terça-feira, 5 de agosto de 2025

Bruno Gualano - Quando só se pensa naquilo, FSP

 Caro leitor, você é daqueles que pensa em comida o tempo todo, mesmo sem estar com fome? Acha emocionalmente cansativo equilibrar sua vontade de comer com o que considera saudável? Durante as refeições, se pergunta se já comeu o suficiente? Odeia o fato de que a comida está sempre presente nos seus pensamentos? E, quando tenta se livrar deles, sente que eles continuam "sussurrando" lá no fundo da sua cabeça?

Respostas afirmativas apontam para o chamado ruído alimentar (food noise): pensamentos persistentes relacionados à comida —o que comer, quando, quanto e se aquilo é ou não saudável.

A imagem apresenta uma variedade de ingredientes frescos dispostos sobre uma superfície de madeira. No centro, há dois peixes inteiros, cercados por ervas, como salsinha e espinafre. Também estão presentes tomates de diferentes cores, pimentões verdes e vermelhos, limões, alho, azeite, sal, lentilhas, arroz e berinjela. A composição é colorida e vibrante, refletindo uma seleção saudável de alimentos.
Variedades de comidas saudáveis para uma dieta equilibrada - Sonyakamoz/Adobe Stock

Embora pensar sobre comida seja natural, o ruído alimentar se caracteriza por sua intensidade e pelo impacto negativo na saúde mental e na qualidade de vida, sobretudo em pessoas com excesso de peso ou que seguem dietas restritivas. Essa condição se assemelha à ruminação patológica e pode ocorrer mesmo sem fome, sem comida à vista ou estímulos externos. Identificá-la, portanto, requer diferenciar o pensamento funcional daquele que se torna invasivo, disfuncional e gerador de sofrimento.

Vejamos um caso típico, apresentado num artigo recente. Uma paciente descreve assim sua relação com a alimentação: "Sinto que isso está sempre na minha cabeça. Não de forma obsessiva, tipo: hum, quero comida, mas no sentido de: será que estou fazendo a coisa certa? Estou comendo o suficiente, ou de menos? Aquela foi a quantidade certa de calorias? Será que deveria ter mais proteína?... É esse ruído constante. Está sempre lá. Diria que 80% do tempo estou pensando nisso."

Esses pensamentos intrusivos são tidos como difíceis de controlar ou silenciar. E, frequentemente, surgem em contextos de vigilância alimentar excessiva.

De fato, o emagrecimento intenso pode influenciar a intensidade do ruído alimentar. Após a perda de peso, o corpo responde com adaptações neurais, metabólicas e hormonais que aumentam a fome e reduzem a saciedade. É nesse cenário que os pensamentos persistentes sobre comida ganham força.

Isso foi descrito no clássico Experimento de Fome de Minnesota, na década de 1940. Homens saudáveis submetidos a uma dieta bastante restritiva (~1.560 kcal/dia) passaram a apresentar comportamentos obsessivos com comida —como colecionar receitas e sonhar com carreiras culinárias—, além de ansiedade, apatia, irritação e isolamento social.

A ampliação do ruído alimentar após a perda de peso pode contribuir para a falha terapêutica. Compreender esse fenômeno como uma adaptação psicobiológica ajuda a planejar estratégias mais realistas para o manejo da obesidade e evita diagnósticos estigmatizantes —como falta de força de vontade ou indisciplina.

Faltam definições consolidadas sobre o que é ruído alimentar, instrumentos validados de mensuração e dados sobre sua prevalência e impacto clínico. Suas bases biológicas, relação com flutuações de peso e efeitos sobre a adesão terapêutica também são pouco conhecidos. Os medicamentos agonistas de GLP-1 —nova febre no tratamento da obesidade— mostram-se promissores no alívio dessa condição, mas as evidências ainda são insuficientes.

Apesar das incertezas, especialistas parecem concordar que a narrativa de corpos e dietas ideais funciona como uma câmera de eco para o ruído alimentar. É preciso silenciá-la para restabelecer uma relação mais amistosa com a alimentação.


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