segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Quem pode pagar sai de helicóptero enquanto Sahy vive 'cenário de guerra', diz hóspede ilhada, FSP

 

RIO DE JANEIRO

Não era uma tempestade qualquer. "Tinha chuva e uns jorros de água que vinham por cima da chuva, como se alguém estivesse jogando uma caixa d'água em cima da gente", lembra a roteirista Ana Reber.

Ela foi passar o Carnaval num condomínio na Barra do Sahy, a mais afetada das regiões devastadas pelo temporal que atingiu o litoral paulista neste fim de semana. Acordou por volta da meia-noite de domingo (19) com a casa que alugou para o feriado toda alagada. O primeiro instinto foi desplugar todas as tomadas, para evitar choques.

Passaram a noite ouvindo gritos de gente procurando por pessoas desaparecidas. Seu condomínio fica atrás de um morro que sofreu deslizamentos severos. "Fomos perceber dimensão da coisa só no dia seguinte, quando começamos a ver os helicópteros rondando e as pessoas desesperadas."

Imagens feitas por drone mostram destruição da lama na barra do Sahy, região mais atingida de São Sebastião
Imagens feitas por drone mostram destruição da lama na Barra do Sahy, região mais atingida de São Sebastião - José Ricardo Souza/Sky Imagens

Reber ainda não sabe quando ela, o marido, a filha de 4 anos e uma sobrinha de 14 anos, da Argentina, conseguirão voltar do Sahy. Conta que algumas pessoas estão saindo por barco até Juquehy, praia vizinha da mesma cidade, São Sebastião, e de lá pegando um táxi até São Paulo.

Há ainda as que vão embora de helicóptero, o que lhe parece obsceno no meio do que descreve como "cenário de guerra" com "muito morto" e "gente perambulando com bebê". "Dá ódio. Helicóptero que poderia ser usado para resgatar ou trazer remédio, colchão. O mínimo era abastecer o helicóptero com doação na vinda."

Depois que a casa onde estava hospedada alagou, ela pediu ajuda a única residência do condomínio que não havia sido invadida por chuva. Continuava lá na tarde desta segunda (20). A região, até aquele momento, permanecia inacessível por terra.

A eletricidade voltou, o abastecimento de água idem, mas não sabe por quanto tempo. Chegaram a jogar cloro na piscina, caso precisassem usar aquela fonte. O condomínio abriga umas cinco ou seis famílias desalojadas de suas casas pelo temporal.

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O jeito foi organizar um mutirão de comida para todos. As filas do mercado, segundo a roteirista, demoravam cerca de duas horas.

Com permissão de proprietários que não estavam no local, os imóveis desocupados do condomínio receberam famílias que não tinham para onde ir.

"A [casa] em que estamos também vai ser disponibilizada assim que a gente sair. As pessoas vêm de todos os lados do Sahy. Uma senhora entrou numa sala onde só tinham bebês mortos. Ela está em choque."

Instituto Verdescola, uma ONG local, está recebendo doações para ajudar os desabrigados pela tragédia. A demanda maior é por água. De comida, sugere itens como molho de tomate, café, macarrão, legumes e frutas, óleo, leite, achocolatado, pão e feijão. Também menciona itens de higiene, como papel higiênico, sabonete e escova e pasta de dente.

Em redes sociais, a ONG também pede "a gentileza para não saquearem as residências da Vila Sahy" neste "momento difícil para as famílias".

Ruy Castro - Não é só isso que se vê, FSP

 


Quando a Mangueira pisar o Sambódromo na madrugada desta segunda-feira, levantará a avenida, como faz em todos os Carnavais. Sua torcida é imensa e nacional. Quantos de fora do Rio, no entanto, sabem que, assim como as outras escolas cariocas, Mangueira não é só o endereço de um barracão, mas uma comunidade que já se via e se sabia como tal desde o século 19, muito antes do primeiro tamborim? E que como tal foi cantada em samba e verso por muita gente boa? Exemplos.

"Em Mangueira, na hora da minha despedida/ Todo mundo chorou, todo mundo chorou/ Foi pra mim a maior emoção da minha vida/ Porque em Mangueira o meu coração ficou...", de Benedito Lacerda e Aldo Cabral, no Carnaval de 1940. "Mangueira/ Onde é que estão os tamborins, ó nega/ Viver somente de cartaz não chega/ Põe as pastoras na avenida/ Mangueira querida", de Pedro Caetano, em 1947.

"Aquele mundo de zinco que é Mangueira/ Desperta com o apito do trem/ Uma cabrocha, uma esteira/ Um barracão de madeira/ Qualquer malandro em Mangueira tem...", de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira, em 1952. "Fala, Mangueira, fala/ Mostra a força da tua tradição/ Com licença da Portela, Favela/ Mangueira mora no meu coração...", de Mirabeau e Milton de Oliveira, em 1956. "Levanta Mangueira/ A poeira do chão/ Samba de coração/ Mostra a sandália de prata da mulata/ A voz da cuíca e o tamborim/ Mostra que o samba nasceu em Mangueira, sim...", de Luiz Antonio, em 1959.

Mas como superar este samba de 1968? "Vista assim do alto/ Mais parece o céu no chão/ Sei lá, em Mangueira a poesia, feito um mar, se alastrou/ E a beleza do lugar, pra se entender/ Tem que se achar/ Que a vida não é só isso que se vê/ É um pouco mais/ Que os olhos não conseguem perceber/ E as mãos não ousam tocar/ E os pés recusam pisar/ Sei lá, não sei/ Sei lá, não sei...".

De Hermínio Bello de Carvalho e do portelense Paulinho da Viola.

Os mangueirenses Cartola e Nelson Cavaquinho desenhados por Lan para o livro 'É Hoje!', de Haroldo Costa
Os mangueirenses Cartola e Nelson Cavaquinho desenhados por Lan para o livro 'É Hoje!', de Haroldo Costa - Heloisa Seixas

Alvaro Costa e Silva - Bolsonaro ensaia novo papel: o de mártir, FSP

 Seria mais sensato ignorar um mentiroso. Um candidato que desconsiderou, desrespeitou e tentou fraudar o processo eleitoral, acabou derrotado e deixou o país com o rabo entre as pernas para não presenciar a posse de seu adversário. Só que o bolsonarismo não morreu com a vitória de Lula. Como tampouco morreu o antipetismo que alimenta o mentiroso.

Mesmo enfraquecido e desacreditado (tomou ou não tomou a vacina contra a Covid?), Bolsonaro consegue ficar em evidência esticando a corda do destino. Volta ou não volta? Permanece nos EUA ou foge para a Itália? Será preso, se retornar ao Brasil? Ficará inelegível? O que ele quer é isso: perturbar, mesmo de longe, o ambiente político e assegurar o comando não da oposição democrática e sim dos extremistas capazes de tocar o terror nas sedes dos três Poderes e explodir o aeroporto de Brasília. Tudo para manter acesa a chama do golpismo.

Bolsonaro afirmou em entrevista ao Wall Street Journal que voltará em março –mas quem acredita? Também disse que, pisando solo brasileiro, poderá ser preso "do nada". (Cá para nós, nunca o nada teve tanta substância.)

Um grupo de aliados defende que ele fique por lá, conspirando com a extrema-direita americana e perambulando por supermercados, até maio ou junho, sem dar importância à imagem interna de fujão, de alguém que teme as ações do Judiciário. Outros interlocutores do ex-presidente propõem uma jogada arriscada. Retornar e forçar a própria prisão, inaugurando uma nova fase: o Bolsonaro mártir.

inelegibilidade –que, com tantos batons na cueca, é apenas questão de tempo e de estratégia no Tribunal Superior Eleitoral– não o incomoda. Autocratas, que vivem de atacar e destruir as instituições, não têm respeito pelo voto. Bolsonaro foi golpista nos anos de baixo clero na Câmara, esteve golpista na Presidência, está golpista na Flórida e será golpista quando inelegível.