sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Juros em queda não vão impulsionar a economia, Rodrigo Zeidan , FSP

 Damos muito valor aos movimentos episódicos da taxa Selic. A redução dos juros em 0,5 ponto percentual nesta semana é mais importante pelo sinal de queda do que pelo seu tamanho. Não importa muito se a Selic vai cair 0,25 ponto ou 0,50 ponto na próxima reunião, pois, no Brasil, a resposta dos investimentos a esses movimentos é baixa.

Em economia, chamamos de elasticidade a relação de variação percentual entre duas variáveis. No Brasil, a elasticidade do investimento e consumo em relação à taxa de juros é especialmente baixa. Com isso, os juros têm de subir muito mais do que em outros países para arrefecer a inflação. E, quando começa a cair, também quase não estimula a economia. Somente uma reversão rápida das expectativas por queda substancial da Selic vai despertar a economia adormecida, mas não pelos juros em si.

Integrantes do Copom reunidos, nesta quarta (2), na sede do BC; na foto, Roberto Campos Neto à frente (à esq.) e, ao fundo, Gabriel Galípolo (3º, à esq.) e Ailton Aquino (último, à direita)
Integrantes do Copom reunidos, nesta quarta (2), na sede do BC; na foto, Roberto Campos Neto à frente (à esq.) e, ao fundo, Gabriel Galípolo (3º, à esq.) e Ailton Aquino (último, à direita) - Raphael Ribeiro/BC

A razão para isso é que, no Brasil, como em outros países de renda média, há falhas nos mecanismos de transmissão de política monetária. Esses mecanismos estabelecem como mudanças no preço dos juros básicos afetam a atividade econômica. Quando funcionam bem, redução de juros se traduz rapidamente em crescimento, normalmente por aumento de crédito a consumidores e empresas. Mas, no Brasil, consumo e investimento respondem pouco a mudanças na Selic.

Nosso sistema financeiro tem várias falhas, entre as quais a tácita aprovação do Banco Central à concentração bancária. O resultado é que a oferta de crédito no país cresce a conta-gotas. O crédito ao setor privado em relação ao PIB terminou 2022 em 72% do PIB, um valor não muito maior do que os 67% do PIB em 2015, antes da Grande Recessão da década passada.

Para uma economia do tamanho da brasileira, com um PIB que patina há dez anos, seria de esperar que o crédito estivesse crescendo muito mais rápido, pelo represamento da demanda e pelas inovações do sistema financeiro. Mas isso continua a não acontecer no país; empresas continuam a sofrer com restrições de crédito; e isso sem considerarmos os absurdos juros aos consumidores.

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Entre outros mecanismos de transmissão de política monetária estão as expectativas, os efeitos nos balanços dos bancos, o ajuste no preço dos empréstimos, as mudanças na taxa de câmbio, os incentivos a poupadores e outros.

No Brasil, os mecanismos mais importantes são as expectativas e as flutuações no câmbio. Mudanças na Selic funcionam mais como sinal de credibilidade das autoridades públicas que qualquer outra coisa. Subida nos juros aumenta o ritmo de crescimento da dívida pública, algo que bancos centrais tentam evitar. Ou seja, quando o Banco Central aumenta sobremaneira os juros para conter a inflação, os agentes econômicos acabam se adaptando a essas medidas, reduzindo a pressão sobre os preços. Como o câmbio também tende por se valorizar, o resultado é uma inflação menor.

A gritaria do PT contra a Selic faria sentido em muitos países, mas não para um país com restrições de oferta de crédito como o Brasil. Como a inflação já está em ritmo de queda, qualquer efeito da diminuição dos juros só será sentido pela retomada da confiança dos empresários, se houver. Mas isso não acontecerá por juros menos caros ou mais amplos. Para isso, precisamos de uma nova arquitetura do sistema financeiro nacional. Mas isso é uma discussão mais profunda do que ficar vendo a Selic subir ou cair.

Ainda assim, uma Selic menor é melhor que nada, mesmo que não muito mais que isso.

quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Entenda por que as canetas emagrecedoras têm preços elevados, FSP

 No último ano, medicamentos injetáveis para diabetes como Ozempic e Saxenda viralizaram nas redes sociais como aliados no tratamento da obesidade. Mas sua aplicação não é econômica. Os remédios custam entre R$ 600 e R$ 1.000.

Nova opção das chamadas "canetas emagrecedoras", o Wegovy, autorizado para tratar obesidade, pode chegar às farmácias brasileiras em 2024 com preço acima de R$ 2.000. O Mounjaro, que busca aprovação para ser comercializado no país, é vendido a US$ 1.000 os Estados Unidos (R$ 4.790 na conversão atual).

O alto custo tem a ver com o uso de uma nova tecnologia que ainda não está disponível no SUS (Sistema Único de Saúde), segundo o médico endocrinologista Levimar Rocha, presidente da SBD (Sociedade Brasileira de Diabetes).

"Infelizmente, quando tem tecnologia nova, é a indústria que faz o preço, e eles ainda têm patente e não têm muita concorrência", diz Rocha.

A Novo Nordisk tem a patente da semaglutida, princípio ativo da Ozempic e do Wegovy, até o final do ano de 2024. Depois disso, farmacêuticas poderão produzir medicamentos genéricos.

A patente é um direito de exclusividade temporário, que garante ao fabricante original do remédio ser o único a explorá-lo economicamente durante um período.

O especialista em direito autoral Luiz Friggi, professor de Direito Empresarial na Mackenzie, diz que o valor alto no caso dos fármacos busca alcançar o lucro projetado pela indústria farmacêutica, cobrindo os custos de pesquisa e desenvolvimento realizados pelos laboratórios.

Segundo ele, é provável que os preços diminuam após a perda de patente das farmacêuticas, uma vez que os fabricantes de genéricos terão menor custo e maior competição entre si.

Isso não significa, porém, que o tratamento será necessariamente econômico. O cálculo de teto de preço de medicamentos no Brasil segue regras previamente definidas em resoluções da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), que é o órgão da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) responsável pelo tema.

Essas regras levam em conta o caráter inovador ou não do produto e o preço praticado em outros países de referência.

A CMED considera produtos novos os medicamentos com molécula nova no país, que são divididos em cinco categorias de preço. Em todas as categorias, são considerados os menores preços praticados em outros países ou a média dos valores de outras apresentações do medicamento no Brasil, com igual concentração e mesma forma.

Ricos emprestam a juros para o Estado o dinheiro que não pagaram em tributos, FSP

 O Brasil é um dos países mais desiguais do planeta. O poder econômico se converte em poder político para blindar a riqueza hiperconcentrada. A influência dos ricos sobre a política econômica busca proteger o valor real de seu patrimônio, enquanto a interferência sobre o processo legislativo visa a isenções tributárias e ao alívio da regulação estatal.

A resistência à reforma dos tributos indiretos (sobre consumo) revela bem a força desses grupos de interesse, os quais impõem regimes especiais que isentem seus negócios da mordida do fisco.

Mas é na tributação direta da renda e da riqueza que a temperatura sobe. Equilíbrio fiscal com maior justiça tributária exige "colocar o rico no Imposto de Renda". Mexer nesse vespeiro aguça os mais selvagens instintos de autoproteção da turma endinheirada.

Ao ameaçar eliminar a isenção dos fundos de investimentos exclusivos, Fernando Haddad desnuda o pilar essencial de uma plutocracia, a saber: os ricos emprestam a juros para o Estado o dinheiro que não pagaram em tributos. Parece exagero, mas não é.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad - Gabriela Biló - 31.jul.2023/Folhapress

A Receita Federal divulga anualmente os Grandes Números do Imposto da Renda Pessoa Física (IRPF): uma radiografia do topo da distribuição de renda no Brasil. Recente reportagem de Idiana Tomazelli na Folha mostrou que o acúmulo de lucros e dividendos declarados bateu R$ 555,7 bilhões, um crescimento de 44,6% entre 2020 e 2021. Deste total, R$ 411 bilhões ficaram nas mãos do 1% mais rico, e R$ 117 bilhões, com o 0,01% no topo. Essa fonte de renda representa 36% do total de rendimentos isentos de IRPF em 2021.

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O aumento incomum não foi fruto de um surto de lucratividade das empresas, mas uma reação evasiva à retomada da tributação de lucros e dividendos distribuídos à pessoa física, com alíquota prevista de 15%.

Além de não poupar a saúde do trabalhador nem o meio ambiente, a ganância patológica do velho extrativismo investe também contra nossas empresas. Caso exemplar desse movimento foi a Petrobras distribuir mais dividendos que todas as empresas juntas em 2022.

Felizmente, para os super-ricos que adoram uma "inconsistência contábil", a proposta de Guedes morreu antes de chegar à praia. Em tempo: o medo do comunismo deve ter motivado o aumento de 34%, entre 2020 e 2021, nas heranças e doações —R$ 148 bilhões, também isentas de IRPF.

As rendas não tributáveis e aquelas sujeitas à tributação exclusiva representam 95% dos rendimentos do 0,01% mais rico do Brasil. A renda anual dessas 2.342 pessoas varia de R$ 20 milhões a R$ 22 bilhões. Sim, bilhões! O patrimônio declarado desse grupo soma R$ 2,33 trilhões (você não leu errado). Esse valor representa 62% da riqueza do 0,1% mais rico e 40% do total detido pelo 1% no topo. Como nem todo patrimônio tem valor de mercado atualizado, esses dados estão provavelmente subestimados. Traduzindo: a concentração de riqueza entre os ricos no Brasil é obscena: uma verdadeira plutocracia!

A dissertação de mestrado de Jonathan Vieira Lopes (Unifesp) analisou a progressividade do Imposto de Renda sobre rendimentos do trabalho e do capital. Os mais ricos (R$ 4 milhões por ano) pagaram, em 2020, alíquota média de 2% sobre as rendas do trabalho, ante 10,6% de quem ganha entre R$ 250 mil e R$ 370 mil por ano.

No caso dos rendimentos de capital, os mais ricos pagaram mais impostos, mas com uma alíquota efetiva muito baixa (1,98% em 2020); já o fisco arrecadou R$ 31 bilhões de um total de R$ 3,3 trilhões desse tipo de rendimento.

Enfraquecer a plutocracia brasileira requer ampliar a tributação dos rendimentos do capital. O fim da isenção de lucros e dividendos é o primeiro passo para ter maior justiça tributária e proteger a nossa democracia.