quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Governo Lula defende regulação de redes sociais em fórum global da ONU, fsp

 Patrícia Campos Mello

PARIS

Em carta enviada à Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendeu a regulação das redes sociais para evitar o que chamou de ameaça à democracia por plataformas online.

"Não podemos permitir que a integridade das nossas democracias seja afetada por poucos atores que controlam as plataformas digitais", diz a carta à diretora-geral Audrey Azoulay, lida nesta quarta (22) pelo secretário de Políticas Digitais da Secom, João Brant, na conferência global "Internet for Trust", em Paris.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) discursa durante cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) discursa durante cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília - Ueslei Marcelino - 16.fev.23/Reuters

A conferência da Unesco tem debatido diretrizes globais para regulação da internet. A carta do petista, que pleiteia uma legislação "que corrija as distorções de um modelo de negócios que gera lucros com a exploração dos dados dos usuários", foi lida em meio à discussão no governo brasileiro para a adoção de regras que obriguem redes sociais a remover conteúdo que viole a Lei do Estado democrático de Direito.

Após oposição do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o Planalto recuou da intenção de elaborar uma medida provisória que impunha às plataformas o "dever de cuidado", ou seja, a obrigação de impedir a disseminação de conteúdo que viole a lei, como pedidos de abolição do Estado de Direito, estímulo à violência para deposição do governo ou incitação de animosidade entre as Forças Armadas e os Poderes.

Agora, a ideia é incorporar as medidas no projeto de lei 2630, conhecido como PL das fake news, mas há dúvidas sobre a viabilidade para tal. De relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), a proposta tramita há três anos. Foi aprovada no Senado, mas empacou na Câmara diante de controvérsias.

Um dos pontos em discussão é a previsão de estender a imunidade parlamentar para a atuação em plataformas online. O ponto é uma prioridade de Lira, mas enfrenta resistência em alas do governo e da sociedade civil, por ser visto como uma liberdade para políticos desinformarem impunemente.

Outra barreira é o fato de o projeto não prever punição às plataformas de internet que não agirem contra conteúdo que viole a lei. Hoje, segundo o Marco Civil da Internet, essas plataformas só podem ser responsabilizadas se não removerem conteúdo após ordem judicial. O governo defende uma flexibilização, para que haja como responsabilizar as empresas que não agirem de forma diligente.

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Para uma ala do governo, caso a proposta não incorpore esse ponto, a regulação será inócua, porque manterá a imunidade das redes. Parte da sociedade civil e do Congresso, por outro lado, defende que a responsabilização levaria empresas a se censurarem ao remover conteúdos legítimos para evitar sanções.

O governo também se opõe à previsão de autorregulação, usando como argumento a demora das plataformas, durante a campanha eleitoral, para agir contra conteúdos que feriam suas próprias regras de uso. Tampouco há consenso sobre a necessidade de criar um órgão regulatório que determinaria se as empresas cumpriram seu dever de cuidado e se, caso contrário, deveriam ser multadas.

Outro ponto sensível é um ponto do PL que estabelece financiamento do jornalismo e negociação entre veículos de imprensa e plataformas de internet para pagamento de conteúdo. Empresas de comunicação como a Rede Globo são firmes defensoras da medida, enquanto as plataformas se opõem fortemente.

As diretrizes em discussão na Unesco enfatizam a necessidade de "lidar com conteúdo que é ilegal e que representa ameaça à democracia e aos direitos humanos", ao contrário da versão atual do projeto de lei, enquanto "garante a liberdade de expressão e o acesso à informação".

As regras em debate estabelecem que as plataformas deveriam analisar sistematicamente conteúdo que represente ameaça à democracia e adotar etiquetas indicando potenciais problemas, além de não fazer amplificação algorítmica nem monetização desses conteúdos. Ao mesmo tempo, as diretrizes da Unesco são contra a imposição de uma regra de monitoramento de conteúdo que leve a medidas proativas em relação a postagens e conteúdo ilegal –posição defendida pelo Ministério da Justiça.

"Plataformas digitais não deveriam ser responsabilizadas se agirem de boa-fé e com diligência e se conduzirem investigações e outras medidas para detectar, identificar e remover conteúdo ilegal", diz trecho do rascunho das diretrizes, que está sendo elaborado na conferência em Paris e deve ter sua versão final publicada no meio deste ano.

A proposta do Ministério da Justiça brasileiro, que seria incorporada ao PL das fake news, prevê responsabilização e remoção proativa de conteúdos pelas plataformas. No entanto, estabelece que as empresas não seriam responsabilizadas por determinadas postagens que violem a lei —elas só seriam multadas se houvesse descumprimento generalizado do "dever de cuidado".

Na carta à Unesco, Lula afirma que a campanha de desinformação que culminou nos ataques contra as sedes dos três Poderes, em 8 de janeiro, em Brasília, foram "alimentadas, organizadas e disseminadas por meio de diversas plataformas digitais e aplicativos de mensagens". "Isso precisa parar."


Ministério da Agricultura confirma caso de mal da vaca louca, CNN

 O Ministério da Agricultura informou à CNN ter confirmado o diagnóstico da doença conhecida como “mal da vaca louca” no caso que estava sob investigação no Pará. Saiba mais sobre a doença que ficou conhecida nos anos 1980 e 1990.

O resultado dos exames laboratoriais foi comunicado pelo ministro Carlos Fávaro, na tarde desta quarta-feira (22), ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Desde o início, a pasta tem adotado providências para tranquilizar a população e evitar danos à exportação de carne brasileira.

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As primeiras informações sobre o caso suspeito foram divulgadas na segunda-feira (20) pelo ministério. Fávaro pretende concentrar esforços no caso. Em função disso, não participará mais da comitiva que visitará o município de Hulha Negra (SC) para verificar os estragos causados pela estiagem na região.

Já se sabe que o animal doente não era criado em regime de confinamento, foi abatido e a fazenda está isolada. Diante da expectativa em torno do caso, as ações das principais empresas exportadoras de carne bovina já sofreram nesta quarta-feira (22). Fecharam em queda os papéis da JBS (4,33%) e da Minerva (7,92%).

As últimas ocorrências de doença da vaca louca foram registrados no Brasil em 2021, em frigoríficos de Belo Horizonte (MG) e de Nova Canaã do Norte (MT). Na ocasião, a China — maior importadora de carnes brasileiras — suspendeu as compras entre setembro e dezembro daquele ano.

O Brasil é considerado território de risco insignificante para a ocorrência do mal da vaca louca, segundo classificação da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE). Nas últimas décadas, houve registros apenas de casos isolados da doença, que foram devidamente controlados e eliminados.

‘Comunista e esquerdista’, Eugênio Bucci, OESP

 No Estadão de ontem, uma breve nota, na página A12, narrou um acontecimento inacreditável, ultrajante, absurdo e, a despeito disso tudo, real. Segundo o relato, Tiago Queiroz e Renata Cafardo, repórteres deste matutino, foram agredidos com xingamentos e empurrões num condomínio de luxo na praia de Maresias, em São Sebastião, no litoral norte de São Paulo. Eles tinham entrado no local – com autorização de um funcionário e um grupo de moradores – para dar seguimento à cobertura da tragédia provocada pelas chuvas (e pelo desgoverno) na região. Lá dentro, além de estragos, encontraram a violência atávica deste nosso império colonial, com notas de irracionalidade completa. Entre os impropérios que ouviram, estavam as palavras “comunista” e “esquerdista”, dirigidas não apenas à dupla de profissionais, mas a este jornal, este mesmo, fundado em 1875, que você conhece muito bem.

A cena poderia figurar numa obra de ficção distópica. À força, tentaram roubar o celular de Renata Cafardo, uma referência nacional em jornalismo sobre educação. De Tiago Queiroz, fotógrafo, exigiram que apagasse imagens da câmera. O horror. O município de São Sebastião, entre mortos e desabrigados, entre cadáveres soterrados e famílias ao desamparo, virou também cenário de uma tragédia suplementar, ainda mais aterradora: a selvageria antiimprensa, com avalanches de infâmia.

O nome do empreendimento que serviu de palco para tamanha hostilidade é Vila de Anoman – talvez em homenagem à divindade do hinduísmo chamada Hanuman, que tem aspecto de macaco e representa longevidade e espírito sagrado. A alusão mística, porém, desafina do reino dos bens materiais. Não vai além do nome. O conjunto de casas espaçosas, com pouco mais de 300 metros quadrados cada uma e “piscina privativa”, não traz outras evocações transcendentes. O modo de alguns de seus frequentadores, tampouco. Suas maneiras lembram mais a fúria dos temporais extremos.

Por que eles se comportam desse modo? O que lhes terá passado pela cabeça para dizer o que disseram e agir como agiram? A pergunta não deveria interessar apenas aos que estudam os descaminhos do ódio em almas açoitadas por tempestades. Acima de tudo, deveria merecer a atenção dos que se preocupam com a paz social no Brasil. No delírio embrutecido dos que veem na função do repórter uma ameaça a ser expelida a pontapés se esconde a chave de um desmoronamento político muito maior que o desastre natural que agora nos assombra.

Não é verdade que, com a derrota do bolsonarismo nas urnas, em 2022, o mal tenha sido debelado. Não foi. Ele está aí, praticamente intacto em sua bestialidade. Está em São Sebastião, está em Roraima, está no aumento exponencial do número de pessoas armadas no País. O fanatismo saiu do poder, mas fará de tudo para voltar, tirando proveito das rachaduras estruturais que atravessam os pilares do Estado Democrático de Direito. As edificações institucionais deslizam sobre seus próprios alicerces e, na imaginação dos fanáticos, somente mão cega, impiedosa e torpe poderá resguardar os privilégios. Eles são violentos por despreparo – mas também por método, convicção e instinto de sobrevivência.

O condomínio dos intolerantes até convive por alguns dias com a lama que, sem ser convidada, veio se alojar na varanda depois da chuvarada, mas não convive com a imprensa livre nem sequer por um minuto. Para essa turma, a verificação dos fatos e o debate público só são aceitáveis quando ficam “do meu portão para fora”. E, mesmo assim, com limites pétreos: a mera pretensão iluminista de investigar os fatos com rigor já constitui uma afronta insuportável, mesmo do lado de fora da “minha cerca”. Nenhum fato poderá estar acima do imperativo que inscreve nos corpos as diferenças de classe. A verdade factual há de estar subordinada, incondicionalmente, aos interesses dos de cima.

Esse modo de ser e de viver é nosso velho conhecido. A piscina “privativa” é tanto melhor quanto mais ela priva os demais. O deck de madeira “exclusivo” encanta mais à medida que exclui o vizinho. A piscina pode ser um tanquezinho chinfrim, não importa. “É minha!” Em outras palavras, “aqui você não pisa”.

Quanto mais medíocre, mais inexpressiva e mais subalterna for a banheira “privativa”, mais visceral será a ira do dono que defende. A ilusão de ser superior a quem está imediatamente abaixo é mais determinante que o tamanho da propriedade. Graças a isso, a fé nos privilégios penetra no tecido social de alto a baixo, distribuindo migalhas em toca de adesão ideológica. Um estilhaço de regalia vale mais do que um direito. Não surpreende que, no meio do caos, o sujeito ilhado e miseravelmente sem helicóptero ainda encontre disposição para chamar este jornal de “comunista” e “esquerdista”. Por elogiar o bem comum, a imprensa terá de ser proscrita.

Tão urgente quanto combater e prevenir a calamidade natural é combater e prevenir a hecatombe civilizacional que nos atinge. Se descuidarmos, o que tivemos de pior entre 2019 e 2022 voltará em doses mais altas.

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JORNALISTA, É PROFESSOR DA ECA-USP