quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Wilson Gomes - País tem duas correntes antipolítica, e ambas se baseiam no horror, FSP

 Mesmo depois das Trevas Bolsonaristas, última etapa da fase de devastação da vida pública nacional que foi motivada por uma enorme onda de sentimento antipolítica, há ainda quem realmente considere que o desprezo pela política é coisa muito sofisticada e nitidamente superior.

Mas não foi o antipetismo o combustível do ciclo de autodestruição que estará completando uma década este ano e que alimentou as várias camadas de crise que nos levaram quase ao fundo do abismo?

A ilustração em bico de pena, preto e branco, mostra um homem de camiseta que tem o braço direito esticado, a sua mão prende pelo pé um homenzinho que balança de  cabeça para baixo, veste terno e gravata, grita e gesticula. O homem de camiseta segura o nariz com a outra mão para evitar o mau cheiro que provém do homenzinho. No fundo, uma tempestade com nuvens avermelhadas.
Ilustração de Ariel Severino para coluna de Wilson Gomes - Ariel Severino

Certamente, mas o antipetismo é tão somente uma forma aguda do sentimento antipolítica que emergiu numa circunstância em que o PT vinha de três mandatos presidenciais seguidos.

Tanto é verdade que os portadores da atitude antipolítica viraram ferozes anti-Temer apenas seis meses depois de consolidado o impeachment de Dilma, sem nem trocar de luvas ou discurso. E os que permaneceram lúcidos também se tornaram antibolsonaristas quando se deram conta da farsa da "nova política" prometida pelo "mito" e da sua mais completa submissão às velhas raposas do Congresso.

O fato é que o sentimento antipolítica continua o básico da afetação de quem continua acompanhando a política institucional e o funcionamento do governo apenas para desprezá-los de pertinho.

Por outro lado, falar mal da política e de quem governa é tradição desde que os humanos inventaram formas de comunidade política. E um certo grau de hostilidade e desconfiança com relação ao poder político é um bom sinal de saúde política e autonomia de pensamento.

A antipolítica, contudo, é mais que isso: acontece quando numa sociedade há um baixíssimo grau de confiança nas instituições e nos atores da política contrastando com um elevado nível de ódio contra tudo que se refere à vida pública.

Resumo a crença antipolítica nacional em cinco dogmas: 1) a política é uma atividade indigna praticada por indivíduos rebaixados que lutam apenas pelos próprios interesses; 2) todo governo é uma corja; 3) todo partido político é uma quadrilha; 4) todos os políticos e portadores de mandatos são ou parasitas ou ativos delinquentes à espreita de uma oportunidade; 5) essas coisas só acontecem no Brasil.

Atualmente, há pelo menos duas grandes correntes de antipolítica no país. A primeira parte de uma posição superior que repete que Brasília é uma cloaca, não há político que preste, todo governante é um gângster.

E adora citar "a melô do despeitado" de Ruy Barbosa: "De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto".

Ruy merecia melhor sorte do que virar patrono do "mimimi" antipolítica.

A segunda posição antipolítica pode ser sintetizada na máxima de Danilo Gentili: "Existem níveis para otários. O otário nível master é aquele que acredita em político". O gentilismo provém do modelo-CQC, que considera que insultar e humilhar políticos é um ato de justiça.

Diferenciam-se basicamente porque o primeiro tipo é um decadentista bem-educado e o segundo tem na grosseria um dos seus programas fundamentais. Além disso, o gentilismo é instintivamente conservador (no caso, antiesquerdista visceral), embora os recursos intelectuais arregimentados para defender a sua posição nunca passem de dogmas.

Ambos os tipos consideram a política uma atividade rebaixada, mas o segundo não se contenta em desprezar grandes categorias como "os políticos", "os partidos" ou "o governo"; o seu desprezo precisa ser mostrado no varejo e ser "fulanizado": Sarney é ladrão, Dirceu é corrupto, Renan é patife, Lula é o nine, Dilma... Bem o que eles diziam de Dilma em 2014 eu prefiro não repetir.

Na antipolítica grossa, pessoas e instituições precisam ser ofendidas pessoalmente.

O segundo tipo é mais fácil de descartar intelectualmente, dada a sua brutalidade, mas é a forma mais difícil de ser superada na prática, não só porque dez anos de raiva política nos deixaram viciados, mas por ser o insulto muito menos exigente que o argumento.

O primeiro tipo, por outro lado, é mais difícil de se enfrentar intelectualmente, a não ser pela provocação clássica que diz que não há problema em se detestar a política, desde que se saiba que você será governado por quem gosta dela.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Como o grupo político de Tarcísio vai redefinir a cara do Tribunal de Contas de SP, OESP

 O grupo político do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), poderá, pela primeira vez, definir a “cara” do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Até o final de 2025, quatro dos sete integrantes do órgão vão se aposentar por idade e darão espaço a uma indicação direta do governador e outras três de aliados na Assembleia Legislativa, conforme antecipado pela Coluna do EstadãoO número de mudanças em uma gestão é recorde desde a redemocratização.

Responsável por fiscalizar os atos do governo e dos municípios paulistas – com exceção da capital –, o TCE também delibera sobre a legitimidade das operações do Estado. O órgão julga, por exemplo, se o governador tomou decisões que foram economicamente viáveis aos cofres públicos e não apenas se seguiu a lei, além de aprovar ou não as contas das gestões estadual e municipais.

O Presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP), Sidney Beraldo, com Secretários Estaduais de Desenvolvimento Urbano e Habitação e dos Transportes Metropolitanos
O Presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP), Sidney Beraldo, com Secretários Estaduais de Desenvolvimento Urbano e Habitação e dos Transportes Metropolitanos Foto: TCESP/Divulgação - 14/02/2023

Há 50 dias no comando do Palácio dos Bandeirantes e ainda em adaptação aos meandros da política paulista, Tarcísio deve recorrer à experiência do secretário de Governo, Gilberto Kassab (PSD), para bater o martelo sobre os nomes com o desafio de indicar técnicos. Mesmo as indicações do Legislativo costumam ter forte influência do governador. Há 11 anos uma vaga não se abria no tribunal.

Atenção

Deputados estaduais ouvidos pelo Estadão dizem acreditar que o deputado André do Prado (PL), que deve assumir a presidência da Alesp no mês que vem com a bênção do governador, também terá poder decisório no processo. A base aliada quer assegurar um nome de confiança, mas que também passe pelo crivo dos demais parlamentares – o escolhido precisa da aprovação do plenário.

Aliados de Tarcísio afirmam que o assunto ainda não está definido internamente, mas que o tema já é tratado com atenção no governo. De acordo com a legislação, aposentam-se compulsoriamente, até setembro de 2025, na ordem, os conselheiros Edgard Rodrigues, Robson Marinho, Roque Citadini e Sidney Beraldo. Todos completarão 75 anos. O substituto de Citadini será indicado por Tarcísio, e os dos demais, pela Alesp.

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Os deputados ainda não se debruçaram formalmente sobre o tema. Diferentemente do Congresso, a nova legislatura só toma posse em 15 de março, quando Tarcísio passará a contar com ampla base de apoio. Só o PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, ocupará 19 das 94 vagas da Casa.

Na Alesp, o processo relativo ao TCE segue ritos próprios. As bancadas partidárias devem apresentar um abaixo-assinado com os nomes preferidos, que são publicados e levados em consideração na elaboração de um projeto de decreto legislativo a ser levado à apreciação do plenário.

Para entender

  • Edgar Camargo Rodrigues: o conselheiro se aposenta no primeiro semestre de 2023. A vaga é destinada à Alesp. Ele foi servidor concursado da Assembleia e também ocupou funções no Executivo paulista antes de sua nomeação ao TCE.
  • Robson Marinho: o conselheiro deixa o cargo no primeiro semestre de 2025. A vaga é destinada à Alesp. Antes de sua indicação, foi deputado estadual por duas legislaturas (1974 a 1982), e deputado federal constituinte (1987 a 1990).
  • Antonio Roque Citadini: O conselheiro também deixa o cargo no primeiro semestre de 2025, mas sua vaga será preenchida por indicação direta do governador. Teve extensa carreira como jurista antes de assumir o cargo em 1988.
  • Sidney Beraldo: O atual presidente do TCE se aposenta no segundo semestre de 2025 e sua vaga será preenchida por indicação da Alesp. Foi deputado estadual por três legislaturas (1998, 2002 e 2006) e secretário de Gestão Pública do Estado.
  • Outras vagas: Há ainda outras duas vagas reservadas ao governador, mas que passam por indicação obrigatória do Ministério Público de Contas e do corpo de auditores fiscais.
  • Vacância: Não há prazo para que o novo conselheiro seja escolhido. Se a vaga ficar livre, o colegiado escolhe um auditor para ocupar o cargo por até 90 dias.

Técnico

Para o presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas (ANTC), Ismar Viana, o equilíbrio fiscal das contas públicas passa pela forma com os tribunais se estruturam. Segundo ele, o desafio imposto a Tarcísio e a outros governadores é o de seguir a legislação na proposição de um nome que contemple requisitos de idoneidade moral, reputação ilibada, notórios conhecimentos jurídicos, contábeis e de administração pública, além de mais de dez anos de atividade profissional nessas áreas.

Os pressupostos citados foram definidos na Constituição para as indicações ao Tribunal de Contas da União (TCU). Mas há jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) que prevê simetria para que os tribunais estaduais sigam os mesmos preceitos. “O técnico consegue transitar no ambiente político, é sensível às demandas sociais, mas é responsável com a legalidade”, disse Viana. Ele também destacou que indicações que não respeitem critérios técnicos agravam o sistema de controle no Brasil.

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Conselheiros do TCE-SP, por exemplo, já foram citados em investigações. Em 2018, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) tomou como suspeitas de prática de lavagem de dinheiro transações do ex-presidente do TCE Fulvio Julião Biazzi.

Também ex-conselheiro, Eduardo Bittencourt foi citado por delatores da Andrade Gutierrez, Odebrecht e OAS por supostamente exigir uma porcentagem de contratos do Metrô em troca de votos favoráveis aos consórcios. Ele chegou a ser afastado do cargo, assim como Robson Marinho, em agosto de 2014, por supostamente ter uma offshore na Suíça com saldo de US$ 3 milhões. Todos sempre negaram qualquer irregularidade.

Concessões e renúncias fiscais

Se as promessas de campanha de Tarcísio forem cumpridas, o novo conselho do TCE terá de se debruçar, nos próximos anos, sobre contratos de concessões e privatizações, além de uma demanda há tempos cobrada dos gestores paulistas: transparência na definição do programa de renúncias fiscais direcionado a determinados setores econômicos.

Relutante sobre o tema ao longo da campanha, Tarcísio afirmou, depois de eleito, que tem a intenção de privatizar a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). O governador determinou estudos sobre o negócio, mas adiantou que pretende seguir o modelo usado pelo governo Jair Bolsonaro (PL) na venda da Eletrobras.

A formulação do negócio – o maior planejado por Tarcísio – deverá envolver equipes do governo e do TCE, a fim de evitar problemas durante o leilão. Ampliar o acesso às informações requisitadas pela Corte de contas será um dos principais desafios que o governo terá de enfrentar com a atual composição do TCE, assim como a futura. Já neste início de gestão, Tarcísio precisará reavaliar contratos e editais de concessão propostos por antecessores no cargo, mas suspensos pelo tribunal.

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Entre novembro e dezembro, os conselheiros suspenderam um edital aberto pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran-SP) para contratar serviços de Tecnologia da Informação e Comunicação que totalizavam R$ 890 milhões. O motivo alegado foi o de a concorrência ter “fortes indícios” de direcionamento.

Os conselheiros também interromperam um edital aberto pela Secretaria de Orçamento e Gestão para a concessão de serviços de loteria pelo prazo de 20 anos. O valor estimado do contrato era de R$ 906 milhões. Entre os motivos da suspensão, o órgão questionou a formulação do estudo de viabilidade econômico-financeira.

Isenção

A concessão de benefícios fiscais é objeto de análise sistemática pelo TCE dada a falta de transparência, segundo o órgão, na divulgação de informações sobre os valores usufruídos pelos beneficiários das renúncias. Desde 2017, recomendações são feitas pela Corte a fim de superar as inconsistências, mas sem sucesso. O caso já foi parar até na Justiça por iniciativa de deputados da oposição. Os governos tucanos alegam sigilo fiscal ao não divulgar os dados.