quarta-feira, 11 de maio de 2022

Quando uma floresta de araucárias cobria a metrópole paulistana, Agência Fapesp FSP

 Gilberto Stam

AGÊNCIA FAPESP

A geóloga Adriana Camejo Aviles, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ficou impressionada com a quantidade e variedade de vestígios vegetais acumulados a 14 metros de profundidade do solo da cratera de Colônia.

O local é uma área circular com 3,6 quilômetros de diâmetro formada entre 30 milhões e 5 milhões de anos atrás e atualmente ocupada por arbustos e gramíneas, casas, sítios de hortaliças, trilhas e cachoeiras no extremo sul da capital paulista, no bairro de Vargem Grande, no distrito de Parelheiros.

Seu trabalho —ao lado de outro, com a descoberta de organismos aquáticos— registrou sinais de vida nessa região e indica qual era a vegetação predominante em épocas mais recentes.

Em apenas 0,5 grama de solo, Aviles encontrou um conjunto de polens e esporos representando 115 espécies de plantas, com alguns grupos que crescem em ambientes frios, típicos de floresta de Araucária. Detalhado em um artigo publicado na revista Grana em julho de 2021, o levantamento reúne 1 alga, 10 espécies de samambaia, 45 de plantas com flores e 2 pinheiros.

Pólen da família das poáceas, a mesma do arroz e do milho, encontrado nos sedimentos da cratera de São Paulo, na zona sul da capital
Pólen da família das poáceas, a mesma do arroz e do milho, encontrado nos sedimentos da cratera de São Paulo, na zona sul da capital - Adriana Camejo Aviles/Unicamp

A idade das amostras de polens, entre 180 mil e 135 mil anos, corresponde à penúltima glaciação, quando um manto de gelo cobria uma vasta extensão do planeta. Sua descoberta indica que uma vasta floresta de araucária (Araucaria angustifolia) deve ter coberto o território que hoje corresponde à cidade de São Paulo e provavelmente grandes extensões do estado.

Seria uma paisagem similar à encontrada hoje no interior do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul e nas regiões mais altas e frias dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

"Dezoito espécies de plantas que viviam na cratera naquela época desapareceram da região. As duas de pinheiros persistem apenas nas matas de araucárias das regiões Sul e Sudeste", conta Aviles.

Um pólen classificado no gênero Acaena ou Polylepis, da família Rosaceae, a mesma das roseiras, das macieiras e de arbustos dos Andes, representa uma espécie bastante ameaçada com a elevação da temperatura das últimas décadas. Segundo ela, a extinção local e permanência das plantas em outras regiões refletem mudanças do clima nos últimos 180 mil anos.

"A vegetação começou a mudar há cerca de 135 mil anos, quando terminou o período glacial e aumentou a influência dos ventos de monções do verão, que entram na América do Sul pelo norte e ainda hoje trazem a umidade da Amazônia para a região Sudeste", explica a bióloga colombiana Paula Rodríguez-Zorro, da Universidade Nacional da Colômbia, autora de artigo publicado na revista Scientific Reports em abril de 2020 sobre as transformações do clima na região.

Até a chegada das monções, ventos frios vindos do sul passavam pelo atual estado de São Paulo durante o ano todo e favoreciam o crescimento de plantas como as araucárias. Com o aumento da temperatura e da umidade, a vegetação se adensou e formou a floresta tropical hoje conhecida como Mata Atlântica.

Na última glaciação, entre 70 mil e 14 mil anos atrás, com o clima mais frio e seco, incêndios naturais — como indica o carvão detectado nas amostras— abriam clareiras que formavam grandes campos de altitude.

Por causa dessas mudanças, as populações de araucárias sofreram reduções contínuas até desaparecerem por completo da região há cerca de 45 mil anos, quando as monções já haviam tornado o
clima mais quente e úmido, favorável à mata tropical.

ALGAS

"É emocionante pensar que esses seres microscópicos viveram há 1,5 milhão de anos", diz a botânica Gisele Carolina Marquardt, da Universidade Univeritas (UNG), na Grande São Paulo, ao mostrar os fósseis de diatomáceas, organismos aquáticos coletados na cratera, como resultado de um estágio de pós-doutorado no Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA).

Diversidade coberta pelos sedimentos (da esq. para a dir.): pólen dos gêneros Myriophyllum e Bauhinia e esporo de Lycopodium
Diversidade coberta pelos sedimentos (da esq. para a dir.): pólen dos gêneros Myriophyllum e Bauhinia e esporo de Lycopodium - Adriana Camejo Aviles/Unicamp

Situadas na base da cadeia alimentar e servindo como fonte de alimento para outros organismos, as diatomáceas são algas microscópicas unicelulares, com carapaças de sílica que se encaixam perfeitamente, como a tampa sobre um estojo de joias. Sua composição facilita a preservação nos sedimentos.

"Como as mudanças ambientais afetam sua composição, diversidade e abundância, as diatomáceas são excelentes registros de modificações nas características e no nível de água de um lugar", diz Marquardt.

Com seus colegas do IPA e do Luxembourg Institute of Science and Technology (List), ela descreveu duas novas espécies fósseis adaptadas ao frio do período glacial, uma delas batizada como Pseudostaurosira crateri em homenagem à cratera. As duas espécies estão detalhadas em artigos publicados nas revistas Fottea e Phytotaxa em abril de 2021.

"Encontrei cerca de 200 variedades de diatomáceas em amostras de 5 g de solo e estimamos que 30 delas podem ser espécies novas", conta Marquardt.

Os fósseis das algas estavam preservados nas camadas mais profundas da amostra de sedimentos que se acumularam no antigo lago da cratera, hoje coberta por um terreno pantanoso. Foram encontrados em 2017 por meio de uma perfuração de 50 metros que retirou um cilindro de terra, tipo de amostra chamado de testemunho sedimentar.

A vista geral da cratera, com arbustos, gramíneas e residências, no bairro de Vargem Grande, distrito de Parelheiros
A vista geral da cratera, com arbustos, gramíneas e residências, no bairro de Vargem Grande, distrito de Parelheiros - Eduardo Cesar/Pesquisa Fapesp

"A umidade do lugar ajuda a preservar o pólen nos sedimentos, evitando a oxigenação, que o levaria à decomposição", comenta a paleobotânica francesa Marie-Pierre Ledru, do Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD), coautora dos dois artigos.

"Existem outras crateras na América do Sul, mas são de ambiente seco, nos quais os microfósseis oxidam e desaparecem."

Dedicada à região há duas décadas, ela conta que os moradores de Vargem Grande se entusiasmaram com as diatomáceas, que ela apresentou em 2021.

"A identificação de plantas fósseis revela fenômenos biológicos importantes na região, que fazem parte de um conjunto de alterações climáticas no Brasil", salienta o paleontólogo Paulo Eduardo de Oliveira, da Universidade de São Paulo (USP), que não participou dos estudos.

Segundo ele, o clima frio de cerca de 25 mil anos atrás também transformou o atual Distrito Federal, hoje ocupado por cerrado, em uma floresta de clima frio, mas sem as araucárias. Do mesmo modo, acrescenta, o nível do mar recuou 100 metros, expôs as plataformas continentais, hoje cobertas pela água, e permitiu o crescimento de uma floresta típica de regiões frias e úmidas.

Em 2003, o lugar foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico (Condephaat) e listado na Earth Impact Database, uma relação das 190 crateras de impacto (resultantes da colisão de um meteoro ou cometa) no mundo, 11 delas na América do Sul.

Em 2009, foi reconhecida como um dos cinco monumentos geológicos do estado de São Paulo. Com a descoberta dos microrganismos, a vida antiga da cratera começou a ganhar contornos mais nítidos.

No ano passado, moradores, pesquisadores e representantes do governo decidiram remover três ruas que avançavam para dentro da cratera. Uma associação de bairro ajudou a realojar os moradores que estavam em situação irregular.

"Tudo ocorreu de forma organizada e as três ruas foram devolvidas para o parque e para a pesquisa científica", comemora Ledru.

ORIGEM INCERTA

"A cratera é o único local conhecido com registro contínuo da história natural da América do Sul dos últimos 30 a 5 milhões de anos", ressalta o geólogo Álvaro Crósta, da Unicamp, que estuda a região também há mais de três décadas.

Ali, cada centímetro de sedimento representa até centenas de milhares de anos de registro da vegetação e do clima antigos.

Ele estimou a profundidade da camada de sedimentos em cerca de 250 metros, seguida por uma camada de rochas de cerca de 150 metros, como detalhado em um artigo publicado em 2019 na revista Meteoritics & Planetary Science.

A origem da cratera continua incerta. Ela pode ter se formado após a colisão de um corpo celeste ou por algum outro processo geológico.

"Qualquer dessas hipóteses ainda precisa ser confirmada", diz Crósta. Segundo ele, só será possível esclarecer como a cratera se formou perfurando até sua base, a cerca de 400 metros abaixo da superfície, oito vezes mais fundo do que o que se conseguiu com o estudo que levou à descoberta das diatomáceas.

Quem foi Frei Galvão, primeiro santo brasileiro, canonizado há 15 anos, FSP

 


Edison Veiga
BLED (ESLOVÊNIA) | BBC NEWS BRASIL

Em 11 de maio de 2007, durante missa presidida pelo papa Bento 16 no Campo de Marte, na zona norte de São Paulo, o Brasil oficialmente ganhou seu primeiro santo: o frade franciscano Antônio de Sant'Anna Galvão (1739-1822), mais conhecido como Frei Galvão.

Antes dele, apenas uma pessoa que vivera em solo brasileiro havia sido canonizada, a italiana Madre Paulina —nascida Amabile Lúcia Visintainer (1865-1942), no tirol italiano, mas emigrada ao Brasil em 1875.

De lá para cá, os altares nacionais acabaram povoados. Atualmente, já são 37 os brasileiros ou pessoas que viveram no Brasil reconhecidos como santos pelo Vaticano. E 54 beatos.

Escultura do frade franciscano Antônio de Sant'Anna Galvão
Frade franciscano Antônio de Sant'Anna Galvão (1739-1822) foi santificado por papa Bento 16 em 2007 e 'abriu a fila' para outros santos brasileiros - Mosteiro da Luz

Uma "porteira" aberta por Frei Galvão, acreditam especialistas. "Ele abriu a fila", diz o jornalista Victor Hugo Barros, membro titular da cadeira São Frei Galvão da Academia Brasileira de Hagiologia.

"A canonização de Frei Galvão foi motivo de grande alegria para o Brasil. Quando eu preparava meu livro 'Candidatos ao Altar' [de 2006], eu dizia que, a considerar o avanço da causa, seria ele o primeiro santo brasileiro nato", comenta o hagiólogo José Luís Lira, fundador da Academia Brasileira de Hagiologia e professor da Universidade Estadual Vale do Aracaú, do Ceará.

"Foi um avanço muito grande e hoje temos muitos beatos e beatas, santos e santas. E todas essas causas seguem o esteio iniciado por Frei Galvão."

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Doutor pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, o vaticanista Filipe Domingues, vice-diretor do Lay Centre, pontua que o gesto de Bento 16, decidindo celebrar a canonização em São Paulo, e não no Vaticano, teve um simbolismo importante.

"Isso não é comum. Normalmente, as canonizações são feitas na Praça São Pedro, pois ali o novo santo é 'apresentado' para a igreja no mundo. Mas ao celebrar localmente, no Brasil, o papa quis dar ênfase ao fato de estar presenteando o Brasil com um santo. Isso foi histórico", analisa Domingues.

OBRA DO SANTO

Em 2008, um ano após a canonização, Frei Galvão acabou reconhecido postumamente como engenheiro honoris causa, em uma homenagem realizada pelo CREA-SP (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de São Paulo), o conselho regional da profissão.

"Porque ele foi o grande responsável pela construção do Mosteiro da Luz [em São Paulo]. Esse diploma reconhece sua genialidade e seu empenho", diz Barros.

"Frei Galvão foi o construtor do Convento de Nossa Senhora da Luz, depois, Mosteiro da Luz. Consta que ele acompanhou a construção passo a passo, como assistente de pedreiro e mestre-de-obras, muitas vezes, juntando-se aos trabalhadores e os ajudando no pesado trabalho", acrescenta Lira.

"Frei Galvão dedicou muitos anos de sua vida à construção do Mosteiro da Luz. Por isso, religiosamente é o padroeiro da Construção Civil no Brasil, lastro que se estende a todos aqueles que estão ligados à arte de construir, pedreiros, serventes, carpinteiros, oleiros, ferralheiros, mestres-de-obras, empreiteiros, desenhistas, pintores, arquitetos e engenheiros."

Lira lembra que Frei Galvão "é considerado o primeiro engenheiro brasileiro, mesmo sem formação acadêmica". "E no campo cível, existe a Lei Nº 13.359, de 17 de novembro de 2016, que instituiu o Dia Nacional do Patrono da Construção Civil e dos Profissionais da Engenharia Civil, Santo Antônio de Sant'Anna Galvão, Frei Galvão, a ser celebrado no dia 25 de outubro de cada ano", diz o hagiólogo.

Imagem de reproduçõa de pintura representando o Frei Galvão
Imagem de Frei Galvão que costuma ser utilizada em santinhos de orações - BBC

"Frei Galvão é o padroeiro dos construtores, dos engenheiros e dos arquitetos. Em sua biografia, é apontado como projetista, mestre de obras, pedreiro... Acompanhou o passo a passo da construção desse mosteiro com uma dedicação quase paternal", comenta o jornalista Barros. "Tinha o dom de trabalhar com construção."

Um dos mais importantes historiadores da evolução urbana de São Paulo, o arquiteto e urbanista Benedito Lima de Toledo (1934-2019), professor na Universidade de São Paulo (USP), explorou essa faceta do santo em seu livro 'Frei Galvão: Arquiteto', no qual classifica o religioso como um "dos mais importantes arquitetos" do século 18.

Segundo a análise de Toledo, o frade tinha conhecimentos na hora de planejar a construção, pois conseguia projetar considerando fatores como ventilação, iluminação natural e o impacto na paisagem.

A história de Galvão confunde-se com a própria criação do Mosteiro da Luz. Nascido em Guaratinguetá, no Vale do Paraíba, o religioso formou-se no Seminário dos Jesuítas de Belém em Cachoeira, na Bahia, mandado por seus pais e onde estudou entre os 13 e 19 anos. Nessa época já demonstrava interesse pela construção religiosa —consta que teria visitado diversas igrejas da região nordeste do país e iniciado estudos na área.

Frei Galvão foi ordenado sacerdote franciscano aos 21 anos, no Rio de Janeiro. Logo em seguida, acabou se estabelecendo em São Paulo, no convento de São Francisco localizado no largo de mesmo nome, na região central da cidade.

De acordo com Barros, o religioso tinha uma inteligência fora do comum e isso fez com que logo assumisse papéis de destaque. "Também prezava pelos trabalhos em prol dos necessitados, pobres e doentes. Em 1768, apenas quatro anos depois de sua ordenação sacerdotal, foi nomeado confessor, pregador e porteiro do convento", conta o jornalista.

Nesse período, a igreja anexa ao convento passou por uma grande reforma. Em seu livro Toledo afirma que é muito provável que ele não só tenha testemunhado, mas também auxiliado nessas obras.

O religioso se tornou confessor de religiosas que viviam no chamado Recolhimento de Santa Teresa, em São Paulo, e acabou comprando a ideia delas da necessidade de criação de um novo convento.

A oportunidade estava posta à mesa, já que alguns anos antes, em 1765, havia assumido a capitania de São Paulo o português Luís Antônio de Souza Botelho Mourão (1722-1798). E, devoto que era de Nossa Senhora, ele queria que uma decrépita capela em honra a Nossa Senhora da Luz, erguida em uma região então despovoada da cidade, fosse reconstruída.

A igreja estava em ruínas. Galvão entendeu que era sua hora de trabalhar. O Mosteiro da Luz foi inaugurado em 1774 —mas foram outros 14 anos de trabalhos para que a construção ficasse pronta. A igreja contígua só seria inaugurada em 1802.

Segundo a pesquisa de Toledo, durante essa longa obra, Frei Galvão atuou como arquiteto, mestre-de-obras, pedreiro, servente e carpinteiro. Dominou completamente a técnica em voga na época, da taipa de pilão. E não foram poucas as vezes em que ele assumiu o trabalho braçal, engrossando o rol dos escravos que famílias nobres cediam para a empreitada religiosa.

Imagem em preto e branco mostra um casarão antigo
Foto de Militão Augusto de Azevedo, hoje em domínio público, mostra o convento da Luz cerca de 50 anos depois da sua construção - Militão Augusto de Azevedo/Domínio Público

Em seu livro, o arquiteto Benedito Lima de Toledo pontua que o frade tomou uma decisão importante no decorrer da obra, que permitem vê-lo também como um urbanista empírico: ele alterou a entrada da capela. Isso faz com que a igreja tenha uma configuração um tanto estranha aos templos católicos: o altar principal não fica à frente de quem entra, mas, sim, à esquerda.

Galvão decidiu mudar a posição do frontispício e da face principal da igreja porque vislumbrava, segundo Toledo, julgando a geografia da região, que a área onde hoje está a Avenida Tiradentes seria muito movimentada —então a igreja precisaria "olhar" para essa direção.

RELIGIOSIDADE

Mas é claro que não foram as habilidades na construção civil que fizeram de Galvão um santo. "Canonização é reconhecimento a alguém que viveu uma vida exemplar", define Barros. E foi em memória a essa vida exemplar e reconhecimento a milagres que 800 mil pessoas acompanharam a cerimônia presidida por Bento 16 em 11 de maio de 2007.

Desde então, a igreja erguida por Galvão viu aumentar ainda mais o número de peregrinações. E Guaratinguetá, sua terra natal, também passou a fazer parte do turismo religioso —foi lá que Galvão, quando recém-ordenado, celebrou sua primeira missa.

Para o vaticanista Domingues, a canonização do brasileiro foi uma mensagem para os fiéis de que "os santos podem ser gente próxima da gente". "Ao ser reconhecido como santo, ele mostrou que santos podem ser pessoas da nossa história, da nossa realidade local", comenta.

"Frei Galvão tinha atenção aos pobres e aos doentes. E outra coisa importante foi a ideia das pílulas, uma devoção muito dele", recorda Domingues. São pequenos pedaços de papel, com uma oração escrita, dobrados —que os fiéis ingerem enquanto rezam por uma causa especial.

Conta-se que a tradição tenha começado porque, certa vez, imbuído da necessidade de angariar recursos para a construção do mosteiro, Galvão teria ido até sua Guaratinguetá natal. Quando lá estava, foi abordado por um grupo que pedia que ele fosse até uma fazenda para rezar por um amigo que estava há dias sofrendo com uma pedra no rim.

Mas não havia tempo para ir até lá, Frei Galvão tinha de retornar logo a São Paulo para honrar alguns compromissos. Então teve uma sacada: pegou um pedacinho de papel, escreveu nele a frase: "Depois do parto, ó Virgem, permaneceste intacta: Mãe de Deus, intercedei por nós". Dobrou o papelzinho, entregou a uma daquelas pessoas e recomendou que o doente tomasse aquilo como se fosse um remédio, rezando o terço.

A notícia seguinte foi que o homem havia se curado.

Histórias assim passaram a se repetir. Então as religiosas do convento foram incumbidas pelos sacerdote de produzirem as tais pílulas. É um trabalho que elas fazem até hoje, distribuindo-as a quem quiser, pessoalmente ou por correio, sempre de graça.

"Acabaram se tornando algo diretamente associado ao Frei Galvão", afirma Barros.