segunda-feira, 15 de maio de 2023

Ross Douthat -A lição de Trump para a imprensa e Ron DeSantis, NYT -FSP

 Pouco antes da primária republicana na Carolina do Sul em 2012, John King, da CNN, abriu um debate presidencial com uma pergunta a Newt Gingrich que ele provavelmente considerava difícil sobre a alegação da ex-esposa de Gingrich de que o ex-presidente da Câmara havia no passado proposto um casamento aberto.

Em sua resposta, Gingrich revelou que se sentiu ofendido. Ele disse a King: "Acho que a natureza destrutiva, perversa, negativa de boa parte da imprensa faz com que seja mais difícil governar este país, mais difícil atrair pessoas decentes a candidatar-se a cargos públicos, e fico chocado que você inicie um debate presidencial com um tópico como esse." Acrescentou ainda que converter a "dor pessoal" do divórcio "em uma pergunta significativa para uma campanha presidencial é desprezível".

O ex-presidente dos EUA Donald Trump - Spencer Platt - 27.abr.23/AFP

A plateia entrou em êxtase. Gingrich foi vitorioso na primária, superando de longe Mitt Romney, conhecido como bom marido e pai de família. E, embora sua campanha tenha falhado pouco depois, aquele momento foi um prenúncio de uma parte importante do fenômeno Donald Trump, ao provar que os eleitores republicanos se dispõem a perdoar inúmeros pecados —ou não acreditar na existência deles— em se tratando de um candidato que demonstra gosto por travar guerra com a grande imprensa.

Essa dinâmica explica a inutilidade da sabatina feita pela CNN com Trump nesta semana que passou, que foi organizada basicamente como uma versão mais longa do confronto entre King e Gingrich. Os tópicos levantados por Kaitlan Collins incluíram muitos que teriam sido constrangedores para Trump, fosse ele capaz de sentir-se constrangido: escândalos pessoais, mentiras eleitorais, etc. Mas, com uma plateia empolgada e ansiosa por tomar o partido dele contra a imprensa, foi absurdamente fácil para Trump passar por cima das tentativas da moderadora de fazê-lo envergonhar-se e seus esforços frenéticos para checar em tempo real a veracidade do que ele dizia.

Dois grupos podem aprender algo com a experiência: primeiro, produtores e executivos de televisão que estiverem pensando em como conduzir entrevistas e debates com Trump; segundo, candidatos republicanos rivais interessados em visualizar um caminho para derrotá-lo.

O que os profissionais de TV precisam aprender é que eles têm duas escolhas para lidar com outra campanha de Trump nas primárias. Podem seguir o caminho do tipo "esta é uma emergência" recomendado por alguns críticos na imprensa e autores de textos contra Trump: não dar uma plataforma a Trump, não tratar sua campanha como se fosse normal, de maneira alguma, não deixá-lo falar na TV ao vivo e cobri-lo apenas dentro de uma estrutura previamente definida que enfatize constantemente suas tendências autoritárias e suas tentativas de subverter a eleição passada. Não creio que essa opção seja prudente ou viável, mas ela pelo menos possui uma coerência moral que falta à abordagem que vimos ser usada em 2016, do tipo "a democracia corre perigo. Ligue a TV esta noite para passar uma hora com o demagogo!".

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Outra alternativa é a seguinte: se a imprensa pretende fazer entrevistas e debates como normalmente, então, quando se prepara para elas, ela precisa pensar um pouco mais como eleitores republicanos, não como jornalistas de centro-esquerda. Não quero dizer que ela deva adotar uma atitude servil em relação ao ex-presidente, mas deve preparar o tipo de perguntas que um americano de tendência direitista e propenso a não gostar da imprensa possa realmente achar esclarecedoras.

Isso significa em parte, como sugere Ramesh Ponnuru, questionar o histórico presidencial de Trump em termos conservadores, não liberais —perguntando, por exemplo, sobre o fato de ele não ter concluído a construção do muro na fronteira ou sobre o aumento da criminalidade no último ano de sua administração. Quer dizer em parte, como escreve Erick Erickson, colocar perguntas evidentes que decorrem de sua narrativa da eleição roubada, em vez de simplesmente atacar essa narrativa frontalmente. Por exemplo: se os democratas realmente roubaram a eleição, por que sua administração, o secretário de Justiça que o senhor escolheu e os juízes que o senhor nomeou basicamente deixaram que o fizessem?

A utilidade dessa última linha de questionamento é algo que os rivais potenciais de Trump, especialmente Ron DeSantis, podem tirar da experiência da sabatina na CNN: se a mídia não desafiar Trump com esse tipo de pergunta que agrada a conservadores, eles podem fazê-lo. Mas a lição mais básica a ser aprendida pelos políticos republicanos depois de assistir à sabatina de Trump é a importância, para qualquer possível sucessor de Trump, de demonstrar que também ele ou ela é capaz de discutir com a grande imprensa e sair ganhando.

Essa é a base da estratégia presidencial de Vivek Ramaswamy até agora, que o elevou para níveis de apoio quase comparáveis aos de Mike Pence nas pesquisas sobre as primárias, graças em parte à sua disposição de discutir com Chuck Todd ou Don Lemon, não apenas de ficar reiterando posições no programa de Sean Hannity.

Mas é o oposto do método de DeSantis, que tem sido de rejeitar a mídia convencional inequivocamente (acompanhado de um pouco de zombaria de seus amigos e aliados no Twitter). Isso é tudo bem para o governador de um Estado de viés direitista que está tentando realizar coisas ao nível estadual e construir apoios com ativistas conservadores. Mas não é o que os eleitores republicanos parecem querer de seus candidatos nacionais. Eles querem o show, a batalha, o drama. E não há como realmente derrotar os liberais se você nem sequer ouve as perguntas deles.

Tradução de Clara Allain

Os ‘palavrões’ da linguagem corporativa na nova economia; leia a coluna de Moisés Naim, OESP

 Os novos tempos renovam algumas palavras enquanto marginalizam outras ou alteram seu significado. Plataforma é um bom exemplo disso. Antes, esta palavra era usada principalmente para se referir – segundo o Dicionário da Língua Espanhola – a uma superfície horizontal, descoberta e elevada acima do solo, onde pessoas ou coisas são colocadas. Já não é mais isso. Hoje o Twitter, o Instagram, o YouTube ou o Facebook são plataformas. Assim como os milhares de novos empreendedores que inevitavelmente descrevem sua empresa da mesma maneira.

Hoje, as plataformas estão na moda. As empresas, não. Mas na prática, as plataformas são empresas que preferem disfarçar – ou apagar – sua descrição como tal. A realidade é que por trás da grande maioria das plataformas existe uma empresa com fins lucrativos.

Uma das razões pelas quais essa palavra é tão popular é que as plataformas costumam ganhar dinheiro alterando drasticamente a forma como trabalham, modificando os produtos que vendem, introduzindo novos produtos ou tornando a forma de construí-los mais eficiente. Celulares e smartphones são um exemplo dessa inovação disruptiva, pois alteraram drasticamente a indústria de telefonia e muitos outros espaços adjacentes. É claro que, para cada sucesso dessa dimensão, centenas de milhares de plataformas baseadas em uma alegada ou real inovação disruptiva fracassam.

Hoje, inovação disruptiva (bem como outras expressões) é um termo que não pode faltar em nenhuma apresentação que busque promover um investimento, reformular uma organização, adotar uma nova tecnologia, demitir funcionários ou lançar um novo produto

Hoje, inovação disruptiva é um termo que não pode faltar em nenhuma apresentação que busque promover um investimento, reformular uma organização, adotar uma nova tecnologia, demitir funcionários ou lançar um novo produto — que, claro, não é mais chamado de produto, mas de solução.

Estas soluções são preferencialmente verdes e sustentáveis e operam dentro de um espaço (anteriormente conhecido como mercado).

O sucesso das empresas que, por meio de uma transformação digital reforçam a sua competitividade, explica-se como resultado de um crescimento orgânico. Isso geralmente significa aumento de vendas ou redução de custos originados dentro da organização. Tudo isso, claro, acontece graças ao time, o grupo de pessoas antes conhecido como os funcionários. As notícias sobre como as coisas estão indo na plataforma – tanto as boas como as ruins – geralmente são comunicadas em nome do time. Em princípio, o papel do líder do time não é mais comandar, mas evangelizar, educar, persuadir e encorajar o time para que seus membros estejam alinhados com a plataforma. Na verdade, existem executivos de negócios que substituem o nome de seu cargo para se referirem a si mesmos como evangelista-chefe.

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Showroom da Tesla nos EUA: nova economia traz novos termos para práticas corporativas antigas
Showroom da Tesla nos EUA: nova economia traz novos termos para práticas corporativas antigas Foto: Carlos Osorio/ AP

Eufemismos e neologismos

De acordo com a indeed.com, uma empresa online que busca conectar funcionários com empregadores, esses evangelistas são embaixadores ativos de um negócio, produto ou serviço. Eles divulgam uma mensagem positiva sobre uma marca e procuram encorajar outras pessoas a usar esse serviço ou produto.

Contratar alguém para fazer esse trabalho em tempo integral de evangelização pode gerar mais vendas. É por isso que é melhor para as marcas contratar evangelistas dedicados para promover produtos.

Toda esta atividade deve gerar sinergiacatalisar a mudança e alinhar a dimensão e a cultura da organização com a sua missão e as realidades financeiras da plataforma. Também deve promover a resiliência da plataforma e daqueles que nela trabalham. Resiliência é a capacidade de se recuperar de um infortúnio e se ajustar à nova situação. Algumas árvores que sobrevivem a fortes rajadas de vento são um bom exemplo de resiliência. Elas se dobram, mas não quebram. Já há algum tempo, a resiliência tem sido amplamente utilizada para designar a capacidade das organizações e dos seres humanos para se recuperarem de acontecimentos negativos.

Todos os itens acima estão fortemente imbuídos do culto à mudança. Assim, a mudança que inspira e justifica todas as palavras anteriores deve ser inédita – ou promovida como tal. Sabemos, no entanto, que mudanças sem precedentes são muito raras. Rose Bertin, a costureira da rainha Maria Antonieta, explicou na década de 1770 que não há nada novo, exceto o que esquecemos.

Nossa linguagem continua evoluindo, como sempre evoluiu, e isso serve para expressar novos valores por meio de outras frases e parágrafos. Isso, claro, não é novidade. Hoje vemos como a alergia à autoridade e à hierarquia nos leva a esconder as relações de poder por trás de uma série de eufemismos que mais obscurecem do que iluminam. E assim continuará, até que sejamos salvos por alguma nova plataforma disruptiva no espaço linguístico catalisada por uma equipe resiliente que consiga alcançar sinergias orgânicasTRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

Juro adia 'sonho da casa própria' e intenção de compra de imóvel chega ao menor nível em três anos, OESP

 Juros altos e incertezas em relação ao emprego e a renda estão adiando o sonho da compra da casa própria. No primeiro trimestre deste ano, 40% do brasileiros pretendiam adquirir um imóvel residencial novo ou usado nos próximos três meses - a menor marca em três anos, segundo pesquisa da Raio-X FipeZap+.

O índice foi feito com base na intenção de compra de 1.077 usuários ativos dos portais de venda de imóveis Zap+ e Viva Real no período. É o número mais baixo desde o primeiro trimestre de 2020, quando a parcela daqueles que pretendiam adquirir um imóvel era de 36%. O resultado dos três primeiros meses deste ano também está quatro pontos abaixo do último trimestre de 2022 (44%).

O economista Alison de Oliveira, coordenador de índices da FipeZap e pesquisador da Fipe, diz que há um número menor de famílias dispostas a comprar imóveis por causa da insegurança no mercado de trabalho aliada ao alto custo dos financiamentos imobiliários.

Em março, a taxa média anual de juros dos empréstimos com recursos direcionados para a compra de imóveis estava em 11% ao ano, o maior resultado desde agosto de 2016. Como as famílias podem comprometer, no máximo, 30% da renda bruta com financiamento, se a renda cai ou o juro se eleva, menos pessoas conseguem obter empréstimos. “A redução de liquidez de crédito acaba afetando as vendas”, diz o economista.

José Carlos Martins, presidente da CBIC, diz que o financiamento de unidades novas pode ter caído até mais de 30% no primeiro trimestre ante igual período de 2022
José Carlos Martins, presidente da CBIC, diz que o financiamento de unidades novas pode ter caído até mais de 30% no primeiro trimestre ante igual período de 2022 Foto: Marcos Corrêa/PR

Outro dado que confirma a menor movimentação do mercado de imóveis novos e usados é o volume de compra e venda registrada nos cartórios. A partir de fevereiro de 2022, houve queda crescente, mês a mês, no número de registros de transações com imóveis no Estado de São Paulo em relação a igual período de 2021. Dezembro, por exemplo, fechou com um recuo de 13,4% nos registros de imóveis ante igual mês do ano anterior, aponta Oliveira.

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Imóveis novos

Os juros elevados desorganizam também a cadeia de produção de imóveis novos. A Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil (CBIC) projeta queda de 30% na quantidade de unidades novas financiadas para o primeiro bimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2022. “Nossa preocupação é que essa projeção de 30% de queda seja conservadora. Há possibilidade de que tenha sido maior no fechamento do trimestre”, diz o presidente da entidade, José Carlos Martins.

O motivo, segundo o executivo, é o efeito indireto que o juro alto provoca na caderneta de poupança. Com a Selic elevada, hoje em 13,75% ao ano, a poupança perde atratividade e as pessoas migram para outros investimentos. Com isso, sobram menos recursos da poupança que são direcionados para financiar a casa própria. “Gera-se uma sequência de redução de atividade: os bancos ficam mais restritivos no financiamento e as empresas, com medo de lançar novos projetos e não conseguir vender

No primeiro trimestre deste ano, o volume financiado com recursos das cadernetas do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) somou R$ 39,8 bilhões, com redução de 3,4% em relação a igual período do ano passado, segundo a Associação Brasileira das entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip). Em 12 meses encerrados em março, o total financiado foi de R$ 177,8 bilhões, queda de 12,6%.

O presidente da CBIC, José Carlos Martins, afirma que os valores defasados para financiar imóveis com recursos do FGTS agravam o problema de falta de liquidez de crédito no mercado. Juntando os obstáculos da poupança e do FGTS, cria-se um impasse, diz Martins. “O momento do mercado imobiliário hoje é de redução de atividade.”

Já o economista-chefe do Secovi-SP, Celso Petrucci, diz que, apesar de os empresários estarem mais comedidos nos lançamentos neste primeiro trimestre na cidade de São Paulo, as vendas dos imóveis novos estão em ritmo melhor do que no mesmo período do ano passado. “Os resultados até estão contrariando as expectativas porque não houve redução dos juros no período”, afirma.

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Segundo o Secovi-SP, foram lançadas na cidade de São Paulo no primeiro trimestre deste ano 10.480 unidades, um volume 6,3% menor em relação ao mesmo período de 2022. As vendas somaram 16.180 unidades, com crescimento de 13,3% em unidades e aumento de 11% em valor, ante o primeiro trimestre de 2022.

“As pessoas que estão comprando imóvel neste momento acreditam que a taxa de juros irá baixar no decorrer do próximos anos, quando o imóvel for entregue”, diz.

Como se trata de imóvel hoje vendido na planta, portanto, com financiamento direto com a construtora, o economista argumenta que, quando o empreendimento for entregue e entrar em cena o financiamento bancário, o custo do dinheiro no crédito imobiliário deverá ser menor do que o nível atual. “Existirá a possibilidade da Selic baixar, nunca de subir, porque ela tem um limite”, argumenta.

Na opinião de Petrucci, o mercado de imóveis novos residenciais na cidade de São Paulo hoje está fluindo, o que apontam os números do Secovi-SP. No entanto, ele ressalta que a situação no momento não é ideal para o setor, que gostaria que o Banco Central já tivesse sinalizado uma baixa na taxa de juros na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom).