segunda-feira, 17 de junho de 2024

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA Um Estado forte para uma democracia forte, FSP (definitivo)

 

Luiz Carlos Bresser-Pereira

Professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (1987, governo Sarney), da Administração e da Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (1995-1998 e 1999, governo FHC)

Para as sociedades capitalistas, o paradigma desejável e possível é o de um Estado forte, capaz, para uma democracia igualmente forte. A ideia de um Estado forte parece estar em contradição com uma democracia forte, mas não é isso o que mostra a realidade. A Suíça e a Finlândia são exemplos de países nos quais esse ideal está próximo de ser alcançado, mas esta afirmação requer definir o que é uma democracia forte e um Estado capaz.

O Estado é o sistema constitucional-legal e a organização que o garante, enquanto o Estado-nação é a sociedade político-territorial soberana formada por uma nação, um Estado e um território. Um Estado é capaz quando a Constituição e demais leis do país são cumpridas. Algo que não depende apenas do poder de polícia do Estado, mas também e principalmente da coesão da sociedade em torno do Estado. Em outras palavras, depende de toda a sociedade entender que a lei é necessária para a vida da sociedade, e de que cada cidadão considere seu dever denunciar aqueles que agem contra ela. Ao agir assim, ele não será um "dedo-duro", mas um cidadão que cumpre o seu dever. No plano econômico, é capaz o Estado que tem o poder efetivo de tributar —de aumentar impostos quando isto é necessário para assegurar o equilíbrio fiscal.

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O professor e ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira - Karime Xavier/Folhapress - Karime Xavier/Folhapress

A nação é a forma de sociedade de cada Estado; ela compartilha uma origem, uma história e objetivos comuns, estes explícitos ou implícitos no sistema jurídico. Uma "boa" sociedade é aquela que é relativamente coesa. Nunca é plenamente coesa, porque há a luta de classes e um número infinito de conflitos entre os cidadãos, mas esta luta ou estes conflitos não são radicais, não implicam uma relação de vida ou morte —e, portanto, podem coexistir com uma nação ou uma sociedade civil (outro nome da sociedade de cada Estado) relativamente coesa.

A democracia forte, por sua vez, é a democracia consolidada. É a democracia existente em um país ou Estado-nação que completou sua revolução capitalista —já formou seu Estado-nação e realizou a sua revolução industrial. E, por isso, a nova classe dominante burguesa já não precisa do controle direto do Estado para se apropriar do excedente econômico (ela pode realizá-lo no mercado através do lucro); é o regime político no qual as novas e amplas classe média e classe trabalhadora que nasceram da revolução capitalista preferem a democracia. Na prática, uma democracia forte é aquela que soube resistir às pressões antidemocráticas do neoliberalismo e, depois, do seu bebê maligno —o nacional-populismo de direita.

Embora a democracia seja o melhor regime político para um país que completou sua revolução capitalista, essa mesma democracia enfraquecerá o Estado dos países que ainda não a realizaram. E poderá igualmente enfraquecer os Estados de países de renda média, que já realizaram sua revolução capitalista, como é o caso do Brasil, ao ser essa democracia caracterizada por uma polarização que a torna incapaz de fazer compromissos necessários para realizar as reformas institucionais. O império sabe disso, e usa a democracia para garantir a sua dominação sobre os países da periferia do capitalismo.

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A prioridade dos países de renda média é, portanto, fortalecer o seu Estado, porque assim estarão fortalecendo sua democracia; é tornar sua nação mais coesa; é livrá-la do conflito entre os liberais que se submetem ao império e os que buscam soluções nacionais para os problemas. Não existe um caminho claro para alcançar maior coesão nacional. Porém, o simples fato de as elites sociais —não apenas as econômicas, mas também as políticas, intelectuais e organizacionais— saberem da necessidade dessa maior coesão já é um passo nessa direção.

O Brasil é um "Estado-nação-quase-estagnado" há 44 anos, cresce mais lentamente que os países ricos e mesmo que as demais nações em desenvolvimento —não realiza, portanto, o esperado alcançamento ("catching up"). Precisa, portanto, dramaticamente fortalecer a sua nação e o seu Estado para deixar de ficar para trás —como tem ficado neste quase meio século.

TENDÊNCIAS / DEBATES

Adesão às pesquisas com seres humanos, Eudes Quintino, da APMP

 

 

O homem reflete e se locupleta de energia canalizadora para guiar seus passos, além de carregar um dinamismo persistente que irá girar como um caleidoscópio em cada fase de sua vida.  Recebe influências de várias ordens e decidirá, dentro de um critério de conveniência, qual a opção que adotará para exercer sua vontade livre para perseguir os objetivos traçados em sua vida

A autonomia da vontade da pessoa surge como corolário do principium individuationis e recebe o assentimento da Bioética, que a erigiu como um dos princípios basilares. A corporeidade vem a expressar a realidade singular do homem. É ele proprietário de um patrimônio chamado corpo humano, detentor de seus atos, administrador deste fascinante latifúndio, que vem revestido de uma tutela especial que lhe confere personalidade e o torna sujeito de direitos e obrigações. Ao mesmo tempo em que é um patrimônio individualizado, sofre ingerências a respeito de sua plena utilização.

É interessante observar que a capacidade de consentir estabelecida no Direito Civil pátrio, teve origem no Direito Médico. Miranda, com sua perspicácia doutrinária insuperável, faz ver: “A noção advém do Direito Médico de diferentes países para marcar a linha de limite entre as intervenções médicas praticadas em vista de um ato de autodeterminação do paciente e aquelas praticadas com a assistência ou mediante representação do legalmente responsável pelo paciente. Seu objeto específico é o processo de tomada de decisões sobre os cuidados para com a saúde, globalmente considerados, abrangendo, portanto, não apenas os casos de autorização para participar de pesquisas na área da saúde, mas quaisquer atos de lícita disposição do próprio corpo”.[1]

A Lei 14.874/2024 deixa bem nítido que o participante de pesquisa tem seu acesso condicionado à adesão a ser ofertada por ele ou pelo seu representante legal, sem qualquer remuneração, a não ser o ressarcimento pelas despesas de transporte e alimentação de ambos, mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Exige-se que tal documento seja escrito em linguagem de fácil compreensão, mais próximo do falar leigo e não do profissional, livre de vícios, subordinação ou intimidação, após esclarecimento completo e pormenorizado sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, tanto os atuais como os potenciais, individuais e coletivos, para que não paire qualquer dúvida a respeito da proposta do estudo, principalmente daqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade e que merecem tutela diferenciada, na pessoa de seu representante legal.

Sem olvidar ainda que o colaborador é detentor do direito de fazer as perguntas que julgar convenientes, além do que, juntamente com seu representante legal, poderá retirar seu consentimento a qualquer tempo, independentemente de justificativa, sem que sobre ele recaia qualquer ônus ou prejuízo. Ademais, durante o transcorrer da pesquisa, será garantido o anonimato, assim como o sigilo das informações, em razão da privacidade ser considerada de foro íntimo pelo legislador.

Tamanha a importância do termo de adesão que, se o participante de pesquisa ou o seu representante legal seja incapaz de ler, será convocada uma testemunha imparcial, que acompanhará todo o ato da leitura e de eventuais esclarecimentos do TCLE e, após o consentimento verbal do participante ou de seu responsável, irá datar, escrever seu nome de forma legível e assinar o termo legal.

Referido documento traça o diferencial entre a relação médico-paciente e a relação que se estabelece entre os participantes de pesquisas.

No primeiro caso trata-se de uma relação linear, oportunidade em que ambos irão discutir a respeito de uma situação clínica envolvendo um procedimento cirúrgico ou terapêutico, que só será realizado com a parceria entre ambos. Neste caso tem lugar o Termo de Consentimento Informado.

No segundo, ao contrário, há uma participação triangular, assim disposta: a) o responsável pela condução do estudo da instituição ou do centro de pesquisa; b) o participante da pesquisa que, por sua própria manifestação ou pela adesão de seu representante legal, concorda voluntariamente com o estudo para o qual está sendo recrutado; c) instância de análise ética em pesquisa, representada pelos Comitês de Ética em Pesquisa, com a finalidade de garantir a segurança e o bem estar do participante.

 

Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de justiça aposentado, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, advogado, sócio fundador do escritório Eudes Quintino Sociedade de Advogados.



[1] Miranda, Pontes. Tratado de Direito Privado. Introdução: pessoas físicas e jurídicas, atualizado por Judith Martins-Costa... [et al.] Editora Revista dos Tribunais, 2012 (coleção tratado de direito privado: parte geral; 1) p.251.