terça-feira, 19 de julho de 2022

Alvaro Costa e Silva - Botecos de Copacabana venceram a pandemia, FSP

 Como é de conhecimento geral, Marcello Crivella foi o pior prefeito da história do Rio. A prova é que, mesmo sendo sobrinho do homem, a Igreja Universal barrou sua candidatura a governador. Mas Crivella, vá lá, fez uma coisa boa. Uma única: em 2018 decretou o tombamento de oito pinturas a óleo de Lino e Nilton Bravo, pai e filho, que decoram bares da cidade, entre os quais o Jobi, no Leblon, e o Flor de Coimbra, na Lapa.

Quadro de Nilton Bravo na parede do Adega Flor de Coimbra, tradicional botequim do Rio que fechou durante a pandemia
Quadro de Nilton Bravo na parede do Adega Flor de Coimbra, tradicional botequim do Rio que fechou durante a pandemia e se prepara para reabrir as portas - Rixa/Arquivo Pessoal


Foi uma surpresa. Ninguém jamais viu Crivella entrar num boteco, muito menos desconfiava que ele apreciasse a palheta de Nilton Bravo. A pedido do freguês, o pintor não se importava em recriar no mesmo cenário, de maneira harmoniosa, o Pão de Açúcar, a Igreja da Penha e o Maracanã. Mas o ex-prefeito tinha de honrar a fama: deixou sem proteção outras 10 pinturas do "Michelangelo dos botequins", as quais podem desaparecer.


Se até os bares morrem, o que dizer dos murais coloridos e delirantes? Muitos estabelecimentos sumiram do mapa na pandemia. Um bairro, no entanto, se destacou na luta pela sobrevivência: Copacabana, com seus pés-sujos, pés-limpos (um deles, o Sat’s, virou o mais novo patrimônio cultural na lista da prefeitura) e restaurantes tradicionais como o La Fiorentina, no Leme, cujo imóvel acaba de ser tombado por Eduardo Paes.


Num ato cívico-etnográfico-carioca, um morador de Copa registrou a vida de 75 botecos e publicou a lista com fotos no Twitter. Tudo foi apurado a pé, segundo Eduardo Freitas, o "Preá", que andou e bebeu 3,5 quilômetros, da rua Joaquim Nabuco até a avenida Princesa Isabel.


Outro dia o historiador Luiz Antonio Simas, numa mesa do Bode Cheiroso, lembrou que birosca é anagrama de rabisco e que o melhor lugar para rascunhar ideias é o bar. Para conversar continua ótimo, tendo-se o cuidado, nos dias que correm, de deixar o menu político de fora. Xingar o técnico português do Botafogo ainda é permitido.

Cristina Serra - O Brasil dos esquadrões da morte, FSP

 Policiais militares de Minas Gerais executaram a tiros um homem negro e desarmado, em Contagem, neste fim de semana. Imagens de celular gravadas por testemunhas (publicadas no site G1) mostram o momento em que um dos agentes leva Marcos Vinícius Vieira Couto, 29 anos, para trás de uma Kombi. Em seguida, dá para ouvir e ver os clarões de três disparos em sequência.


A PM mineira divulgou nota com versão inverossímil de resistência à prisão. O comando da instituição, a secretaria de Segurança Pública e o governador Romeu Zema, candidato à reeleição, têm a obrigação de mandar investigar e punir os responsáveis pela barbárie. Caso contrário, estarão protegendo criminosos e concordando com a aplicação da pena de morte contra civis sem direito à defesa e a processo, sem julgamento e sem condenação.

Ato em São Paulo contra a violência policial e a morte de Genivaldo de Jesus, em Sergipe - Bruno Santos - 1.jun.22/Folhapress


Polícia bandida não é uma novidade no aparato de segurança brasileiro. A violência como método está entranhada na formação dos agentes. Nem mesmo a Constituição de 1988 foi capaz de reverter tal anomalia e manteve a estrutura policial baseada na Doutrina de Segurança Nacional.


A difusão da lógica bolsonarista de que tudo se resolve a bala potencializou a brutalidade nas ruas. Basta lembrar a morte de Genivaldo Jesus dos Santos, também negro, assassinado por agentes da Polícia Rodoviária Federal na viatura transformada em câmara de gás, há quase dois meses, em Sergipe.


Nem mesmo as filmagens intimidam os criminosos. Além da certeza de impunidade, sabem que parte da sociedade aceita e até aplaude a violência policial. É forçoso reconhecer que a falta de segurança transforma parte da população em presa fácil do discurso extremista de que "bandido bom é bandido morto".

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O Brasil precisa de paz e de respeito aos direitos humanos, e isso não é incompatível com políticas de segurança e condições de trabalho adequadas para os bons policiais. Uma democracia verdadeira não pode tolerar a existência de esquadrões da morte.


Hélio Schwartsman -Provável governo Lula precisará enquadrar os militares, FSP

 Até a segunda-feira (18/7), quando escrevo estas linhas, o presidente Jair Bolsonaro não desferiu um golpe de Estado com o apoio das Forças Armadas. O simples fato de eu ter escrito essa frase fora de um romance de realismo fantástico já denota algo de errado. Numa democracia do século 21, o comprometimento dos militares com a ordem constitucional nunca poderia ser uma incógnita. Mas, desde que Bolsonaro chegou ao poder, talvez até um pouco antes, se tornou.

Soldados em solenidade de brevetação da Brigada de Infantaria Paraquedista, na vila militar, no Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli - 8.jul.22/Folhapress


Não vou repassar aqui toda a lista de ações temerárias e declarações ameaçadoras dos generais mais atrelados ao governo, mas ela é grande e cresce semanalmente. Minha proposta hoje é lançar ideias do que fazer para diminuir os apetites golpistas dos militares, no cenário de vitória de Lula, que me parece o mais provável, embora não assegurado.


A primeira medida, creio, deveria ser aprovar uma lei que impeça oficiais da ativa e da reserva remunerada de exercer cargos no governo, com exceções contáveis nos dedos nos ministérios da Defesa, Segurança Institucional e Relações Exteriores. Fora disso, apenas militares reformados, isto é, já definitivamente afastados da instituição, poderiam exercer postos políticos.


Também mexeria na formação dos oficiais, estimulando ao máximo cursos feitos fora do ambiente militar. É preciso arejar mais as ideias.


Por fim, eu repensaria o tamanho das Forças. O Brasil não precisa de capacidade ofensiva. Não acho que devamos retomar o Uruguai, que já foi província brasileira. Basta-nos uma força capaz de dissuadir fantasias de conquista territorial de algum vizinho belicoso. Não precisamos de porta-aviões, submarinos nucleares nem de grandes infantarias.

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Tudo isso, obviamente, são questões em aberto que o país precisa debater. O que não dá para aceitar é que servidores públicos que recebem armas e são pagos para proteger a nação se tornem eles próprios um foco de instabilidade.