quinta-feira, 12 de maio de 2022

Manifesto alarmista debaixo de fuzil, Conrado Hübner Mendes, FSP

 Intérpretes do Brasil não sabem responder ao enigma psicopolítico do nosso tempo: a sociedade brasileira fez pouco caso, por 30 anos, da vocação demasiadamente desumana de seu psicopata maior, sucedida por quatro anos de promessas de morte cumpridas, ou seu psicopata maior encarna desejo coletivo inconfesso? Foi um surto de autoengano suicida e democida, ou execução de plano homicida? Déficit cognitivo ou torpeza moral?

Bolsonaro foi culposamente mal compreendido ou dolosamente atiçado? As 700 mil vidas, a Amazônia, os indígenas, a pobreza, a fome, a corrupção holística, o sigilo para interesse pessoal e a queda vertiginosa de indicadores de segurança e liberdade: sem querer ou sem querer querendo? Se 2018 deixava dúvidas, 2022 dificultará a vida no armário.

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O presidente Jair Bolsonaro (PL) - Evaristo Sá - 5.mai.22/AFP

Meu assombro com Bolsonaro e com a afasia coletiva diante de sua repugnância espalhafatosa começou na adolescência, quando da tribuna um deputado defendia o fuzilamento do presidente FHC. Um tio militar, admirador da virilidade de Collor, assentia.

Em 2014, a rendição de Dilma perante deputado que forjou o "kit gay" e a levou a eliminar programas de inclusão e demitir gestores, já me despertava o alarmismo. Escrevi no Estadão: "Quando o medo da derrota sequestra lideranças que em silêncio desidratam projetos de implementação de direitos, o alarme passa a tocar" ("Reféns do bolsonarismo").

Em 2018, um dos mais histriônicos e violentos ativistas brasileiros, prestes a vencer as eleições, prometia jogar ativistas na ponta da praia (onde milicos desovavam corpos). Quando o presidente diz que te odeia, não é um ódio qualquer. É ódio do presidente. Nas tiranias do século passado, esse tipo de ativismo recebeu outros nomes.

Já sabíamos que PIB e PIBB (Produto Interno da Brutalidade Brasileira) não podiam crescer juntos de forma sustentável. A delinquência política não estava precificada. A ciência social e econômica avisava. A Faria Lima relinchava e Paulo Guedes rebolava.

Pagamos o preço intangível da omissão do Congresso Nacional diante de crimes de responsabilidade seriais e submissão do procurador-geral da República diante de crimes comuns; do negacionismo político, climático e sanitário; do colaboracionismo amedrontado de instituições de estado e de partidos venais; da revogação tácita de capítulos da Constituição, cujas "quatro linhas" vão sendo traçadas por generais revanchistas contra a democratização.

O revanchismo que o STF, em 2010, tentou evitar ao interpretar a Lei de Anistia, fechando os olhos para crimes contra a humanidade, retornou contra o mesmo STF.

Enquanto perguntamos se haverá golpe, qual golpe e o que fazer quando o golpe vier, mal percebemos que o clima de golpe iminente já vai fazendo seu serviço: instituições eleitorais operam no limite do stress e do erro, reféns do assédio e desprovidos de meios para lidar com a metralhadora de desconfiança em massa. O TSE não tem fôlego para organizar eleições sob a mira de um fuzil.

O clima de golpe mantém em alerta falanges armadas e com instintos à flor da pele. Qualquer faísca pode provocar eventos isolados de violência, sair do controle e entornar o caldo. Instituições com medo entram em modo sobrevivência, tentadas a ceder.

Funciona assim a transição para um regime de eleições sem democracia, ou de autoritarismo eleitoral. Nesse regime, eleições servem ao autocrata.

Já sabemos bastante sobre 2022. Sabemos que não haverá eleições livres e pacíficas, pois irreversivelmente intoxicadas. Bolsonaro não reconhecerá eventual derrota. Forças Armadas o apoiarão. Presidente derrotado incitará convulsão social. Vencedor talvez não consiga assumir.

Sabemos também que um desastre repentino, velho truque da cartilha que manda incendiar o Reichstag para prender comunistas, pode eclodir. Choques fabricados em laboratório autocrático, se não neutralizados a tempo, desencadeiam emergência e o fechamento do regime. Militares não devem errar no próximo Riocentro.

O historiador Timothy Snyder recomenda "calma quando o impensável acontecer" ("Tirania: vinte lições do século 20"). Mas não tanta calma. O impensável já está acontecendo.


Exército sob Bolsonaro, Ruy Castro - FSP (definitivo e muito bom!)

 Jair Bolsonaro lembra aqueles meninos covardes que chamam alguém para a briga e, quando o outro topa, fogem correndo para o irmão mais velho, chorando e pedindo que ele brigue em seu lugar. É o que vem fazendo desde o dia em que tomou posse —chamando as instituições para brigar e, quando estas se cansam de ser provocadas e reagem, ele induz as Forças Armadas a promover desfile de canhão, sobrevoo da capital e bravatas de oficiais sem compostura. Entre uma e outra ameaça, cavalga motocicletas, jet skis e cavalos propriamente ditos, sempre em turma e contando com o apoio armado.

O Exército Nacional já foi mais exigente. Os generais do regime militar, com tudo o que nos custaram, eram pelo menos ciosos de três coisas: o crescimento econômico, a Petrobras e a Amazônia. Exatamente o que Bolsonaro detesta. Certa ou errada, eles tinham uma ideia de desenvolvimento e de modernização do Brasil. Sob Bolsonaro, ao contrário, já estamos perto do crescimento zero, da desmoralização da estatal e da destruição da floresta --programas que, com um segundo mandato, ele completará. Falta-me cultura política para entender o que o país ganha com isso e por que o pessoal fardado o aprova.

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Imagino o que Castello Branco, Costa e Silva, Médici e Figueiredo diriam de Bolsonaro. De Geisel não precisamos imaginar. Em seu longo depoimento a Maria Celina d'Araujo e Celso Castro, que resultou no livro "Ernesto Geisel" (Editora FGV, 1997), lê-se às páginas 112-113:

"Neste momento, há muitos dizendo: 'Temos que dar um golpe! Temos que voltar à ditadura militar!'. E não é só o Bolsonaro, não. [...] [Mas] Não contemos o Bolsonaro, porque o Bolsonaro é um caso completamente fora do normal, inclusive um mau militar."

Geisel declarou isso em 1993. Bolsonaro era só um deputado marca barbante. Sorte do general, que não viveu para ver a quem as Forças Armadas têm hoje de obedecer.

Bolsos e mentes, FSP

 

(Resende - RJ, 05/12/2020) Presidente da República Jair Bolsonaro, conversa com os aspirantes antes da cerimônia.Foto: Marcos Corrêa/PR
O presidente Jair Bolsonaro (PL) entre militares - Marcos Corrêa/Divulgação Presidência da República

Jair Bolsonaro (PL) seduz setores das corporações armadas com um ideário que vai da defesa de policiais e militares envolvidos em operações controversas até a apologia da ditadura, qualificação que rejeita, instaurada após o golpe de 1964.

"Meu Exército" é como o capitão reformado gosta de se referir à Força que deixou há mais de 30 anos para seguir carreira política. Sempre que pode, Bolsonaro usa a identificação com a caserna como instrumento de intimidação política e institucional —a atual pressão do Ministério da Defesa sobre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é apenas o exemplo mais recente.

Mas não é apenas com ideologia que o mandatário busca cooptar militares. Os bolsos das fardas também têm sido agraciados com benesses de dimensões e justificativas variadas em seu governo, em contraste com restrições orçamentárias enfrentadas pela maioria dos setores da administração.

Um exemplo vexatório é o da portaria editada em abril do ano passado para permitir o acúmulo de remunerações em valor acima do teto salarial do serviço público, hoje de R$ 39,3 mil mensais.

Embora válida também para civis, a medida foi particularmente proveitosa para militares inativos que ocupam postos na gestão federal, casos do próprio Bolsonaro, em menor escala, do vice, Hamilton Mourão, e de ministros.

Como noticiou a Folha, o general da reserva Luiz Eduardo Ramos, titular da Secretaria-Geral da Presidência, engordou seus contracheques em R$ 350,7 mil ao longo de 12 meses graças à norma, recebendo ao todo R$ 874 mil no período.

Seu congênere Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, foi o segundo maior beneficiário na caserna, com R$ 342 mil de um total de R$ 866 mil. Ao todo, 43 reservistas se beneficiaram da portaria —que tem amparo legal, ressalve-se, mas claramente dribla o propósito do teto.

Há agrados mais amplos e custosos aos fardados. Por ocasião da reforma previdenciária, em 2019, eles obtiveram uma reestruturação vantajosa de carreira, o que destoa do controle de reajustes e contratações corretamente aplicado ao restante dos servidores.

Em consequência, dados do Tesouro Nacional apontam que o gasto federal com pessoal militar ativo cresceu 5,7% acima da inflação sob Bolsonaro até 2021, enquanto os desembolsos com os funcionários civis tiveram queda de 8,4%.

O problema está menos na despesa mal justificada do que numa relação imprópria entre presidente e Forças Armadas, que inclui uma distribuição despropositada de cargos no Executivo e nas estatais —e aberrações como o envolvimento, voluntário ou não, na ofensiva contra o processo eleitoral.

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