terça-feira, 7 de novembro de 2023

Privatização da Enel é modelo para a Sabesp?, MAria Inês Dolci FSP


Uma das consequências da tempestade que deixou milhões de paulistas sem energia elétrica e abastecimento de água foi derrubar o mito de que companhias privadas são sempre mais competentes do que estatais. Se fosse assim, milhares de pessoas não estariam sem energia elétrica quatro dias depois das fortes chuvas e dos ventos que tiveram rajadas de 103 km/h em Congonhas, mas que, na maioria das estações do CGE (Centro de Gerenciamento de Emergências Climáticas), ficaram abaixo de 50 km/h.

Como observou o jornalista Reinaldo Azevedo, a italiana Enel, que arrematou a Eletropaulo em 2018, tem controle estatal. É privada aqui, e estatal na sua sede.

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Árvore caída e fiação elétrica rompida no bairro do Paraíso, em São Paulo - Rubens Cavallari/Folhapress

O Procon-SP notificou as empresas distribuidoras de energia elétrica e operadoras de telefonia que atuam em todo o estado para que expliquem detalhadamente os problemas e as providências que estão sendo tomadas face à interrupção dos serviços desde a sexta-feira (3), especialmente na capital e região metropolitana, além da Baixada Santista.

A Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) cobrou explicações da Enel sobre a falta de energia. Também a notificou a informar o período para regularização do serviço; canais de atendimento ao consumidor; ampliação desses canais no período de maior demanda; planejamento para enfrentar a situação, minimizar danos e ressarcir o consumidor; plano de contingência diante de eventos climáticos extremos com detalhamento claro das ameaças; resposta imediata ao problema, os prazos de conclusão, bem como recursos e pessoal envolvido com a solução do problema e cronograma de atendimento imediato e em médio prazo.

Em nota oficial, a Senacon também informou ter tomado outras providências, como solicitar informações da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica); criação de um canal de denúncias; coordenação integrada com o Procon-SP para monitoramento dos efeitos e do reparo dos danos e orientações ao consumidor.

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A principal questão é o plano de contingência diante de eventos climáticos extremos, porque é mais do que provável, infelizmente, que se repetirão ao longo dos próximos anos. Muito pouco foi feito para evitar que o aquecimento global seja ainda mais intenso do que já é.

Há medidas que não dependem da Enel. Por exemplo, a poda das árvores em todas as capitais e cidades de médio porte do país; a substituição gradativa de asfalto comum por ecológico ou outro tipo de calçamento; a melhoria do transporte público (com uso de energia elétrica ou de combustíveis menos poluentes), reduzindo consequentemente a circulação de veículos particulares e a poluição ambiental.

Multiplicar a altura dos prédios, como tem ocorrido em São Paulo, vai no sentido contrário das boas práticas ambientais.

Enel e as outras concessionárias que atuam no Brasil, deveriam ser cobradas para ter, além de planos de contingência, equipes mais numerosas para enfrentar tempestades com excesso de chuva, granizo e ventos fortes. E teriam de começar já a implantar a rede elétrica subterrânea em todas as cidades. Não será fácil, pois exigirá grande e cara intervenção urbana. Mas, sem tal investimento, as cidades sofrerão cada vez mais com temporais.

Segundo afirmou nesta terça-feira (7) o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, o custo para essa obra, apenas na região central da capital paulista, seria de R$ 20 bilhões. Ele pretende criar uma contribuição de melhoria para enterrar os fios, complementando os R$ 200 milhões que há no fundo de iluminação. A taxa não seria obrigatória —moradores que decidissem, coletivamente, em favor do aterramento dos fios em um quarteirão, pagariam parte da taxa, e a prefeitura outra.

Todos e todas nós, de alguma forma, teremos de participar de um grande esforço para não piorar a situação climática. Por exemplo, com o consumo consciente de água e de energia elétrica, sem desperdiçar alimentos e separando o lixo reciclável.

De volta à privatização da Sabesp: será que há tanta urgência assim em vendê-la à iniciativa privada? Qual o compromisso de um eventual comprador com planos de contingência eficazes para situações como a que São Paulo enfrentou na semana passada? 

Enterramento de fios em SP tem alto custo, esbarra em caos urbano e não é infalível contra apagão, FSP

 Clayton Castelani

SÃO PAULO

Atrasadas em três anos em relação à promessa inicial da Prefeitura de São Paulo, as obras de enterramento dos fios elétricos da capital esbarraram no alto custo e no mapeamento incorreto do subsolo paulistano nas últimas três gestões municipais.

Em meio à cobrança por rapidez nas reformas, após a tempestade que afetou o fornecimento de energia em 4,2 milhões domicílios em todo o estado, a experiência prática mostra que o enterramento não é uma solução infalível contra os blecautes.

Imagem mostra postes de iluminação pública, sem fios, e reflexos dos faróis de carros na avenida
Na praça do Monumento, a fiação elétrica é subterrânea, ainda assim, estabelecimentos e residências no entorno ficaram dois dias sem energia - Eduardo Knapp/Folhapress

A cidade tem a meta de aterrar os fios num total de 80,4 quilômetros de vias da cidade, segundo a TelComp (associação de companhias de telecomunicação), que é uma das entidades que coordena o programa São Paulo Sem Fios. O custo total do projeto, que cobre menos de 1% das vias da capital, é estimado em R$ 310 milhões.

Cerca de metade desse total, ou aproximadamente R$ 160 milhões, já foram gastos no programa, segundo a associação. Segundo a prefeitura, foram enterrados fios em pouco mais de 38 quilômetros —em outros quatro quilômetros, há obras em andamento.

O tempo reduzido de obras permitido pela gestão municipal (normalmente, o serviço só pode ser realizado das 21h às 5h para não atrapalhar o trânsito), a falta de informações atualizadas sobre o que já está no subsolo, acidentes causados pelo mapeamento mal feito e até interrupções causadas pela reclamação de moradores são citados como justificativa para o ritmo lento das obras.

Caixa de inspeção de fiação na avenida Nazaré, no bairro Ipiranga, onde há fios enterrados; região também sofree com falta de energia elétrica - Eduardo Knapp/Folhapress

"A gente não tem o mapeamento correto porque foi ele implantada na década de 1980, e onde tinha uma curva, por exemplo, já não tem mais, surgiu uma árvore. As obras são feitas quase que artesanalmente, com pessoas quebrando a picareta e abrindo a vala na mão", diz o presidente da TelComp, Luiz Henrique Barbosa da Silva.

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Embora seja uma prevenção contra a queda de árvores na fiação elétrica —principal motivo dos apagões no feriado—, o enterramento não é garantia do fim dos apagões.

Um exemplo é a região no entorno do Museu do Ipiranga, na zona sul da capital paulista, na qual parte da fiação está embaixo da terra.

Na avenida Nazaré, onde o cabeamento elétrico está abaixo do canteiro central, comerciantes ficaram sem luz das 16h30 de sexta (3) até o início da madrugada de domingo (5). "Perdemos R$ 20 mil só de mercadorias, entre sorvete e picanha foi tudo", conta o gerente de restaurante Valacir da Silva, 58. "Liguei para 20 empresas de geradores, mas já estavam todos alugados."

No hotel em frente ao parque da Independência, clientes cancelaram reservas, deixando prejuízo de R$ 10 mil, segundo o gerente João Carlos Chicarelli, 58. "Os fios são enterrados aqui, mas faltou luz do mesmo jeito."

Arborizado, o bairro teve diversas das suas árvores arrancadas pelo vendaval. Nas vias no entorno da Nazaré, cuja fiação é aérea, o apagão durou até as 11h desta terça (7).

Na rua Padre Marchetti, um hospital municipal ficou sem energia até poucas horas antes da visita da reportagem nesta terça, contaram funcionários. Geradores mantiveram os serviços essenciais.

No mesmo endereço, Divino Rocha, 66, levou a mercadoria para o bar do irmão, que tinha luz e fica perto. "Era ruim quando era a Eletropaulo, mas piorou com a Enel", reclama, sobre a atual empresa responsável pela distribuição de energia na cidade.

Na rua Arcipreste Ezequias, faltou luz por dois dias. Também fará falta o ipê branco que o vento derrubou em frente à casa do aposentado José Augusto Alves Valentino, 67. Ele faz questão de mostrar a foto da árvore florida, contrastando com tronco e galhos mortos deixados em frente a sua casa. "Dá muita tristeza ver uma árvore dessa no chão", lamenta.

Homem mostra uma fotografia em frete a uma árvore caída, com algumas casas atrás dele
Em frente de casa, José Augusto Valentino, 67, mostra foto do ipê branco florido, de cerca de 15 anos, no Ipiranga, na zona sul de São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

A eficácia do enterramento dos fios depende da qualidade das obras e, mesmo assim, eles estão sujeitos a intempéries como alagamentos e ao vandalismo. "Numa situação de enchente, chuva, há implicações no subterrâneo. Pode dar um monte de problemas, tem suas restrições. Ele [o fio subterrâneo] é muito mais caro, é uma solução de longo prazo para o problema aéreo, mas não é que todos os problemas estarão resolvidos", ressalta Barbosa da Silva, da TelComp.

As obras do enterramento são bancadas pelas empresas que utilizam os fios, como a concessionária de distribuição de energia, Enel, e os serviços de telefonia. É um custo operacional, e está previsto na cobrança das tarifas de assinatura de internet e na conta de luz, por exemplo.

A meta de enterrar 65 quilômetros de fios em cerca de dois anos foi estipulada no primeiro da gestão João Doria (sem partido) na prefeitura. A meta foi considerada irreal pelas empresas do setor, segundo Barbosa da Silva.

O plano ganhou cerca de 15 quilômetros a mais nos últimos anos. Prefeitura e TelComp não dizem em quanto tempo devem entregar essa promessa.

Como mostrou a Folhaparte dos fios instalados nos postes é de origem clandestina. A Enel diz que cerca de dez toneladas de cabos irregulares foram retirados de postes em sua área de operação de janeiro a agosto deste ano. Além dessas instalações proibidas, há fiações abandonadas por operadoras regulares, que muitas vezes instalam equipamento novo sem recolher o antigo, se misturam aos emaranhados.

Questionada por email sobre os problemas na avenida Nazaré, a Prefeitura de São Paulo, por meio da SPTrans, confirmou que a fiação está devidamente enterrada na avenida Nazaré e, quanto aos fios nos postes nas laterais da, eles estão no local porque são da rede aérea de trólebus.

Já Subprefeitura Ipiranga informou que a caixa de fiação citada não foi identificada no endereço e trechos mencionados, após vistoria das equipes. "Embora o caso seja de responsabilidade da concessionária Enel, a subprefeitura se responsabiliza em retirar o lixo e irá abrir um chamado para a reposição da tampa", disse, em nota.

A Enel São Paulo informou que já concluiu 100% da meta de enterramento da rede elétrica prevista no projeto SP sem fios, da prefeitura.

"O projeto prevê o enterramento total de 65,2 km de redes, sendo 52 km no centro, 9 km na região do Mercado Municipal e 4,2 km na Vila Olímpia. Em alguns locais, ainda há postes porque é necessário que as empresas de telecomunicações e a prefeitura façam a remoção de suas redes, assim como as do sistema de iluminação pública e fiações de semáforo. Só após esta etapa, a Enel SP pode fazer a remoção dos postes", diz a concessionária, em nota.