segunda-feira, 17 de junho de 2024

Adesão às pesquisas com seres humanos, Eudes Quintino, da APMP

 

 

O homem reflete e se locupleta de energia canalizadora para guiar seus passos, além de carregar um dinamismo persistente que irá girar como um caleidoscópio em cada fase de sua vida.  Recebe influências de várias ordens e decidirá, dentro de um critério de conveniência, qual a opção que adotará para exercer sua vontade livre para perseguir os objetivos traçados em sua vida

A autonomia da vontade da pessoa surge como corolário do principium individuationis e recebe o assentimento da Bioética, que a erigiu como um dos princípios basilares. A corporeidade vem a expressar a realidade singular do homem. É ele proprietário de um patrimônio chamado corpo humano, detentor de seus atos, administrador deste fascinante latifúndio, que vem revestido de uma tutela especial que lhe confere personalidade e o torna sujeito de direitos e obrigações. Ao mesmo tempo em que é um patrimônio individualizado, sofre ingerências a respeito de sua plena utilização.

É interessante observar que a capacidade de consentir estabelecida no Direito Civil pátrio, teve origem no Direito Médico. Miranda, com sua perspicácia doutrinária insuperável, faz ver: “A noção advém do Direito Médico de diferentes países para marcar a linha de limite entre as intervenções médicas praticadas em vista de um ato de autodeterminação do paciente e aquelas praticadas com a assistência ou mediante representação do legalmente responsável pelo paciente. Seu objeto específico é o processo de tomada de decisões sobre os cuidados para com a saúde, globalmente considerados, abrangendo, portanto, não apenas os casos de autorização para participar de pesquisas na área da saúde, mas quaisquer atos de lícita disposição do próprio corpo”.[1]

A Lei 14.874/2024 deixa bem nítido que o participante de pesquisa tem seu acesso condicionado à adesão a ser ofertada por ele ou pelo seu representante legal, sem qualquer remuneração, a não ser o ressarcimento pelas despesas de transporte e alimentação de ambos, mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Exige-se que tal documento seja escrito em linguagem de fácil compreensão, mais próximo do falar leigo e não do profissional, livre de vícios, subordinação ou intimidação, após esclarecimento completo e pormenorizado sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, tanto os atuais como os potenciais, individuais e coletivos, para que não paire qualquer dúvida a respeito da proposta do estudo, principalmente daqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade e que merecem tutela diferenciada, na pessoa de seu representante legal.

Sem olvidar ainda que o colaborador é detentor do direito de fazer as perguntas que julgar convenientes, além do que, juntamente com seu representante legal, poderá retirar seu consentimento a qualquer tempo, independentemente de justificativa, sem que sobre ele recaia qualquer ônus ou prejuízo. Ademais, durante o transcorrer da pesquisa, será garantido o anonimato, assim como o sigilo das informações, em razão da privacidade ser considerada de foro íntimo pelo legislador.

Tamanha a importância do termo de adesão que, se o participante de pesquisa ou o seu representante legal seja incapaz de ler, será convocada uma testemunha imparcial, que acompanhará todo o ato da leitura e de eventuais esclarecimentos do TCLE e, após o consentimento verbal do participante ou de seu responsável, irá datar, escrever seu nome de forma legível e assinar o termo legal.

Referido documento traça o diferencial entre a relação médico-paciente e a relação que se estabelece entre os participantes de pesquisas.

No primeiro caso trata-se de uma relação linear, oportunidade em que ambos irão discutir a respeito de uma situação clínica envolvendo um procedimento cirúrgico ou terapêutico, que só será realizado com a parceria entre ambos. Neste caso tem lugar o Termo de Consentimento Informado.

No segundo, ao contrário, há uma participação triangular, assim disposta: a) o responsável pela condução do estudo da instituição ou do centro de pesquisa; b) o participante da pesquisa que, por sua própria manifestação ou pela adesão de seu representante legal, concorda voluntariamente com o estudo para o qual está sendo recrutado; c) instância de análise ética em pesquisa, representada pelos Comitês de Ética em Pesquisa, com a finalidade de garantir a segurança e o bem estar do participante.

 

Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de justiça aposentado, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, advogado, sócio fundador do escritório Eudes Quintino Sociedade de Advogados.



[1] Miranda, Pontes. Tratado de Direito Privado. Introdução: pessoas físicas e jurídicas, atualizado por Judith Martins-Costa... [et al.] Editora Revista dos Tribunais, 2012 (coleção tratado de direito privado: parte geral; 1) p.251.

Nenhum comentário: