sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Guilherme Madeira Dezem A prisão domiciliar de Jair Bolsonaro é correta? NÃO. FSP

 Guilherme Madeira Dezem

Professor de direito processual penal da USP e da Universidade Presbiteriana Mackenzie, é juiz de direito

A cena tem se repetido ao longo da última década: políticos processados pelo Ministério Público, juízes acusados de parcialidade por suas decisões e os apoiadores e críticos do político da vez se digladiando nas redes sociais e em grupos de WhatsApp com amigos, familiares e desconhecidos.

O véu da raiva turva a visão e poucos percebem que, na semana passada, defendiam a posição que favorecia o objeto do seu afeto; e, agora, muda-se a posição para que o objeto do seu desafeto não seja beneficiado por sua posição. Detratores da prisão domiciliar tornam-se seus maiores defensores e aqueles que buscam a defesa dos direitos e garantias hoje encontram justificativas para a prisão ou qualquer outra medida restritiva de direitos.

Três homens estão em pé em frente a uma porta numerada com o número 3. Um dos homens, à esquerda, está olhando para um celular. Os outros dois homens estão conversando, um deles com a mão no queixo. A iluminação é suave e há sombras visíveis na parede ao fundo.
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em sua casa no dia em que o ministro Alexandre de Moraes decretou a prisão domiciliar - Pedro Ladeira - 4.ago.2025/Folhapress

No sistema processual penal brasileiro, quando alguém é processado há três situações possíveis: a) a pessoa pode responder ao processo em liberdade sem qualquer restrição; b) a pessoa pode responder ao processo com alguma restrição de liberdade, como é o caso da monitoração eletrônica; e c) a pessoa pode responder ao processo presa preventivamente.

Quando a pessoa é presa preventivamente, o juiz, em determinadas e específicas situações, poderá conceder a chamada prisão domiciliar. São situações muito específicas, como o caso de mulheres grávidas ou de presos com graves problemas de saúde.

Aqui, a situação começa a se complicar um pouco. Discute-se, não apenas no Brasil, mas em boa parte dos países, se magistrados somente podem restringir a liberdade das pessoas impondo as medidas expressamente previstas em lei ou se haveria um poder geral dos juízes de impor medidas que não estejam previstas em lei.

Essa discussão não é exclusiva do Brasil. Tanto que a Corte Interamericana de Direitos Humanos entende que os juízes somente podem impor as medidas cautelares expressamente previstas em lei.

Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm posição distinta. Ambos os tribunais superiores entendem que os juízes podem impor medidas não previstas em lei em processos criminais com fundamento no Código de Processo Civil.

Há bons argumentos para ambos os lados. Para aqueles que entendem que existe essa possibilidade (chamada de "poder geral de cautela"), é possível ao juiz impor a prisão domiciliar independentemente de prisão preventiva. Para aqueles que, como eu, entendem pela inexistência desse poder geral de cautela, o magistrado somente pode impor a prisão domiciliar em substituição à prisão preventiva.

decretação da prisão domiciliar do ex-presidente encontra amparo na jurisprudência dos próprios tribunais, e esta jurisprudência não é recente: ela antecede toda essa questão envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro. Desde antes desse imbróglio também me manifesto contrariamente ao poder geral de cautela dos juízes no processo penal, já que não há previsão no Código de Processo Penal.

Em consulta realizada ao site da Secretaria Nacional de Políticas Penais, encontramos alguns dados interessantes: em 31 de dezembro de 2024, havia no Brasil 112.949 pessoas presas em prisão domiciliar sem monitoramento eletrônico e 122.102 com o equipamento. Também havia 180 gestantes e 98 lactantes. Naquela mesma data, havia 120 filhos crescendo em estabelecimentos. Repito, 120 crianças crescendo em estabelecimentos prisionais no país.

Eventos como a prisão domiciliar do ex-presidente Bolsonaro abrem uma enorme possibilidade: trata-se da discussão do sistema de justiça criminal para além dos benefícios ou prejuízos a este ou a aquele ex-presidente.

Em 5 de dezembro de 1783, Immanuel Kant escreveu o texto "Resposta à Pergunta: O que é Esclarecimento?". Ali ele indica que o esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade. Ainda hoje vivemos em nossa menoridade. Ou buscamos uma saída dela ou a cada quatro ou cinco anos ficaremos discutindo sobre a prisão do político A ou B.

Temos um encontro marcado com a nossa maioridade e com o sistema de justiça que queremos; não estou certo, contudo, de que desejemos verdadeiramente abandonar nossa menoridade.

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