"Se um não quer, dois não brigam", disse Lula da Silva sobre a Guerra da Ucrânia. É uma frase belíssima, embora não forte o suficiente para garantir ao Brasil o tão almejado lugar como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Verdade que Lula, na visita a Joe Biden, emendou a mão. Mas a proeza diplomática estava feita. Nem a China chegou a tanto.
Lula não é caso único. Passa hoje um ano sobre a invasão russa da Ucrânia. Sabemos o básico: a Ucrânia era um país soberano; a Ucrânia não era, nem seria, membro da Otan. Mas a Ucrânia desejava (e deseja) pertencer à União Europeia, uma aspiração legítima, porém remota, atendendo à corrupção e à fragilidade da sua democracia.
Um dia, talvez, quem sabe...
Nada feito. Para uma parte da opinião pública e publicada, que ironicamente se situa nos extremos, a Ucrânia é nada. É um pedaço da União Soviética —versão da extrema esquerda— ou da Rússia imperial —extrema direita— que deve submeter-se à pata de Moscou sem resistência de qualquer espécie.
Ah, os bons espíritos sempre se encontram...
No mundo dos "pacifistas", se a Ucrânia não se defendesse, a guerra acabaria no minuto seguinte. E acabaria como?
Obviamente, pela ocupação do leste do país e, a prazo, de toda Ucrânia. A ideia de "paz" que percorre o crânio dos "pacifistas" é a paz dos cemitérios.
Eis a prova de que a humanidade aprende pouco com o passado. Porque é o passado que nos interpela quando olhamos para a tragédia em curso.
Para começar, Vladimir Putin foi aos manuais da Segunda Guerra para justificar as suas predações territoriais. Hitler, convém lembrar, nunca invadia nada; ele apenas defendia os interesses dos povos germânicos espalhados pela Europa —na Renânia, na Áustria, na Tchecoslováquia, na Polônia.
Putin, em rigor, também não invade; ele protege as populações russas do leste da Ucrânia e, em referendos tão válidos quanto os referendos de Hitler, mascara a violência com a fraude da legitimidade.
A política de genocídio, uma palavra que Lula gosta muito de usar, também não destoa. Durante a Segunda Guerra, foi política nazista sequestrar as crianças dos territórios ocupados e enviá-las para a Alemanha, desde que elas cumprissem os admiráveis ideais arianos.
No total da Europa de Leste —União Soviética inclusa, veja só a ironia—, terão sido centenas de milhares.
A Rússia de Putin segue bons exemplos. Segundo um relatório recente do Yale Humanitarian Research Lab, 6.000 já desapareceram do território ucraniano.
Existem quatro tipos de alvos nesses sequestros: os órfãos de guerra; os menores que já estavam em instituições ucranianas de acolhimento antes da guerra; crianças cujas famílias não foram localizadas ou identificadas; e crianças que as famílias foram obrigadas a ceder aos russos para "campos de férias", ou seja, campos de reeducação onde são moldadas segundo os valores do Kremlin.
Durante esse ano, foram identificados 43 desses campos, na Crimeia e no interior da Rússia, dois deles na boa e velha Sibéria.
Podem chamar-me sentimental. Mas eu acho que é perfeitamente possível chorar o destino das crianças yanomamis e encontrar também algum espaço de empatia para essas crianças ucranianas que não voltarão mais.
Por último, Putin também pensa que é um gênio militar. Tal como Hitler. Em 1941, e contra a melhor opinião dos seus generais, o ditador alemão decidiu invadir a União Soviética.
A sorte da URSS, tal como lembrou recentemente o grande historiador Laurence Rees, foi Stálin ter começado a escutar os seus generais depois do desastre de Kharkov —na Ucrânia, atual Kharkiv, onde morreram 250 mil soldados do Exército Vermelho às mãos dos nazistas por responsabilidade do ditador soviético.
Um ano depois da invasão, estou com Laurence Rees: se Putin nunca aprender com os seus erros, e o rodízio de lideranças militares parece confirmar isso, então talvez haja esperança para a Ucrânia.