Se a única ferramenta de que você dispõe é um martelo, torna-se tentador tratar tudo como um prego. A frase resume bem a chamada lei do instrumento, o viés cognitivo identificado pelo psicólogo Abraham Maslow que nos leva a superestimar os poderes das ferramentas que nos são familiares. Cientistas deveriam estar sempre atentos às vulnerabilidades do raciocínio humano e cuidar para não cair presa delas. Na prática, não é tão fácil.
Uma das grandes questões do momento é saber se será necessária uma quarta dose de vacina contra a Covid-19. Não são poucos os que acreditam que sim, pois há inúmeros trabalhos mostrando que anticorpos neutralizantes não duram muito mais do que alguns meses, o que nos condenaria a reforços periódicos. Uma interessantíssima reportagem publicada no New York Times, porém, mostra que as coisas podem não ser assim.
Trabalhos que avaliaram a imunidade celular, não só anticorpos, sugerem que a proteção vacinal pode durar anos. Não seria uma imunidade esterilizante, que nos impede de contrair a infecção, mas bastaria para prevenir quadros graves e morte provocados mesmo por diferentes cepas do Sars-CoV-2. A crer nessa teoria, populações mais vulneráveis, como idosos e imunossuprimidos, talvez necessitem de reforços, mas, para a maioria, três doses seriam suficientes.
Não há cientista na área que não esteja ciente das diferenças entre imunidade celular e humoral, e que a primeira tende a ser mais duradoura. Por que, então, se deu tanta atenção aos anticorpos? É aí que entra Maslow. Fazer pesquisas com anticorpos é fácil. Basta uma gota de sangue e kits de testes. O estudo de células T é bem mais difícil. Exige equipamentos e pessoal especializados e é muito mais caro. Se a sua verba de pesquisa só dá para os kits de anticorpos, é neles que você vai se fixar. Cientistas devem buscar a verdade, mas também precisam olhar para suas carreiras.
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