quarta-feira, 8 de novembro de 2023

95% dos frigoríficos na Amazônia não controlam origem da carne, diz Radar Verde, FSP

 Ana Carolina Amaral

SÃO PAULO

É possível comprar carne bovina no mercado sem risco de alimentar o desmatamento da Amazônia? A resposta é ‘não’ para 92% dos maiores mercados varejistas do país e para 95% dos frigoríficos da Amazônia Legal.

Eles demonstraram grau de controle muito baixo sobre suas cadeias, segundo uma avaliação de transparência pública publicada nesta quarta-feira (8) pelo Radar Verde, iniciativa dos institutos Imazon e O Mundo Que Queremos, a partir dos dados disponibilizados pelas empresas suas páginas na internet.

Gado pasta no Parque Nacional da Serra do Pardo, em São Félix do Xingu (PA) - Rogério Cassimiro/Folhapress

O levantamento identificou 132 frigoríficos com plantas na Amazônia e 69 varejistas potenciais compradores de carne bovina da região - 50 deles correspondem às maiores redes do Brasil, enquanto os outros 19 são os maiores supermercados da Amazônia Legal.

Dos 69 mercados avaliados, 47 disponibilizam informações públicas e apenas três - Assaí, Carrefour e Grupo Pão de Açúcar (GPA) - realizam auditoria de seus fornecedores diretos, usando critérios socioambientais. Assaí e Carrefour foram classificados como grau de controle baixo. O GPA foi o único que demonstrou grau de controle intermediário da cadeia.

Já entre os frigoríficos, apenas 38 publicam informações. Nenhum deles monitora os fornecedores indiretos.

Com controle dos fornecedores diretos, 7% das empresas do setor foram classificadas como ‘grau de controle baixo’ da cadeia. São elas: Rio Maria, JBS S/A, Masterboi, Minerva, Frigol, Mafrinorte, Fribev, Mercurio, Fortefrigo e Frigorífico Altamira. Apenas a Marfrig demonstrou grau de controle intermediário.

O Radar Verde também mediu o risco de desmatamento associado aos frigoríficos, cruzando os dados de regiões com altas taxas de desmatamento recente e a localização das fazendas fornecedoras.

Uma das maiores empresas de alimentos do mundo, a JBS se relaciona com a maior área com risco de desmatamento da Amazônia: 9,6 milhões de hectares. Em seguida, o maior risco é da Masterboi, com 3,5 milhões de hectares comprometidos. Mercúrio, Minerva, Marfrig, Fribev e Mafrinorte também aparecem entre os frigoríficos com maior exposição a risco de desmatamento.

O Radar Verde também enviou questionários às empresas sobre suas políticas, mas apenas três varejistas responderam (Assaí, Carrefour e GPA) e nenhum deles autorizou a publicação das respostas. Já entre os 132 frigoríficos, nenhum respondeu.

Em nota ao blog, o frigorífico Minerva afirmou que avança na rastreabilidade de fornecedores indiretos através da ferramenta Visipec e também fornece a produtores rurais um aplicativo de análise de fornecedores e mapeamento de risco para as compras de gado. As outras empresas citadas também foram questionadas por email e as eventuais respostas serão publicadas nesta página.


STF rejeita exigência de separação judicial para divórcio, FSP

 José Marques

BRASÍLIA

STF (Supremo Tribunal Federal) rejeitou nesta quarta-feira (8) a necessidade de separação prévia, judicial ou de fato, para o divórcio de casais.

O tribunal entendeu que é válida uma alteração na Constituição feita pelo Congresso em 2010, que retirou a exigência da separação para que um casal se divorciasse.

Votaram contra essa prévia necessidade o relator, ministro Luiz Fux, e os ministros Cristiano ZaninAndré MendonçaKassio Nunes MarquesAlexandre de MoraesEdson Fachin, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso.

Fachada do Supremo Tribunal Federal, em Brasília
Fachada do Supremo Tribunal Federal, em Brasília - Antonio Molina - 20.abr.2022/Folhapress

Houve divergência entre parte dos ministros, no entanto, sobre outra questão. Mendonça, Kassio e Moraes entendem que, apesar de não ser uma exigência para o divórcio, a separação judicial não deixa de ser uma possibilidade válida.

Os demais ministros votaram por invalidar as normas sobre a separação judicial, seguindo o voto de Fux.

Ao se separar judicialmente, os ex-cônjuges não podiam se casar com outra pessoa, a não ser que se divorciassem. Eles também podiam retomar o matrimônio com a mesma pessoa, sem precisar se casar novamente com ela.

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Ao ler o seu voto, o ministro Luiz Fux defendeu que a regra aprovada no Congresso em 2010 não precisava de regulamentação para ter efetividade e que a alteração na Constituição buscou simplificar o rompimento do vínculo com a eliminação de condicionantes.

Fux disse, ao votar, que "casar é direito e não dever, o que inclui manter-se ou não casado".

Já Fachin, ao votar, disse que casar "é um ato de liberdade, é uma escolha, é um ato que constitui uma comunhão de vida."

"Manter-se casado também há de ser um ato de liberdade", afirmou o ministro. "Esse exercício de comunhão de vida é que dá sentido maior à noção de família, que é a noção de afeto que sustenta a comunhão de vida."

Antes da mudança, a previsão da Constituição era de que um divórcio só podia ser efetuado após uma separação judicial de ao menos um ano ou a comprovação de uma separação de fato por mais de dois anos.

O caso que chegou ao Supremo e serviu de parâmetro para o julgamento do tribunal é um recurso a uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que manteve um divórcio sem a separação prévia do casal.

O TJ-RJ argumentava que após a alteração na Constituição de 2010, basta a manifestação da vontade de romper o vínculo conjugal.

Um dos cônjuges alegava no recurso ao Supremo que a alteração na constituição não afasta as regras do Código Civil, que prevê a separação judicial.

'Por que a guerra?', perguntou Einstein a Freud em 1932, FSP

 Quando o grupo Judias e Judeus pela Democracia São Paulo, que conta com Raquel Rolnik, Lia Vainer Schucman e Fabio Tofic Simantob, afirma, na coluna de Mônica Bergamo, desta Folha, "Defendemos veementemente o direito de palestinos e israelenses a terem um território onde possam viver em paz, de forma soberana e sob regimes verdadeiramente democráticos. Nos posicionamos pelo fim das ocupações e dos assentamentos. Repudiamos fundamentalismos, teocracias, regimes autoritários e de terror", me identifico com suas posições.

Esse posicionamento me lembra Ubuntu, um conceito da tradição oral dos povos bantus usado para resolver disputas e conflitos no continente africano e central à ideia de reconciliação. Desde a década de 1990, esse conceito vem sendo acionado pelos sul-africanos no resgate da humanização diante da política de apartheid.

Soldados israelenses em área destruída no norte da Faixa de Gaza - Ronen Zvulun/Reuters

Ubuntu enfoca uma conexão histórica entre o passado de uma sociedade cindida por conflitos, sofrimento incalculável e injustiça, mirando um futuro que se assenta no reconhecimento dos direitos humanos, da democracia e na convivência pacífica e oportunidades de desenvolvimento para todos os sul-africanos, como destacou Desmond Tutu, Premio Nobel da Paz.

Ubuntu, na África do Sul, focalizou justiça restaurativa, comunitarismo, reconciliação, perdão, solidariedade e diversidade, frente ao apartheid.

Assim, a Comissão da Verdade e da Reconciliação da África do Sul, de 1994, criada pelo novo governo sul-africano, destacava não só a urgência de romper o silenciamento de verdades como promover a reconciliação. Investigava a violação de direitos humanos e criava espaços para reparações para as vítimas do apharteid. Essa comissão teve muitas limitações, mas permitiu à África do Sul promover o espirito de reconciliação e uma transição de saída do apharteid.

A perspectiva Ubuntu enfrenta muitos desafios não só na África mas também em outras partes do mundo. Diante do violento ataque terrorista do Hamas sobre Israel, que provocou 1.400 mortes de israelitas e que se desdobrou numa guerra que já ceifou 11 mil vidas palestinas, há que se pensar no movimento de extrema violência protagonizado por aqueles que só veem a guerra e a morte como solução para os conflitos.

"Por que a guerra?", perguntou Albert Einstein, em 1932, a Freud. É possível controlar a evolução da mente do homem de modo a torná-lo à prova das psicoses do ódio e da destrutividade? Existe alguma forma de livrar a humanidade da ameaça de guerra? Essas perguntas fazem parte do texto sobre o "Diálogo entre Einstein e Freud", escrito por Deisy Ventura e Ricardo Seitenfus e publicado pela Fadisma (Faculdade de Direito de Santa Maria) em 2005.

Da longa resposta de Freud, muito marcada por um pessimismo sobre a natureza humana, destaco um trecho mais otimista, no qual a perspectiva freudiana dialoga com o que entendo por Ubuntu: a guerra encontra-se no território do instinto destrutivo, de morte, e contrapõe-se a ele o seu antagonista, o Eros, o instinto da vida. Tudo o que favorece o fortalecimento dos vínculos emocionais entre os humanos deve atuar contra a guerra.

O segundo vínculo emocional é a identificação. Tudo o que leva os humanos a compartilhar seus interesses pode produzir essa comunhão de sentimento, essas identificações.

É nesse sentido que finalizo essa coluna me juntando ao grupo de Judias e Judeus pela Democracia São Paulo, aspirando a que os bilhões disponibilizados para solucionar o sangrento conflito, em mísseis, submarinos e armas de guerra, possam ser investidos em soluções para o cessar-fogo e a retomada do diálogo. Num movimento de Sankofa, em que o passado não é esquecido, mas retomado para orientar a restauração da justiça e a recuperação do que pode auxiliar na construção de um futuro de reconciliação, reparação e preservação da vida de palestinos e israelenses.