cérebro (que um pouco de humor converteria em "tripas-cachola") e microbiota (antigos diriam "flora intestinal").

A imagem apresenta uma figura humana em silhueta, de pé, em um ambiente nebuloso. A figura está voltada para a esquerda, com um fundo predominantemente branco e uma mistura de tons escuros e cinzas que sugerem a presença de fumaça ou névoa. A composição transmite uma sensação de solidão e introspecção.
Atichat /Adobe Stock

Nem sempre nos damos conta de que o sistema nervoso não se compõe só de cérebro e medula espinhal. Há neurônios espalhados pelo corpo, até em lugares insuspeitos como o sistema nervoso entérico. O SNE controla funções digestivas com células neurais alinhadas do esôfago ao ânus.

O controle ocorre de modo independente do sistema nervoso central, mas não em completa desconexão. Emoções podem desencadear conversas problemáticas entre SNC e SNE, como sabem todos que tiveram dor de barriga no primeiro dia de aula.

Como há conexão, influenciaria ela também os transtornos de humor, como depressão e ansiedade? Assim como se imaginou que o desequilíbrio químico no cérebro poderia causá-los, surgiu a hipótese de que o predomínio de certas bactérias na microbiota poderia exercer um papel na (piora da) saúde mental.

Dois experimentos de 2016, um na Irlanda e outro na China, testaram essa possibilidade. Ao se transplantarem fezes de seres humanos deprimidos para roedores saudáveis, os animais desenvolveram sintomas depressivos, como anedonia (deficit de interesse e de prazer).

O passo seguinte foi investigar se mudanças na microbiota poderiam também tratar a depressão. Em 2023, teste clínico conduzido por Valerie Taylor no Canadá transferiu fezes de pessoas mentalmente saudáveis para o intestino de pacientes com depressão resistente a tratamento, aqueles sem melhora mesmo depois de usar ao menos dois remédios antidepressivos.

Reportagem de Simon Makin numa série da revista Nature sobre o microbioma humano narra o caso de Andrew Moseson, que se curou de depressão grave com esse tratamento. O teste clínico não funcionou tão bem para todos os participantes, a sugerir que, sim, há mais vozes participando da conversa entre tripas e cachola.

Uma alternativa sob investigação é o uso de probióticos, preparados contendo espécies ou cepas de bactérias, como algumas do gênero Bacillus, cujo aumento na microbiota parece reduzir sintomas de ansiedade. Os resultados até aqui são mistos.

Resta muita coisa ainda por desvendar nessa comunicação polifônica entre bactérias e depressão. Uma coisa é certa: microrganismos têm papéis decisivos no corpo humano e nas doenças, como fica evidente pela participação do papilomavírus (HPV) no câncer de colo do útero e da Helicobacter pylori nas úlceras e nos tumores de estômago.

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