terça-feira, 23 de julho de 2024

Em "Ele Está de Volta" o século XXI recebe Hitler de braços abertos, Cinegnose

 


https://cinegnose.blogspot.com/2016/04/em-ele-esta-de-volta-o-seculo-xxi.html

O que aconteceria se Hitler reaparecesse hoje graças a algum estranho fenômeno temporal que o fizesse escapar da morte em seu bunker em 1945? A resposta que o filme “Ele Está de Volta” (Er Ist Wieder Da, 2015), disponível no Netflix, dá é no mínimo preocupante. Combinando ficção e documentário, o desconhecido ator Oliver Masucci fez uma turnê pela Alemanha – em 300 horas de gravação somente duas pessoas reagiram negativamente. A maioria tirava selfies com Hitler e confessavam sua preocupação com estrangeiros e refugiados que, para eles, estariam destruindo a Alemanha. Borrando a fronteira entre ficção e realidade, Hitler é recebido como um comediante que não consegue sair do papel e vira uma celebridade midiática. Mas embora ninguém pareça estar levando a sério, ele prepara planos para finalmente construir o Terceiro Reich através da melhor invenção que veio depois do cinema: para Hitler, a TV.  

Tanto Hitler quanto Mussolini eram obcecados por cinema. Mussolini chegou a interpretar ele mesmo em uma produção hollywoodiana chamada The Eternal City em 1928. Por isso, muitos historiadores afirmam que suas performances histriônicas e dramáticas em suas aparições públicas tinham um quê de Chaplin, Gordo e o Magro e todos os galãs canastrões do cinema mudo. Uma canastrice estudada e autoconsciente.

Por exemplo, para o historiador Michael Stürmer Hitler foi subestimado: ele parecia ser uma caricatura de alguma coisa que existia antes dele. Por isso, não foi levado a sério no início e todos acreditavam que o frisson nazi “iria passar”. Mas todos acabaram se acostumando com ele, com a sua familiaridade fílmica, para tudo terminar em tragédia com uma nação inteira acompanhando um líder canastrão.

No filme Ele Está de Volta, baseado no best-seller homônimo de Timur Vermes, Hitler reaparece magicamente em um conjunto habitacional em Berlim, ao lado do local onde estava o bunker onde ele teria se matado no final da Segunda Guerra Mundial. Depois de um encontro casual com um produtor de TV, os executivos da emissora começam a elaborar um plano para torna-lo uma celebridade midiática.


Todos acreditam que aquele homem é um comediante que não consegue sair do papel, uma caricatura do antigo Hitler, enquanto ele traça planos para utilizar uma nova mídia que descobre ser mais poderosa do que o cinema: a televisão. O objetivo do diretor David Wnendt não era ser historicamente preciso, mas tomar traços conhecidos da personalidade de Hitler e transformá-los em comédia.

Essa é a parte engraçada do filme, a ficção. Ator pouco conhecido, Oliver Masucci, caracterizado como Hitler, fez uma turnê pela Alemanha para rodar o filme se infiltrando em situações banais do cotidiano alemão em praças, supermercados e parques de diversão.

Agora, essa é a parte assustadora: surpreendidos com uma réplica perfeita de Hitler em seu quepe e uniforme, as pessoas desandam a tirar selfies com o “comediante” e a confidenciar para ele a bagunça que está o país com os estrangeiros e a invasão de refugiados. Muitos deitam a falar mal dos políticos e da democracia e clamam por alguém que “faça a coisa certa”.

Lembrando o filme Borat de Sacha Cohen, o filme mistura ficção e realidade, atores com anônimos das ruas, e humor com Hitler numa combinação politicamente incorreta. Cada cena do filme parece provar que a Alemanha de Angela Merkel (“uma mulher robusta com o carisma de uma macarrão molhado”, fala a certa altura o impagável Hitler), da crise econômica do Euro e da austeridade estaria pronta para receber um novo Hitler de braços abertos.

E o que é pior: tal como no século passado, todos o veem como um palhaço inofensivo, como uma caricatura de todos os Hitlers encenados pelo cinema, enquanto o verdadeiro Hitler ressuscitado trama a volta ao poder através da TV, seguindo passo a passo as teses do seu livro Mein Kampf.

E como fala a certa altura do filme, ele tem um “bom material de trabalho pela frente”: uma sociedade totalmente midiotizada e idiotizada. Para ele, a Direita nunca leu seu livro e skinheads não passam de “fracotes”. Hitler vê na TV a única novidade promissora para finalmente construir o Terceiro Reich.


O Filme


Estamos em Berlim de 2014. Hitler acorda em um terreno baldio, envolto em fumaça, sujo, com uma grande dor de cabeça. Olha para o céu e, surpreendido, não vê aviões bombardeiros cruzado o céu e nem ruínas. Tudo está limpo e organizado. Vê crianças com estranhos aparelhos colados nos ouvidos. Confuso, procura informações de como chegar na Chancelaria e lamenta por não contar com sua esposa, seu amigo Himmler e a SS.

Assustada, uma mãe levando seu bebê joga spray de pimenta nos olhos de Hitler que acaba esbarrado numa banca de jornais, olha para as capas de revistas e toma pé da situação: de alguma forma escapou da morte em seu bunker em 1945 e acordou no futuro.

Fabian Sawatski, um aspirante a produtor de TV demitido de uma emissora de televisão chamada MyTV e que vive às custas de dinheiro emprestado pela mãe, descobre o “comediante” perambulando pelas ruas e vê nele a chance de produzir um vídeo que lhe abriria as portas da TV.

Com um furgão emprestado da floricultura da mãe, Fabian roda a Alemanha com seu insólito artista registrando suas interações com as pessoas. Em mais de 300 horas de filmagem, somente duas pessoas reagiram negativamente à presença do Hitler do ator Oliver Masucci. Todos reagem com emoção e diversão – posam para fotos e executam a famosa saudação com o braço levantado para ele.

Uma mulher confessa a Hitler que todos os problemas da Alemanha estão com a chegada de estrangeiros. Outro homem diz que a chegada de imigrantes africanos está rebaixando o QI do alemão em 20%. E em uma cena particularmente preocupante, Hitler facilmente convence um grupo de torcedores de futebol a atacar um ator que fazia comentários anti-alemães. Para o diretor, a produção não esperava que o Hitler de Masucci convencesse tão rapidamente aquele grupo, colocando em risco a vida do ator e obrigando técnicos e câmeras intervirem imediatamente.


Hitler politicamente incorreto


Enquanto isso, Hitler desfila linhas de diálogo de impagável humor politicamente incorreto. Expressa o choque pela existência da Polônia (“Ainda existe! E dentro da Alemanha!) e manifesta sua aversão à democracia moderna, apoiada pelos anônimos que cruzam seu caminho. Para Hitler, o único partido que lhe inspira simpatia é o Partido Verde porque “defender a natureza é defender a Pátria...”. Quanto à Direita, “não leem e são todos uns fracotes”.

Em crise de audiência e vendo os anunciantes debandarem, os executivos da emissora MyTV descobrem o projeto do demitido Fabian. Chamam ele de volta, roubam o seu projeto e simplesmente admitem Fabian como copeiro.

Transformam o “comediante” Hitler em celebridade com um programa onde livremente fala suas lições do Mein Kampf. Suas frases e tiradas se transformam em vídeos no YouTube, memes em redes sociais e links compartilhados. Hitler vira também uma web-celebridade instantânea.

Ninguém sabe ao certo o tom dessa espécie de show de stand up político: é para levar a sério? É uma comédia? O fato é que o discurso de Hitler confirma toda a raiva contida dos alemães contra estrangeiros e refugiados, mas que todos têm medo de falar por causa “dos estigmas do passado”.


“Eu faço parte de todos vocês”


Para o diretor David Wnendt “foi notável a facilidade como pessoais normais expressavam suas opiniões diante de um homem vestido de Hitler. O preocupante é que essas opiniões não partiam de neonazistas, mas de pessoas normais, de classe média”.

A certa altura do filme Hitler sentencia: “Não podem se desfazer de mim, eu faço parte de todos vocês!”. Primeiro pop star da cultura da celebridade produzida pela exposição repetida de personalidades à mídia (Goebbels, ministro da propaganda, dizia que uma mentira martelada diversas vezes se tornaria uma verdade), Hitler teve tantas versões no cinema e na própria política que se o verdadeiro surgisse ninguém o reconheceria como o original.

Essa é a ironia de Ele Está de Volta: a força do Hitler histórico estava no cinema, na forma como ele mesmo era uma alusão à canastrice dramática dos filmes de Hollywood. Da mesma maneira como a força do Hitler interpretado por Oliver Masucci está nas diversas cópias da cópia dos Hitler do cinema e da TV. Uma personalidade tão icônica que todos nas ruas se detinham diante dele e manifestaram espontaneamente os Hitlers presentes dentro de cada um: raiva, ódio mas, principalmente, a busca de alguém que leve a culpa do seu próprio mal estar.

“O povo está calado, mas com raiva. Frustrado com as condições de vida, com em 1930. Mas na época não havia um termo para isso: analfabetismo político”, faz Hitler o diagnóstico da Alemanha atual. E os diversos Hitlers que a História criou e os que ainda serão criados sempre se aproveitarão disso: aos analfabetos, a canastrice da propaganda política.

PSDB diz apoiar Datena e responde: 'Não somos golpistas ou sacanas', diz Perillo, FSP

 

SÃO PAULO

O presidente do PSDB, Marconi Perillo, reagiu à entrevista do apresentador José Luiz Datena, pré-candidato tucano em São Paulo, em que ele lista condições ao partido para continuar com a pré-campanha e se compara a Joe Biden, presidente dos EUA que desistiu de disputar a eleição.

"O Datena sabe que o PSDB não é um partido dirigido por golpistas ou sacanas", disse Perillo à Folha.

"Eu tenho conversado com ele praticamente todos os dias, e ele está ciente de que, da nossa parte, jamais haverá qualquer motivação que o deixe inseguro. Jamais haverá, da parte de quem dirige o partido no país, no estado de São Paulo e na cidade de São Paulo, qualquer possibilidade de sacanagem com ele", completou o dirigente tucano.

Zanone Fraissat - 12.jun.24/Folhapress
José Luiz Datena e Marconi Perillo durante o lançamento de sua pré-candidatura à Prefeitura de São Paulo pelo PSDB - Zanone Fraissat/Folhapress

Perillo afirmou ainda que o PSDB não discute a eventual desistência de Datena, mas sim sua eventual vitória. "O que está em jogo não é desistência, o que está em jogo é a possibilidade grande que ele tem de ganhar e fazer um grande governo na cidade de São Paulo, que é a cidade dele."

"Todas as conversas que temos tido têm sido assertivas, e todo o apoio tem sido dado à pré-candidatura dele por todos nós do partido. Ele tem toda a segurança para poder se candidatar a prefeito, apresentar o plano de governo dele, vencer as eleições e fazer um grande governo", completou Perillo.

Datena, que já se filiou a 11 partidos e desistiu de concorrer quatro vezes, afirmou que precisa de respaldo do partido para confirmar sua candidatura e voltou a dizer que, se houver sacanagem ou confusão, ele sequer irá à convenção marcada para sábado (27).

Dirigentes tucanos procurados pela reportagem, no nível municipal, estadual e nacional, afirmaram manter a expectativa de que ele seja, sim, candidato –apesar das portas de saída elencadas na entrevista. O discurso foi o de que o partido colabora e dá todas as condições para que ele concorra.

Já opositores de Datena dentro do PSDB, que integram a ala que apoia o prefeito Ricardo Nunes (MDB), demonstraram irritação com o apresentador pelas falas acusatórias em relação ao partido e pelo que enxergaram como falta de disposição em reconstruir a legenda.

segunda-feira, 22 de julho de 2024

Muniz Sodré - Política de vexame, FSP

 Ainda circula nas redes a cena em que Bolsonaro entrega a Milei sua medalha de "imorrível, imbrochável e incomível", com um dos filhos tentando traduzir os termos para o espanhol. Pode-se perguntar por que reportar uma baixaria dessas, quando a memória coletiva já está saturada dos episódios repugnantes a cargo de ambos. Mas o ato recente ocorre num quadro de estresse de variáveis essenciais da vida política, levado além do que seria normal chamar de zona crítica, e pelo visto peça de uma estratégia.

A imagem mostra dois homens brancos sorrindo e se cumprimentando calorosamente. Ambos estão vestidos com ternos escuros. O fundo é escuro com uma iluminação azulada.
O ex-presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Argentina, Javier Milei, durante evento em Camboriú (SC), em 7 de julho de 2024 - Evaristo Sá - 7.jul.2024/AFP

Antecedentes: Milei trocou a cúpula do Mercosul pelo festival em Camboriú, numa provocativa violação dos protocolos de Estado. Isso soa irrelevante na Argentina de hoje, onde se normalizou um hiato entre a atividade de uma camarilha de estrategistas políticos e a obsessão presidencial em transformar a economia num laboratório de ciência própria, supostamente para tirar o país da crise. Nada a ver com resgatar da miséria o povo, que nela mergulha cada vez mais, e sim assegurar a continuidade do sistema à hegemônica correlação de forças financeiras.

Nas crises, o ecossistema capitalista admite uma "fascioesfera", um buraco negro da moral, que oscila entre a violência e o grotesco. Daí o cambalacho de dar corda à alucinação protofascista de um presidente com boa ressonância popular, desde que fixado em seu real interesse: a experiência de uma economia neoliberal extremista, vigiada de perto pelo FMI. A principal estrategista política, além de um jovem conselheiro, é sua irmã, mediadora do diálogo com Conan, o cachorro já falecido. Os estrategistas econômicos fingem de cachorro morto.

O problema da armação publicitária é a fadiga do recurso, que transborda da zona crítica da política, inteligível no âmbito de relações diplomáticas, para ofensas pessoais a autoridades de países como Brasil, Bolívia, Colômbia e Espanha. Milei adora xingar. Mas a vinda ao Brasil, além de mostrar que existe uma política do vexame, sinalizou que a exportação da palhaçada já não obtém a repercussão esperada.

O que resta é o vazio da mobilização, pontuado por eventos horripilantes como a entrega da medalha. O vídeo deixa evidente que o argentino apenas fingiu entender o significado da inscrição. A pobreza do espanhol falado teria levado um dos presentes a abaixar as calças e gesticular com o dedo para traduzir "incomível". Uma variante do "golden shower". Mas de nada importa qualquer entendimento racional, porque na fascioesfera o grotesco escatológico afirma-se sozinho. Incompreensível mesmo a olhos públicos é que governadores de estado acolham, pagando, a patuscada, e que uma parcela da população vibre contente.