Um carro de passageiros operado no passado pela Estrada de Ferro Noroeste do Brasil e que estava guardado desde o final da década de 1980 foi restaurado e voltará a ser utilizado por passageiros no interior de São Paulo no próximo final de semana.
Utilizado desde os anos 1960 no transporte ferroviário entre Três Lagoas (MS) e a Bolívia, num percurso de 1.400 quilômetros, o carro de passageiros foi totalmente recuperado pela ABPF (Associação Brasileira de Preservação Ferroviária) com as cores e detalhes característicos da ferrovia original.
"A ideia começou quando um dia vi uma foto e fui procurar saber um pouco da história desse trem internacional e o porquê ele saía de Três Lagoas e não de Bauru [sede da Noroeste do Brasil]. Vendo essas fotos e outras que acabei recebendo, achei muito interessante a gente mencionar esse trem com essa pintura em um dos nove carros da Noroeste que circulam aqui na ABPF Campinas", disse o diretor da associação Helio Gazetta Filho.
O carro já estava com a ABPF desde 1987, quando chegou a Campinas pelos trilhos e, depois, foi levado de carreta do centro da cidade até a estação Anhumas, de onde partem os roteiros turísticos operados pela associação.
De lá, foi levado à estação Carlos Gomes, que integra a rota até Jaguariúna e onde funciona a oficina de manutenção da ABPF, e ficou, desde então, à espera de recursos para o restauro. A associação vive de doações, anuidade de associados e dos recursos obtidos com os bilhetes do passeio turístico e souvenirs.
"Coincidentemente, estávamos repintando um deles, e resolvemos mostrar a todos uma representação do trem internacional de Três Lagoas a Santa Cruz de la Sierra. O carro ficou muito bonito", afirmou.
Um levantamento feito pelo diretor da associação e pelos pesquisadores Douglas Ruzon e Rafael Corrêa mostra que a primeira viagem do carro de passageiros ocorreu há 58 anos, em 11 de agosto de 1967, e fazia uma longa viagem até a cidade boliviana.
Ele partia à 1h de domingo de Três Lagoas e chegava somente 60 horas depois, às 13h de terça-feira, em Santa Cruz de la Sierra. Nas quartas, às 10h30, partia da Bolívia e chegava à cidade sul-matogrossense às 4h52 do sábado.
Agora, conta o dirigente, o carro será utilizado no roteiro entre Campinas e Jaguariúna, a mais extensa rota turística em operação em São Paulo e que funciona aos sábados, domingos e feriados.
A maria-fumaça faz um percurso total de 48 quilômetros, 24 em cada sentido, numa rota que inclui a passagem por cinco estações ferroviárias e uma pausa em Jaguariúna, onde o turista pode visitar uma feira com artesanatos e produtos típicos e almoçar em restaurantes nas proximidades da estação.
NOROESTE DO BRASIL DESENVOLVEU O INTERIOR DE SP
A Estrada de Ferro Noroeste do Brasil foi essencial para o desenvolvimento de Bauru e do interior do São Paulo e era também o ponto de partida do lendário Trem da Morte.
A ferrovia tinha 1.272 quilômetros de extensão cuja linha-tronco ia da cidade a Corumbá (MS), na fronteira com a Bolívia, de onde se conectava à rede de trilhos que leva a Santa Cruz de la Sierra, maior cidade boliviana, com mais de 1,5 milhão de habitantes. O Trem da Morte original era o boliviano, mas com os problemas que a parte brasileira da ferrovia enfrentou com acidentes a rota acabou "herdando" o nome.
Primeiro trecho da já extinta RFFSA (Rede Ferroviária Federal S.A.) privatizado pelo governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 1996, o Trem da Morte matou de imediato o transporte de passageiros.
O governo federal não incluiu a exigência de manter trens de passageiros no trecho, e a Novoeste, que levou a concessão, descartou recuperar o meio de transporte e afirmou que ele não era lucrativo. Só trens de carga operam em todo o trecho desde então.
Das ao menos 122 estações, segundo pesquisadores, que foram erguidas de Bauru a Corumbá para abrigar os passageiros —e cargas—, pelo menos 80 foram demolidas ou estão em processo avançado de deterioração, abandonadas ou fechadas, sem uso algum. Muitas já não existiam décadas antes da privatização.
A Folha percorreu todo o trecho, via rodovia, entre Bauru e a boliviana Puerto Quijarro, e esteve em 24 estações, nas quais encontrou destruição e histórias de desolação de ex-maquinistas e antigos usuários das ferrovias.
O restante é usado como moradia (principalmente por ex-ferroviários), espaços culturais, órgãos públicos ou pela própria operadora ferroviária —Rumo Logística. A maior parte das estações está sob responsabilidade da União.
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