É raro existir um banheiro público que as pessoas queiram conhecer sem que estejam apertadas, mas Tóquio tem 17 deles. Graças a um projeto que reuniu estrelas da arquitetura e que ficou famoso devido ao filme "Dias Perfeitos", dirigido por Wim Wenders, os toaletes da metrópole são até uma atração turística.
No longa, o protagonista Hirayama tem uma rotina bem regradinha, em que limpa os banheiros do projeto Tokyo Toilet com muito esmero, refletindo uma característica do Japão. A depender do que o filme mostra, os banheiros cuidados pelo personagem são mais limpos que os do Sesc, a nossa referência de civilização.
Só que Hirayama parece ter sido demitido. Ou estava de férias? A Folha visitou seis dos locais que formam o Tokyo Toilet e encontrou falta de papel higiênico, uma cabine interditada e muita sujeira, até com um caso em que o repórter preferiu não fazer a foto interna do lugar para preservar o leitor de imagens lamentáveis.
O grande atrativo do projeto é o fato de que o design dos toaletes é assinado por profissionais de renome —quatro dos quais vencedores do Pritzker, considerado o Nobel da arquitetura. Assim, banheiros que apenas cumpririam sua função básica foram remodelados para virar elementos urbanísticos que conversam com a paisagem ou causam surpresa devido ao desenho arrojado, distante do que se espera de um local do tipo.
O que mais se encaixa nessa descrição é o que está no Yoyogi Fukamachi Mini Park. Projetado por Shigeru Ban, famoso pelo uso de materiais não convencionais, como tubos de papel e estruturas sustentáveis para abrigos de emergência, o banheiro é todo transparente, desafiando a ideia de privacidade desses espaços.
Ao trancar as portas, no entanto, os vidros ficam opacos, e a visão do exterior é bloqueada. Um espetáculo. As paredes são coloridas, num degradê que vai do laranja ao roxo, e pela noite o banheiro ajuda a iluminar o parquinho onde está localizado, como se fosse uma lanterna. No dia em que a reportagem visitou o toalete, a cabine do meio estava interditada, e dois homens debatiam vigorosamente como solucionar o problema.
Nada que impedisse o público de brincar com a transparência das outras cabines em funcionamento. Uma mulher, por exemplo, pediu que a amiga filmasse sua entrada no banheiro. Antes de trancar a porta, deu um tchauzinho e uma reboladinha para a câmera e depois, puf!, acionou o dispositivo que embaça os vidros.
Um nível de limpeza de encher os olhos não foi encontrado em nenhum dos lugares visitados, mas um caso extremo ocorreu no Jingu-Dori Park, em Shibuya, região que concentra todos os banheiros do projeto. Ali, no toalete desenhado por Tadao Ando, admirado pelo uso de luz natural e concreto aparente, uma das cabines estava com a privada entupida, com muito papel higiênico e fezes misturadas até o topo da louça. Um nojo.
A situação atrapalhou a percepção da beleza do projeto. Com uma planta circular, o banheiro parece uma nave espacial, com uma estrutura externa de filetes de metal que dá privacidade a quem vai usar o toalete e deixa a luz entrar. Em volta, são exibidas imagens que um dos maiores nomes da fotografia contemporânea japonesa, Daido Moriyama, fez das unidades do Tokyo Toilet e que hoje estão compiladas em um livro.
Talvez o banheiro da estação Ebisu também entre na categoria nave espacial, já que seu elegante desenho destoa da paisagem em volta. Um grande cubo branco que parece levitar, o toalete assinado pelo diretor de arte Kashiwa Sato tem uma estrutura de paletas que "protege" a entrada das cabines e também projeta nas paredes e no chão do toalete grafismos produzidos pelas sombras. Ali, só faltou papel higiênico mesmo.
Uma pena, pois o papel é personalizado, com fotos dos banheiros e QR Code para acessar o site do projeto.
Por email, Yuri Saito, da seção de manutenção da subprefeitura de Shibuya, confirmou os casos detectados e disse que os problemas já foram ou estão sendo resolvidos. "Banheiros públicos são usados diariamente por um número grande de pessoas, então questões do tipo podem acontecer. Consideramos a manutenção um pilar central do projeto e estamos comprometidos com inspeções, limpezas e reparos regulares."
O site do Tokyo Toilet possui uma seção toda dedicada a explicar a sua manutenção: limpeza três vezes ao dia, uma checagem mensal dos equipamentos e uma inspeção especial uma vez ao ano. Todos os meses também acontecem revisões por uma instituição terceirizada. No estilo do Japão, tudo é bem explicadinho.
Nas outras unidades visitadas, a arquitetura é o que de fato surpreende. No banheiro do Nabeshima Shoto Park, de Kengo Kuma, autor da Japan House, em São Paulo, entre tantos outros projetos, tábuas de cedro se confundem com a paisagem, formando uma minifloresta. Dentro, madeiras em diferentes formatos estão pregadas nas paredes, uma brincadeira com a separação entre o que está fora e o que está dentro.
No toalete de Sasazuka Greenway, de Junko Kobayashi, o que deslumbra é o uso de aço corten, de aspecto semelhante à ferrugem, com biombos que parecem de papel arroz, um aceno ao Japão mais tradicional.
Por fim, a unidade de Yoyogi-Hachiman remete a cogumelos, uma estrutura lúdica que vai agradar crianças e adultos. Dentro de uma das cabines havia uma bolsa esquecida, sabe-se lá havia quanto tempo. É certo que, a depender da grande maioria dos japoneses, ela será recuperada, porque ninguém vai pegá-la de lá.
Em certa medida, a sujeira é uma característica de todo banheiro público, e sua manutenção, no nível que "Dias Perfeitos" sugere, é uma utopia. Mas para quem viu o filme, a impressão que dá é que quem anda limpando os banheiros de Tóquio é o amigo jovem do protagonista, meio preguiçoso e muito engraçado.
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