A guerra provoca uma avalanche de notícias. O que é realmente novidade, o que já foi dito ou escrito, o que foi esquecido ou deixado de lado? Repórter da TV Globo, em Londres, lembra do emblemático cartaz britânico da Segunda Guerra, "Keep Calm and Carry On", mantenha a calma e siga em frente. A peça, guardada para tempos mais difíceis, como uma eventual invasão nazista da ilha, nunca foi usada de verdade. Restou décadas na gaveta até virar souvenir.
Difícil saber o que não está sendo usado na Ucrânia neste momento. Na quinta-feira (3), a BBC anunciou que voltou a transmitir em ondas curtas para alcançar a população do país e de partes da Rússia afetadas por internet sabotada, ciberataques e censura. O sistema de rádio de longo alcance não era usado havia 14 anos na Europa. O império britânico já foi vasto, assim como as transmissões de sua estatal.
Na sexta-feira (4), em movimento bem mais drástico, a empresa comunicou que estava desmobilizando a equipe da BBC News na Rússia diante da mudança abrupta da legislação local. Horas depois, ponderou que seus jornalistas continuariam em Moscou, ainda que seus relatos não pudessem ser publicados.
A Duma, o Parlamento russo, aprovou pena de 15 anos de prisão para quem veicular desinformação em conteúdos jornalísticos profissionais ou postagens privadas em redes sociais. Chamar a guerra de guerra ou invasão é promover fake news na visão do Kremlin, por exemplo. O que ocorre agora, na versão oficial, é uma "operação militar especial" no país vizinho. Sabe aquela situação extrema e hipotética que sempre é citada em debates sobre controle de mídia e liberdade de expressão? A Rússia está no meio de uma delas.
O Facebook foi bloqueado no país, e o Twitter teve sua atuação restringida. Outras redes estão sob ameaça. A Folha noticiou o fato como "censura militar", termo usado pelo jornal independente Novaia Gazeta, de Dmitri Muratov, ganhador do prêmio Nobel da Paz no ano passado, ao explicar porque tirou do ar reportagens que produziu sobre o conflito.
O que acabou pouco destacado no noticiário é que o Facebook não é tão popular na Rússia, e que Instagram e WhatsApp, muito mais usados no país, continuam operando, assim como o YouTube. Também não se falou muito sobre quase todos os canais de comunicação russos estarem suspensos na União Europeia e terem conteúdo etiquetado em outras partes. Por pressão de reguladores de governos, mas também por iniciativa das próprias redes, que já não escondem a moderação seletiva.
A guerra é de informação também, nenhuma novidade, mas o patamar alcançado parece inédito. A atual invasão não é o primeiro conflito a ser movido, influenciado ou deturpado pelas redes sociais, porém nunca a produção de conteúdo multimídia foi tão disseminada. Analistas falam da primeira guerra do TikTok. É a única que o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, está supostamente ganhando, pela proficiência nos meios digitais, pelo talento de comediante e também por não ter alternativa. Não é qualquer um que, no meio de tanta confusão, dá pito na Otan no mesmo tom com que conclama revoltas populares.
As frases de efeito, porém, não saem apenas da linha de frente. Estão presentes nos discursos de políticos, órgãos públicos e empresas. Um tuíte do governo britânico na última semana bradava como se fosse um tabloide, em letras capitais coloridas, "DOIS PODEROSOS OLIGARCAS PUNIDOS". Iates e jatinhos passaram a ser caçados pelo globo. A Suíça, até outro dia paraíso de contas secretas, congelou bens de amigos de Vladimir Putin. O CEO da Cisco escreveu que a empresa está com a Ucrânia. Elon Musk teve seu dia de atendente de telemarketing e entregou internet por satélite ao país. A lista de cancelados só cresce, vai de soprano a esportistas.
Ainda é cedo para saber quem merece crédito por induzir tamanha onda ativista: a estratégia americana de escancarar ao máximo informações de inteligência, as severas sanções econômicas, o mecanismo global das redes, ainda não totalmente compreendido, o medo da ação de hackers. Não dá para acreditar apenas em súbita indignação planetária. Os sentimentos não são tão elevados, ainda que a mídia ocidental faça força para lembrar que o conflito é no meio da Europa, com refugiados de olhos azuis, na descrição patética, na verdade racista, de grandes emissoras internacionais. Uma reação "nimby", como alguém já classificou no Twitter. Na Primavera Árabe ou na Síria, longe das grandes Redações, eram apenas massas se matando.
Agora não, é diferente. Por essa e outras razões que restarão talvez por décadas em gavetas, o mundo inteiro se sente em guerra. Que pelo menos mantenha a calma e os dedos longe dos botões vermelhos.