quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

O que a Folha pensa O declínio de uma referência do progressismo, FSP

 

Foto em preto e branco mostra homem jovem, branco de cabelo preto, vestido com sobretudo preto e luvas, falando em um púlpito com microfone. Há árvores sem folhas atrás.
O premiê Trudeau durante o pronunciamento em que anunciou sua renúncia, em Ottawa - Dave Chan - 6.jan.2025/AFP

Na imperfeita bússola da política mundial, progressista e conservador nem sempre são termos precisos para qualificar a orientação de governos e lideranças.

Mas Justin Trudeau, premiê do Canadá por dez anos que agora anuncia sua saída, era claramente uma referência do que se chama de progressismo, com uma jovial figura a seu serviço —tinha 43 anos ao assumir o posto.

Nomeou o mais diverso gabinete de um país do G7 da história, igualitário em gênero. Questionado certa vez sobre sua motivação, cunhou o mote de seu mandato: "Porque é 2015".

Com isso, assumiu o papel que Barack Obama ocupava no ideário do mundo desenvolvido quando o americano passou o cetro a Donald Trump, em 2017. Acolheu imigrantes quando o republicano falava em construir muros.

Apesar de fracassos práticos, como na prometida integração maior das comunidades indígenas à vida pública, foi a imagem positiva que ficou —talvez com a ajuda da relativamente pouca atenção dedicada ao país no noticiário internacional.

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A realidade doméstica era outra. O pêndulo global se movia rumo ao populismo de direita, e a política de atração de trabalhadores estrangeiros logo virou vilã.

Em 2019, Trudeau perdeu a maioria no Parlamento, passando a depender de alianças frágeis para governar. Com a pandemia da Covid-19, as duras restrições adotadas, além da obrigatoriedade da vacina, tornaram-se tema de guerra cultural. Caminhoneiros chegaram a parar o país.

O premiê tentou retomar o controle legislativo adiantando eleições para 2021, sem sucesso. A partir daí, a economia passou a apresentar problemas, como uma inflação persistente.

Mesmo sua imagem pessoal não ficou ilesa. Chamado de "o príncipe", filho do longevo premiê Pierre Trudeau, o político mostrava o privilégio de sua criação. Surgiram viagens de luxo irregulares e vídeos do passado em que logo ele, o herói dos liberais, aparecia caracterizado como negro, o famigerado "blackface".

Mais recentemente, a gota d’água foi a nova vitória eleitoral de Trump. O americano já falou em elevar tarifas de importação contra o vizinho ao norte e retomou ataques farsescos a Trudeau, defendendo a anexação do Canadá.

Integrantes do governo começaram a debandar, e restou a ele jogar a toalha. O primeiro-ministro deve ficar no cargo somente até seu Partido Liberal escolher outro líder, mas há um Everest de 25 pontos de intenção de voto para a eleição de outubro separando a sigla dos conservadores.

editoriais@grupofolha.com.br

STF não pode ter o casuísmo como guia de suas regras, Opinião FSP

 Passados meros dois anos e meio desde que o tema foi debatido em plenário, ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) articulam uma mudança na regra sobre a validade dos votos de magistrados que tenham participado de um julgamento e, depois, deixado a corte.

De acordo com o Código de Processo Civil, nos julgamentos de órgãos colegiados, um magistrado pode alterar seu próprio voto a qualquer momento antes da proclamação do resultado —a menos que tenha sido afastado ou substituído, hipóteses nas quais seu voto será mantido, e não trocado pelo do sucessor.

Em junho de 2022, por iniciativa de Alexandre de Moraes, o STF estendeu esse entendimento aos casos transferidos do ambiente virtual para o presencial.

Ou seja, se um ministro profere seu voto em um julgamento virtual e depois se aposenta, seu substituto não poderá interferir na posição adotada, ainda que o processo seja levado para discussões no plenário físico.

Foi uma decisão sensata. Não havia motivos para distinguir o ambiente físico do virtual quanto a uma diretriz que tem a função de reduzir incertezas e, portanto, elevar a segurança jurídica.

De forma incipiente, entretanto, Luiz FuxDias Toffoli e Moraes começam a defender uma revisão da regra. Para eles, em julgamentos não concluídos, os ministros novatos deveriam poder votar, seja no plenário físico ou no virtual, trocando as manifestações dos aposentados pelas suas.

Tomada pelo valor de face, a proposta não chega a ser absurda. Desde que adotadas providências cautelosas para evitar manobras oportunistas, ela apenas equipara o calouro aos seus colegas veteranos, já que estes têm a faculdade de mudar de opinião no processo em curso.

O fato de a proposta não ser absurda, porém, não a torna necessariamente desejável. E ela não o é —menos pelo conteúdo em si do que pela sua motivação.

Nem é preciso ser um observador arguto do STF para notar o casuísmo da operação. Afinal, de modo imediato, apenas Cristiano Zanin e Flávio Dino se beneficiariam da novidade, e os dois têm algo em comum: foram indicados pelo presidente Lula (PT).

Em 2022, deu-se o oposto. A extensão da regra sobre validade dos votos prejudicava, de modo mais evidente, André Mendonça e Kassio Nunes Marques. Levados à corte pela caneta de Jair Bolsonaro (PL), ambos foram recebidos com resistência dentro de um colegiado que sofria ataques reiterados do então presidente.

Se a nova proposta vingar, pode mudar a tendência em processos importantes, como o da descriminalização do aborto e o do ISS na base de cálculo do PIS/Cofins.

Não se trata de defender a tendência atual nesses casos, mas de reconhecer que o STF, como instituição, precisa superar a polarização que grassa na sociedade e oferecer o máximo de estabilidade jurídica. Os ministros, infelizmente, com frequência agem na contramão desses desideratos.

editoriais@grupofolha.com.br

A guinada de Zuckerberg é parte de uma onda que não temos como evitar, Joel Pinheiro da Fonseca FSP

 

     
Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP e colunista da Folha

O governo Trump começou antes do previsto com a guinada que Mark Zuckerberg deu à política da Meta, que detém o Facebook, o Instagram e o WhatsApp. As mudanças vêm em duas frentes: nas políticas internas e no posicionamento internacional.

Por anos, Zuckerberg tentou habitar um meio do caminho entre moderação de conteúdo e liberdade de expressão. Coibia algumas fake news nas suas plataformas e desincentivava temas políticos. Por mais que tentasse, no entanto, nunca agradou aos críticos. A cada surto de radicalismo ou teoria da conspiração, a culpa era das redes que permitiram desinformação ou do algoritmo que beneficiou os radicais.

Nada era o bastante e não tinha como ser. O que os críticos querem, no fundo, é que a rede perca sua característica de plataforma aberta e se torne algo similar à imprensa, na qual um grupo de editores determina o que é verdade ou não, o que está ou não está devidamente contextualizado, e portanto o que merece ir ao ar.

O CEO da Meta, Mark Zuckerberg - Andrew Caballero-Reynolds - 31.jan.2024/AFP

Zuckerberg desistiu. Assim, abrandará a moderação de conteúdo e encerrará o contrato com checadores de fatos, que foram uma tentativa de sanear a qualidade da informação no debate público plural das redes.

Embora muitos façam um trabalho sério, nunca alcançaram o objetivo, justamente por carecerem da confiança do público. Numa plataforma horizontal, quem o "checador" pensa que é para determinar a verdade?

No plano internacional, a Meta quer barrar a regulação das redes, que pode prejudicar seus negócios. Há muitas propostas diferentes de regulação, com diferentes objetivos e impactos. Como parte interessada, a Meta tem direito de defender seu ponto, e a nós caberá avaliar se ele se alinha ao bem comum.

Se tentar desobedecer decisões judiciais brasileiras, já sabemos o que acontecerá. É preocupante ele contar com o governo americano para ajudá-lo nessa empreitada; já sofremos interferência americana em nossa política e ela não deixou saudade.

Um confronto entre o entendimento americano de liberdade de expressão —mais libertário— e o europeu (e brasileiro) —mais restritivo— é inevitável.

A própria arquitetura das redes se encaixa melhor no primeiro. Em vez de cerrar fileiras numa esperança vã de acabar com "fake news" (não existiam antes?), penso que o momento é de entender que a tecnologia transformou a lógica do debate público e que o passado não vai voltar.

Não adianta lutar contra a maré; é preciso aprender a nadar. Regulamentações podem ser bem-vindas, mas nenhuma delas nos fará voltar aos à calmaria dos tempos pré-redes.

Fake news e radicalismo são o efeito de um debate público mais democrático, aberto a todos sem distinção, e por isso mais violento, com mais espaço para falta de educação e opiniões infundadas. Para prevalecer nele, não adianta dar carteirada institucional, é preciso saber ser persuasivo por outros meios. Não há moderador que vá impedir o público de se expressar e de errar.

A verdade objetiva existe e importa, mas as salvaguardas institucionais que nos ajudavam a nos aproximar dela se enfraqueceram. Dependeremos cada vez mais da educação e da conduta dos indivíduos para construir um debate saudável. Antes, bastavam uns poucos nos lugares certos; agora, precisaremos elevar a todos.