quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Lula vence o debate sobre os juros, mas o tratam como derrotado por nocaute, Reinaldo Azevedo, FSP

 Lula ganhou o debate sobre a taxa de juros —menos nos editoriais, no colunismo e, justiça se faça às respectivas coberturas, também no noticiário. Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, surgiu como o candidato a genro ou a sogro nacionais. É lhano, suave, educado e sugere alguma introspecção e vida interior. Chegou a anunciar e a pregar "boa vontade" com o governo. Uau! Havendo interesse, procurem saber o que é o "Quadrado Semiótico de Greimas" para identificar quem Campos Neto entende ser o "doador" e o "donatário" nessa relação. Trata-se de uma concepção de Estado tão absurda que nem errada chega a ser —é mal de uma era; volto ao ponto mais tarde. É muita ousadia para quem não consegue explicar por que temos o maior juro da Terra. Inigualável como a pororoca.

O presidente Lula durante evento nesta quinta (16) no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira/Folhapress

O proselitismo que se produziu sobre a questão sugere uma derrota do petista por nocaute. Deixo, em princípio, a economia para a pletora de expertos (com "x"). O que me incomoda, no que respeita à política, é a gritaria autoritária que tenta cassar a palavra do presidente da República, como se o BC fosse a sarça ardente, que não pode nem ser mirada, de onde emana a palavra revelada Daquele que Não Tem Nome. É incompatível com a democracia. "Ah, mas você criticava Bolsonaro quando atacava o STF." Fato. Se for preciso explicar a diferença, o esforço será inútil. Então não. Adiante.

Num seminário do BTG Pactual, uma trinca de ouro do mercado sustentou, na quarta (15), que a meta de inflação perseguida pelo BC é inatingível. Refiro-me a Luís Stuhlberger (Verde Asset), Rogério Xavier (SPX Capital), o mais enfático, e a André Jakurski (JGP). Não os estou listando como pessoas que endossam minhas opiniões. Lembro o caso de Stuhlberger: sua opinião sobre a PEC da Transição pautou toda a imprensa. E eu discordei de tudo.

Disse Xavier: "Só alcançamos inflação a 3% uma única vez, em 2016. Agora que a gente passou por todas essas situações inflacionárias, o Brasil resolveu fazer a meta em 3%. Nos EUA, a meta é 3,5% e no Brasil vai ser 3%? É falta de bom senso". E ainda: "As pessoas nos supermercados vivem com inflação de 10%, 12%. É outra realidade. Eu acho que o custo de carregar uma meta desse tamanho é gigantesco, seja financeiro, seja social, seja político, porque, uma vez que você não atinge as metas, o Banco Central fica restritivo na política monetária". Luiz Carlos Trabuco, presidente do Conselho de Administração do Bradesco, afirmou nesta quinta (16): "Hoje, percebemos que o debate sobre os juros necessários para combater a inflação está permeado de ponderações sobre atividade econômica e emprego. É justo e correto dar mais complexidade ao tema da política monetária".

Pergunto se Três Ases e um Trabuco serão vistos como patetas ou como parte "dessa gente" —deve-se dizê-lo com um misto de desprezo e ironia— que venceu as eleições para destruir os marcos do nosso capitalismo porque imagina, como escreveu um articulista, "estar ainda na Vila Euclides". A indagação é retórica. É certo que os empresários serão tratados com respeito. E assim deve ser. Eis o busílis.

PUBLICIDADE

Entende-se legítimo que operadores de mercado discordem das decisões do BC com uma dureza que Lula não ousou ter, mas se profere o anátema contra o herege que é detentor de um mandato popular. Na origem, há o ódio à política, que nos levou a contemplar o abismo, e uma ojeriza ao Estado típica de teses liberais mal digeridas. Ambicionam vê-lo fracionado em autarquias "independentes" em nome da eficiência. Trata-se de uma reedição das guildas medievais. "Cultuam outra Idade Média situada no futuro, não no passado", com metaverso e ChatGPT. Não que fossem me convidar, mas me recuso a participar da arruaça intelectual da 5ª Série de Chicago.

Lula tomou para si a responsabilidade política de acusar a nudez do rei "autônomo". As democracias aposentaram o monarca absolutista e alçaram ao poder, pelo voto, os antigos bobos, que de burros nada tinham (Leiam "O Bobo", de Alexandre Herculano). E o fizeram para que rompessem silêncios e falsos consensos de cortesãos. Como se nota, nem o trio de ouro explica por que os nossos juros são a maior pororoca da Terra.

O homem como agente potencializador da dinâmica evolutiva da escarpa da Serra do Mar, Alvaro Rodrigues dos Santos in OESP

 A imponente escarpa da Serra do Mar, responsável, por obséquio de sua topografia acidentada, pela conservação do pouco que nos resta da Mata Atlântica na região sudeste brasileira, cumpre uma espetacular função ambiental, determinante na equação climática regional. Claro, além de sua importância cênica, ecológica, turística e cultural. Essa escarpa serrana, que desde tempos pré-coloniais impõe uma enorme dificuldade de transposição para homens e cargas na ligação litoral-interior, tem origem tectônica por reativação da Falha de Santos, ocorrida ao final do Cretáceo, há cerca de 65 milhões de anos, a uma distância, mar a dentro, de perto de 60 Km da atual orla litorânea do sudeste brasileiro. A escarpa ocupa sua atual posição geográfica fruto de um prolongado processo de regressão erosiva.

Preteritamente, desde o início do período Terciário, em ocasião de paleoclimas áridos, ambiente geológico em que a cobertura florestal fenecia, recolhendo-se a pequenos refúgios, os solos então formados durante o clima quente/úmido, e então desprotegidos, eram lavrados violentamente por chuvas torrenciais, conformando momentos geológicos de acelerada regressão geomorfológica da escarpa.

Em intervalos geológicos e climáticos quentes e úmidos, como o atual, quando estabelece-se o domínio pleno da floresta atlântica (floresta ombrófila densa), a regressão erosiva da escarpa da Serra do Mar desacelera-se, dando-se apenas restritamente como consequência de deslizamentos isolados em episódios de chuvas intensas, e miríade de deslizamentos concomitantes (de todas as naturezas) em eventos de elevada pluviosidade concentrada. Em ambos os casos, obedecendo o mesmo padrão pluviométrico: alguns dias de chuvas ininterruptas (chuvas de saturação) culminados por um episódio pluviométrico de grande intensidade (chuva de deflagração). Mas, em termos de capacidade de movimentação de solos, nessa condição de temperatura e umidade pode-se dizer que o processo mais radical de erosão regressiva da escarpa apresenta-se contido, latente, como conseqüência da espetacular proteção proporcionada pela floresta.

São Sebastião.
São Sebastião. Foto: Wesley Gonsalves/Estadão

Em resumo, a escarpa, desde sua primeira formação ao final do Cretáceo, proto-Serra do Mar, já recuou dezenas de quilômetros de sua posição original até a atual.

Para onde foi todo esse material? Uma parte foi levado para o interior colaborando para a formação sedimentar da Bacia do Paraná. Outra parte está ainda contida em depósitos coluvionares na própria serra e em leques aluvionares mais próximos ao sopé, e grande parte compõe hoje sedimentos da Bacia de Santos.

Continua após a publicidade

Bem, é com esse organismo vivo, com suas leis próprias, processos, sua história e dinâmicas evolutivas, que estamos lidando. Senão por venerar, até religiosamente, essa entidade natural (a Serra), que seja por um pouco mais de inteligência e responsabilidade: a Engenharia brasileira precisa definitivamente agir com cuidados especiais em suas relações com a Serra do Mar, caso não queira continuar colhendo fracassos e tragédias.

Todas as feições aluvionares e coluvionares, que se espalham das meias encostas ao sopé da Serra, sugerem que não chove mais hoje na região do que já choveu ao longo do Terciário e do Quaternário. É preciso, portanto, ter-se mais cuidado ao se pretender explicar os freqüentes deslizamentos e tragédias associadas como decorrentes de eventual efeito de mudanças climáticas globais.

No contexto viário, as antigas vias de transposição da serra (Via Anchieta, Estradas de Ferro Sorocabana e Santos-Jundiaí, Via Dutra, Rodovia dos Tamoios, Rio-Santos, etc.), que optaram por uma filosofia de projeto de encaixe da estrada nas encostas através de cortes, ainda pagarão um altíssimo preço por esse desatino tecnológico. Somente com a implantação da Rodovia dos Imigrantes, que fez a opção preferencial por túneis e viadutos, de forma a interferir o menos possível nas instáveis encostas, a engenharia viária brasileira atingiu um padrão de projeto plenamente apropriado às características da serra.

Álvaro Rodrigues dos Santos.
Álvaro Rodrigues dos Santos. Foto: Arquivo pessoal

Já no contexto urbano as catástrofes estão aumentando sua freqüência e letalidade unicamente como fruto da expansão explosiva das ocupações urbanas sobre as encostas da serra, como sempre sem nenhum cuidado técnico mais adequado às características geológicas e geotécnicas próprias da região. Diga-se de passagem que, com pouquíssimas exceções, a regra geral é a procura da Serra como um expediente de habitação relativamente barata por parte da população mais pobre. Essa é a determinação de caráter social que tem implicado em tragédias as mais lamentáveis: a população pobre é forçada a buscar o barateamento de seus custos com moradia combinando seis fatores: distância, irregularidade fundiária, periculosidade, insalubridade, desconforto ambiental e precariedade construtiva.

Uma intenção sincera e responsável da sociedade, através das administrações públicas e das ações de caráter privado, em reduzir drasticamente os acidentes por escorregamentos, deve obrigatoriamente equacionar estes dois aspectos que se superpõem hoje com terríveis conseqüências: o fator social e o fator técnico.

Do ponto de vista social, prover a população de alternativas dignas e seguras de habitação; do ponto de vista técnico, levar em conta as restrições de ocupação da Serra e as recomendações da Geologia de Engenharia, expressas especialmente nas Cartas Geotécnicas, mapas que delimitam nas encostas da Serra as poucas áreas passíveis de ocupação (definindo as rígidas regras dessa ocupação) e as áreas das quais o Homem não deve sequer se aproximar, dado seu já alto grau natural de instabilidade.

Continua após a publicidade

*Álvaro Rodrigues dos Santos, geólogo. Ex-diretor de Planejamento e Gestão do IPT - Instituto de Pesquisas Tecnológicas. Autor dos livros Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e PráticaA Grande Barreira da Serra do MarDiálogos GeológicosCubatãoEnchentes e Deslizamentos: Causas e SoluçõesManual Básico para elaboração e uso da Carta GeotécnicaCidades e Geologia. Consultor em Geologia de Engenharia e Geotecnia

Morre Germano Mathias, o “catedrático do samba”, aos 88 anos, OESP

O cantor e sambista Germano Mathias morreu nesta quarta-feira, aos 88 anos. A confirmação veio de sua produtora, Angélica Tobias. Segundo ela, o músico enfrentava uma pneumonia muito severa, contraída quando foi hospitalizado para tratar de uma anemia. A morte também inspirou um post na conta oficial de Germano no Facebook: “Neste momento, infelizmente informamos que o Catedrático do Samba deixou esse plano. Indo para as esferas superiores”.

Catedrático do samba era, de fato, um de seus apelidos, especialmente por causa do jeito peculiar com que interpretava os sambas, sempre de forma sincopada, e, como acompanhamento, a batida com a tampa de uma lata de graxa, herança dos engraxates da Praça da Sé, com quem conviveu no início da década de 1950.

O sambista Germano Mathias , em sua casa no bairro da Brasilândia , na zona Oeste
O sambista Germano Mathias , em sua casa no bairro da Brasilândia , na zona Oeste Foto: Clayton de Souza / Estadão

Germano nasceu no bairro do Pari, em 2 de julho de 1934, filho de imigrantes portugueses. Aos 14 anos, foi convidado a integrar a escola de samba Rosas Negras, na ala da bateria.

Ele trabalhou como camelô, marreteiro e vendedor de pomadas e sabão até iniciar a carreira de músico no dia 26 de outubro de 1955, quando se apresentou no quadro À Procura de um Astro, do programa Caravana da Alegria, que J. Silvestre, Cláudio Luna e Élcio Álvares tinham na Rádio Tupi de São Paulo. Ele defendeu Minha Nega na Janela, composição sua com Firmo Jordão que mais tarde seria um dos seus sucessos em gravação pela Polydor. Foi o melhor entre 300 candidatos e ganhou um contrato com a Tupi, com duração de catorze meses.

Em 1957, ganhou o Troféu Roquette Pinto de revelação masculina (ao lado de Maysa, que ganhou o de revelação feminina), o que lhe deu um impulso na carreira. Já era conhecido quando começou a gravar composições de Zé Keti, que conheceu na Mangueira, no Rio.

O sucesso, porém, não durou muito - com a ascensão do rock nacional, Germano deixou de ser convidado para shows e gravar discos para trabalhar como oficial de justiça criminal. Mas desistiu da profissão quando acompanhou a polícia em um mandado de prisão e foi recebido a tiro. “Ser sambista é difícil, mas menos perigoso”, dizia.

Continua após a publicidade

Seu ressurgimento aconteceu no final dos anos 1970, quando Gilberto Gil gravou o disco Antologia do Samba-Choro, com diversas composições suas. Para sua decepção, a gravadora utilizou faixas antigas ao invés de convidá-lo para regravar ao lado de Gil.


O disco fez sucesso e prontificou o relançamento de discos antigos de Germano por parte da RGE e da CID. Em 2004, lançou Tributo a Caco Velho, em homenagem ao compositor gaúcho que tanto o influenciou, morto em 1971.

Em 2021, o compositor, cantor e produtor musical Manu Lafer assinou um tributo grandioso a Germano Mathias. O álbum #PartiuZePelintra - Tributo a Germano Mathias traz muitos nomes de várias gerações da música brasileira cantando 16 músicas.