quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Centrão coloca parentes e apadrinhados sem experiência na Telebras com salários de até R$ 40 mil, OESP

 


Por Julia Affonso e Vinícius Valfré

08/11/2023 | 09h30

Atualização: 08/11/2023 | 10h47

8 min

de leitura

BRASÍLIA - O Centrão ampliou o cerco à Telebras no momento em que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pretende investir R$ 6,6 bilhões para levar internet a escolas públicas. A estatal integra o comitê que vai definir como os recursos serão aplicados. Nos últimos meses, expoentes do grupo político que integra o governo petista têm indicado aliados para cargos-chave em diferentes níveis da companhia, por intermédio do senador Davi Alcolumbre (União-AP). Procurada, a Telebras diz que os indicados têm experiência.


No final de outubro, o Conselho de Administração da Telebras aprovou o nome do policial civil do Tocantins Wallyson Lemos dos Reis Oliveira para o cargo de diretor de Governança. No currículo, ele informa ter feito um curso online na área de telecomunicações com carga horária de 30 horas. O agente foi apadrinhado pela senadora professora Dorinha Seabra (União-TO), que o apresentou ao ministro das Comunicações, Juscelino Filho, também uma indicação do União Brasil.


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A Lei das Estatais prevê, em seu artigo 17, que integrantes de Conselho de Administração das empresas públicas e indicados para os cargos de diretor “serão escolhidos entre cidadãos de reputação ilibada e de notório conhecimento”. O nome de Wallyson Oliveira foi aprovado por maioria de votos - e não por unanimidade - no Comitê de Pessoas, Elegibilidade, Sucessão e Remuneração da Telebras. A ata da 129ª reunião do colegiado registrou que o presidente do comitê, Lauro Arcângelo Zanol, apontou que o policial não cumpria requisitos para ocupar a vaga, como possuir notório conhecimento compatível com o cargo para o qual foi indicado.


No centro da foto: O senador Davi Alcolumbre (União-AP) apadrinhou a ida de Juscelino Filho para o comando do Ministério das Comunicações. Foto: Weslley Galzo/Estadão

No centro da foto: O senador Davi Alcolumbre (União-AP) apadrinhou a ida de Juscelino Filho para o comando do Ministério das Comunicações. Foto: Weslley Galzo/Estadão 

Ao Estadão, a Telebras citou que o policial “foi responsável pela instalação da loja da Oi Brasil em Imperatriz (MA), e se tornou gerente de vendas da referida filial” como prova de sua experiência no setor. “Está iniciando o curso de Governança Corporativa em Empresas Estatais no Instituto Brasileiro de Governança Corporativa.” O curso de governança citado pela estatal é oferecido de forma online e custa R$ 3,5 mil. As videoaulas são gravadas e liberadas aos alunos, que podem assisti-las a qualquer momento.


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Com orçamento de R$ 865 milhões, a Telebras é vinculada ao Ministério das Comunicações. O comando foi compartilhado por dois grupos políticos: o do União Brasil e o do Progressistas, do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Como mostrou o Estadão, integrantes da equipe que trabalhou com o ex-ministro Fábio Faria (PP-RN) foram mantidos por Juscelino Filho durante o Governo Lula em duas secretarias da pasta.


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O União Brasil, de Alcolumbre, emplacou Juscelino Filho como ministro, a secretária-executiva da pasta, Sônia Faustino Mendes, e ficou também com o controle da Telebras. O senador indicou ao menos 9 nomes na estatal, incluindo a diretora administrativo-financeira, Tatiana Rúbia Melo Miranda. Também foram abrigados na companhia o advogado do Amapá George Arnaud Tork Façanha, como gerente de compras e contratos, e a ex-deputada e aliada de Alcolumbre, Marcivânia Flexa (PCdoB-AP), como assessora da Presidência.


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O partido ainda apadrinhou a contratação e a ascensão do sobrinho do ministro do Turismo, Celso Sabino (União-PA), na estatal. Sem experiência na área e apenas com um mandato de vereador de Belém, Celso Sabino Sobrinho foi promovido na companhia, em outubro, recebeu um expressivo aumento salarial e passou a gerenciar toda a área comercial da empresa na Região Norte. O salário dele pulou de R$ 16 mil para R$ 27 mil em seis meses.


Já o ouvidor da Telebras, João Evangelista Guedes Filho, foi secretário parlamentar entre 2007 e 2009 do então deputado Efraim Filho (União-PB) - hoje senador.


Setor de conectividade concentra bilhões de reais

O setor da conectividade, cobiçado pelo Centrão, concentra bilhões para investimentos, principalmente os provenientes do Leilão do 5G e do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust). A verba será usada pela Estratégia Nacional de Escolas Conectadas (Enec), criada pelo governo Lula em setembro. O recurso já está em caixa e independente de verba do orçamento público, o que tem provocado interesse de lideranças políticas do grupo.


A Telebras é um dos órgãos que compõem o comitê executivo da Enec. Caberá ao colegiado operacionalizar a destinação dos R$ 6,6 bilhões que o governo conta para providenciar internet para escolas públicas. Uma das responsabilidades será definir critérios de contratação e manutenção do serviço.


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Hoje, a estatal já é responsável por levar internet a diversos pontos do País e, atualmente, administra o programa Governo Eletrônico - Serviço de Atendimento ao Cidadão (Gesac), do governo federal, que oferece conexão a mais de 17 mil unidades de ensino do País. O programa está em vias de mudança de contrato.


As trocas recentes na estatal chegaram até a cúpula da empresa. O presidente da Telebras, Frederico de Siqueira Filho, empregou um primo de sua mulher como seu chefe de gabinete na estatal. O advogado Romualdo Braga Rolim Neto foi admitido em julho e, pela função, recebe um salário de R$ 26 mil.


O presidente da Telebras, Frederico de Siqueira Filho (à esquerda), tomou posse na estatal em maio. Cerimônia teve a presença do ministro das comunicações, Juscelino Filho, e do secretário de Telecomunicações,  Maximiliano Martinhão.

O presidente da Telebras, Frederico de Siqueira Filho (à esquerda), tomou posse na estatal em maio. Cerimônia teve a presença do ministro das comunicações, Juscelino Filho, e do secretário de Telecomunicações, Maximiliano Martinhão. Foto: WILTON JUNIOR

A companhia afirmou ao Estadão que “a chefia de gabinete é um cargo de natureza especial e de estrita confiança do presidente de qualquer órgão, entidade, autarquia ou empresa no governo, assim como ocorre na iniciativa privada”. Segundo a Telebras, o advogado “foi contratado para o cargo por ser um profissional da restrita confiança do presidente da empresa, possuir experiência jurídico-administrativa adequada e pleno atendimento aos requisitos inerentes ao cargo”. (Leia mais abaixo)


Quem é o novo diretor de Governança da Telebras

Wallyson Oliveira entrou na estatal, na semana passada, para substituir o atual diretor de Governança, Luiz Fernando Ferreira Silva, que havia sido admitido na função em maio. A princípio, o policial vai atuar até abril do ano que vem em “complementação de mandato” de Ferreira da Silva. O salário será de R$ 40 mil.


O novo diretor de Governança da Telebras fez, ao todo, três cursos em um site online que oferece aulas de forma gratuita. O portal cobra R$ 37,90 para o estudante obter um certificado digital de conclusão das atividades. Há cursos sobre os mais variados temas. Wallyson Oliveira registrou no currículo ter feito outros dois, além aulas sobre Telecomunicações: Administração Pública e Administração Pública Direita e Indireta - este com carga de 10 horas.


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A empresa que oferece as aulas afirma que os certificados emitidos após a conclusão dos estudos são válidos como um documento “técnico profissionalizante ou de graduação ou de pós-graduação e não dá direito de assumir responsabilidades técnicas”.


Políticos do Centrão não se pronunciam

Os senadores Davi Alcolumbre, Efraim Filho e professora Dorinha Seabra não se manifestaram.


Procurada, a Telebras disse que Wallyson Lemos dos Reis Oliveira “foi responsável pela instalação da filial da Oi Brasil em Imperatriz(MA), e se tornou gerente de Vendas da referida filial”. Segundo a estatal, Oliveira trabalhou na Polícia Civil entre 2009 e 2015. “Nesse período, conduziu a elaboração do planejamento estratégico para implantação da Subsecretaria da Polícia Comunitária do Estado do Tocantins e se tornou coordenador estadual de Polícia Comunitária”, afirmou a companhia.


“Coordenou e supervisionou a conformidade da área com as políticas, diretrizes e metas estabelecidas pelo governo local e coordenou a equipe na elaboração e gestão de projetos de expansão e aquisição de bens junto à Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), do governo federal. Também liderou a abertura de conselhos municipais de Segurança Pública e passou a coordenar as atividades relacionadas a esses conselhos.


A estatal destaca ainda que Wallyson Oliveira graduou-se em Direito em 2015. Fez ainda uma pós-graduação em Direito Administrativo e uma especialização em Direito Digital e Proteção de Dados. Em 2016, foi cedido para a assessoria jurídica do Procon do Tocantins e, em seguida, ao Tribunal de Justiça e no Governo do Estado.


“Avançando em suas qualificações, está fazendo mestrado em Proteção Jurisdicional e Direitos Humanos pela Escola Superior de Magistratura do Estado do Tocantins e está iniciando o curso de Governança Corporativa em Empresas Estatais no Instituto Brasileiro de Governança Corporativa”, registrou a companhia.


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Perguntada sobre o motivo de ter trocado o diretor de Governança em menos de seis meses, a estatal afirmou que “a designação de membros para compor a Diretoria Executiva da Telebras é uma prerrogativa do Ministério das Comunicações”. “Os nomes designados para ocupar diretorias são submetidos ao colegiado do Comitê de Pessoas, Elegibilidade, Sucessão e Remuneração da Telebras para análise e manifestação sobre a adequação do candidato ao cargo”, apontou.


A estatal também se manifestou sobre a contratação do primo da mulher de Frederico de Siqueira Filho, presidente da Telebras. “Romualdo Braga Rolim Neto é advogado, com experiência de quase 20 anos em execução de processos administrativos, atividades jurídicas e gestão de equipes nos gabinetes da Secretaria da Receita Estadual da Paraíba, na Assembleia Legislativa da Paraíba, na Procuradoria Geral daquele estado e na Procuradoria Geral do município de João Pessoa”, destacou. “O profissional é credenciado técnica e profissionalmente para o cargo.


Ao Estadão, a companhia também afirmou que George Arnaud Tork Façanha, Marcivânia Flexa e João Evangelista Guedes Filho “foram contratados pela Telebras pela larga experiência em suas especialidades e por estarem plenamente habilitados a contribuir para o desenvolvimento da Telebras nos cargos/funções em que atuam”. Segundo a estatal, “nenhum profissional” da estatal “tem qualquer vínculo” com a nova política de conectividade do governo Lula.


“A Telebras tem assento no referido Comitê, ao lado de membros desses dois ministérios (Comunicações e Educação), dos ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e de Minas e Energia (MME); da Casa Civil da Presidência da República; Anatel; FNDE; BNDES e a RNP (Rede Nacional de Pesquisa)”, afirmou. “A Telebras não tem nenhuma ingerência na constituição ou na coordenação desse comitê.”

Polícia faz operação contra máfia do reembolso suspeita de criar 'linha de produção' de exames em SP, FSP

 Artur Rodrigues

SÃO PAULO

Polícia Civil de São Paulo deflagrou nesta quarta-feira (8) uma megaoperação com o objetivo de apurar um esquema que envolve empresas suspeitas de atuarem em uma espécie de linha de produção de reembolsos médicos.

Em apenas um dos casos apurados, cada funcionário chegava a fazer uma média superior a cem pedidos de reembolso por mês.

Na primeira grande operação sobre o esquema que acumula prejuízos bilionários no país, policiais do 10º Distrito Policial (Penha) cumpriram nesta manhã mandados de busca e apreensão em 18 endereços ligados a supostas empresas de fachada, residências, laboratórios e até escritórios de advocacia.

Estetoscópio em cima de uma guia de plano de saúde
Formulário de plano de saúde - Marcello Casal Jr/Agência Brasil

A operação foi batizada como Esculápio, em menção a um deus relacionado à área da medicina.

A investigação começou a partir de representação da Fenasaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), que representa 15 grupos de planos de saúde no país, sobre a atuação de uma empresa chamada V.Eventos. Depois disso, os policiais do 10º DP mapearam uma ampla cadeia de suspeitos.

No documento da federação ao qual a Folha teve acesso, um dos relatos é que, em apenas cinco meses, os funcionários da empresa V.Eventos realizaram 2.383 solicitações de reembolso de procedimentos a sete operadoras. As notas fiscais totalizaram R$ 5,4 milhões, originando R$ 1,7 milhão em reembolsos.

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A polícia suspeita que a empresa investigada nunca tenha funcionado de maneira real, sendo apenas fachada para o negócio ilegal. Um indício disso é que o homem que consta como proprietário formal fez um boletim de ocorrência dizendo não ter qualquer ligação com ela.

O caso chamou a atenção dos planos de saúde devido à contratação de diversos planos para as mesmas pessoas, além da realização de grande quantidade de procedimentos em um curto espaço de tempo.

"A contratação, por parte da empresa estipulante, dos planos de saúde mais completos oferecidos pelas operadoras (que possuem os mais elevados coeficientes de reembolso de despesas médicas e, portanto, são os mais caros) para os mesmos beneficiários em sete operadoras de forma concomitante, por si só, já chama a atenção", diz a federação, na representação.

De acordo com Fenasaúde, 14 beneficiários da empresa fizeram 8.260 procedimentos em sete operadoras entre maio e setembro de 2022, sendo 72% no mês de maio. Isso dá uma média mensal de 590 procedimentos por beneficiário, ou quatro por dia.

A investigação policial constatou que os funcionários da suspeita de ser empresa de fachada teriam ido aos mesmos laboratórios e médicos. Além disso, escolhiam os mesmos dias para fazer os procedimentos, em uma rotina exaustiva de exames.

Em 17 de maio, por exemplo, os 14 beneficiários foram atendidos pelo mesmo médico e pediram reembolso por cinco planos diferentes.

Dois dias depois, em 21 de maio de 2022, nove beneficiários realizaram exames no mesmo laboratório, formulando pedidos de reembolso a cinco operadoras diferentes.

Segundo a apuração, 68% dos mais de 8.000 procedimentos foram realizados com o mesmo prestador, a RFG Health Care.

Como um mesmo procedimento originava reembolsos de mais de um plano de saúde, a prática pode configurar enriquecimento ilícito.

A reportagem não localizou nenhum representante da V.Eventos nesta quarta até a publicação deste texto. O proprietário oficial da empresa não é nem mesmo tido como suspeito no caso.

Já os beneficiários que pediram reembolsos estão entre os investigados. Foram constatados proximidade e parentesco entre alguns deles.

Após a representação da federação, o Ministério Público determinou a abertura de inquéritos em distritos policiais para apurar crimes de estelionato e falsidade ideológica.

Policiais do 10º DP, que fica na Penha, avançaram e passaram a esquadrinhar diversas empresas citadas na representação da federação, que demonstraram ligações umas com as outras.

Em um desses locais investigados, funcionários de um laboratório passavam mensalmente na sede da empresa para colher sangue dos profissionais, como numa espécie de linha de produção dos reembolsos.

No ano passado, a Folha revelou que a Fenasaúde apresentou ao Ministério Público de São Paulo uma notícia-crime sobre uma rede de empresas de fachada criada com o intuito de fazer pedidos de reembolsos fraudulentos em larga escala contra operadoras, que somaram cerca de R$ 40 milhões.

A diretora-executiva da FenaSaúde, Vera Valente, tenta costurar com os diversos atores uma forma de superar a crise dos planos de saúde e tem participado de debates com representantes de todos os segmentos da saúde privada.

As empresas decretaram uma guerra contra fraudes, que incluem práticas como a emissão de pedidos de procedimentos ou notas de serviços não prestados para gerar reembolsos dos planos. Estimativas apontam que os prejuízos já somam R$ 7 bilhões em dois anos.

As consequências práticas para São Paulo se a Sabesp for privatizada, Leia isso

 Hélio Rodrigues e Mario Maurici de Morais*Especial para o UOL08/11/2023 04h00Atualizada em08/11/2023 04h00

Muito se tem discutido sobre a necessidade ou não de privatizar a Sabesp, em um debate cercado pelas ideologias acerca do papel do Estado em relação à prestação dos serviços públicos. Pouco se tem dito, no entanto, sobre as consequências práticas para a cidade de São Paulo decorrentes de uma eventual privatização.

Está em vigor um contrato entre a prefeitura e a Sabesp, firmado em 2010, que transfere à sociedade de economia mista a concessão dos serviços de água e esgoto da cidade até 2040. Conforme previso no art. 28 da Lei das Estatais (Lei nº 13.303/16), empresas públicas e as sociedades de economia mista são dispensadas de licitação prévia para comercialização, prestação ou execução, de forma direta, de produtos, obras ou serviços especificamente relacionados com seus respectivos objetos sociais.

Como foi realizado sem licitação, o contrato tem uma cláusula com uma hipótese de rescisão do contrato em caso de privatização da empresa, mais especificamente na alínea "g" da cláusula 68 do documento, que prevê a rescisão automática do contrato caso ocorra a "transferência do controle acionário da Sabesp à iniciativa privada". Trata-se da chamada "cláusula antiprivatização", que tem recebido alguma atenção da opinião pública.

A cláusula também prevê a imediata reversão para o município de todos os bens necessários à prestação dos serviços, o que inclui adutoras e reservatórios.

O prefeito paulistano, Ricardo Nunes (MDB), anunciou que vai abrir mão da cláusula antiprivatização (o que pode configurar ato de improbidade administrativa por lesão ao erário) e que pretende prorrogar o contrato por mais 20 anos (até 2060), sem nenhuma contrapartida para a cidade. Isso só encontra explicação no interesse do prefeito em conseguir apoio do governador à sua campanha de reeleição no próximo ano, já que o balanço da Sabesp indica que a operação da empresa na capital rende um lucro de cerca de R$ 1,5 bilhão por ano. Ou seja, a cidade de São Paulo estaria renunciando a R$ 30 bilhões.

Além disso, é preciso considerar que tal aditamento consiste em uma clara violação ao dever constitucional de licitar da administração pública; justamente o princípio que é preservado pela cláusula antiprivatização do contrato. A pretensão, portanto, é flagrante ilegal.

Caso a Sabesp venha a ser privatizada, o contrato com a Prefeitura de São Paulo deve ser rescindido e a prefeitura deve assumir toda a estrutura necessária à prestação do serviço. Caberá então ao município decidir pela criação de uma empresa pública para a prestação do serviço ou pela abertura de uma licitação para selecionar a melhor oferta de concessão, em um processo do qual eventualmente participarão a Sabesp privatizada e todas as outras empresas brasileiras que se dedicam ao serviço de saneamento.

Qualquer roteiro diferente desse fere a legalidade, os interesses da população e encontrará resistência da Câmara Municipal, do Tribunal de Contas do Município e do Judiciário.

*Helio Rodrigues, 54, é vereador na cidade de São Paulo pelo PT. Formado em Obras Hidráulicas e pós-graduado em economia, é presidente do Sindicato dos Químicos de São Paulo.

*Mário Maurici Lima de Morais, 62, é deputado estadual de São Paulo pelo PT. Jornalista, mestre em administração pública, foi prefeito de Franco da Rocha e presidente do Ceagesp.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL