É uma editora muito engraçada: não tem exemplares nas livrarias, não lança títulos inéditos e não imprime grandes tiragens na gráfica. Essa poderia ser a receita de um desastre, mas a Casa Matinas, que acaba de abrir, funciona de forma singular.
A carta na manga da nova editora é o "print on demand", ou impressão sob demanda. Significa que, a cada vez que uma venda online acontece, um único exemplar é impresso e enviado ao comprador. Sem estoque, sem encalhes, sem desperdícios.
"São mudanças que estão no ar", afirma Matinas Suzuki Jr., cérebro por trás da Casa Matinas. "Traz economia de produção, de distribuição e de estocagem. São coisas que a economia contemporânea precisa. Porque este é um mundo que precisa eliminar desperdícios."
Suzuki foi por 14 anos o diretor de operações da maior editora do país, a Companhia das Letras, de 2010 até o ano passado. Nos anos 1980 e 1990, exerceu diversos cargos na Folha, entre eles o de editor-executivo.
A Casa Matinas também inova nos títulos que vai lançar. Nenhum será inédito, mas todos já saíram de catálogo. "Já há muitas editoras de qualidade dedicadas ao lançamento de livros e não teríamos capacidade de competir com elas. Além disso, existe muito livro bom fora de catálogo."
Daí o slogan que acompanha o logotipo da Casa Matinas: livros imperecíveis. "E eu queria começar por jornalismo. Primeiro, porque conheço as pessoas. Segundo, eu tinha dirigido a coleção Jornalismo Literário na Companhia das Letras, e foi uma experiência muito gratificante."
Entre as primeiras obras da Casa Matinas está "Cale-se", de Caio Túlio Costa, sobre a morte sob tortura de um estudante da Universidade de São Paulo pela ditadura, em 1973, e a mobilização que a denunciou, culminando no show de Gilberto Gil em pleno campus cantando a censurada "Cálice".
Já "Vietnã do Norte" e "Tempo de Arraes" são reportagens de Antonio Callado, autor do romance "Quarup", escritas para jornais nos anos 1960 e depois reunidas em livro.
Para Suzuki, o "print on demand" também é importante por suas convicções pessoais em relação ao meio ambiente. "É um processo ambientalmente correto, que evita desperdício de papel, tinta e energia e reduz a emissão de carbono na produção e distribuição", diz o texto que acompanha os livros.
A impressão usa tinta à base de água, não à base de óleo, como no tradicional sistema offset. Já o papel é o chamado pólen natural, mais marrom que as opções mais brancas e, por isso, mais verde também.
E não há necessidade de imprimir cadernos de oito em oito páginas, como no offset. Assim, os lançamentos da Casa Matinas não possuem aquelas páginas em branco que sempre estão nos começos e nos finais dos livros.
Outra economia é a falta de orelha e de textos na contracapa, sempre ocupadas por uma pequena foto. "Como não estou em livrarias, eu não preciso desse tipo de texto para convencer o leitor a comprar", afirma.
Com vendas exclusivamente online, a editora envia quinzenalmente uma trabalhada newsletter, escrita pelo próprio Suzuki. Editada por Luiza Nobre, a newsletter explica o contexto das obras lançadas e pode trazer dicas de músicas, de passeios ou de restaurantes que tenham a ver com as histórias narradas.
As capas são minimalistas e todas iguais: fundo bordô com letras em azul claro. "Isso é comum em editoras europeias, que usam um projeto de capa e só vão variando o título e o autor", diz Suzuki.
As fontes usadas são todas brasileiras, sendo que a do logotipo da casa foi feita especialmente pela designer Amanda Piva. Há opções em brochura, que começam em R$ 34,99, e em capa dura, a partir de R$ 54,99.
O próximo livro, "Um Tipógrafo na Colônia", é do jornalista Leão Serva, ex-secretário de Redação da Folha, correspondente da TV Cultura em Londres e ex-colega de Suzuki.
O fato de morar em Londres possibilita a Serva usufruir de outra comodidade do "print on demand". Como a gráfica brasileira Meta Brasil tem parceria com empresas de outros 11 países, Serva pode adquirir um exemplar via Amazon britânica que será impresso em Peterborough, a 140 quilômetros de sua casa. Sem precisar cruzar o Atlântico, a obra chegará a suas mãos com rapidez maior e um custo de frete bem menor.
Funcionando em Cotia, na Grande São Paulo, a Meta Brasil tem duas grandes máquinas que imprimem livros com a tecnologia sob demanda. "Em geral, editora tem muito estoque de uma parte do catálogo, enquanto a outra parte está esgotada, o que chamamos de livros em ruptura. No sistema offset, para reimprimir esse livro de forma economicamente viável, é preciso quantidade, ou seja milhares de exemplares", diz o diretor Anselmo Bortolin.
Com enormes impressoras exclusivas para o sistema "POD", a empresa produz um livro em 24 horas. "Na verdade, fazem até 5.000 páginas por minuto. Só que depois tem que imprimir a capa em outra máquina, colar em uma terceira e cortar em uma quarta. Por isso, 24 horas", afirma Bortolin.
Ele quer tornar essa tecnologia mais conhecida, procurando outras editoras interessadas. O recado é: "Esse livro que você não tem mais disponível para vender fisicamente, mas o leitor quer, você me autoriza a vender, o leitor compra, eu produzo, envio para a casa dele e nós repartimos o valor da venda".
A Meta Brasil chega a produzir mais de mil livros por dia para dezenas de clientes, entre eles a Companhia das Letras e a editora da Universidade de Cambridge —cujos livros em inglês são comprados e impressos aqui, diminuindo drasticamente o preço final.
A tecnologia possibilitou que Suzuki realizasse um antigo desejo de editor. "Eu tinha uma coisa na cabeça: se algum dia eu fizesse uma editora, iria procurar lançar dois livros, que são ‘Cale-se’ e ‘Vietnã do Norte’. Dois livros extraordinários que estavam esquecidos. O do Caio você lê até como um romance policial, dado o suspense. E o Callado foi o único jornalista brasileiro a ir ao Vietnã do Norte durante a guerra. Que legal que deu certo."
Graças ao "sob demanda", agora eles estão em catálogo.
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