terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Governo promove farra do garimpo de ouro na Amazônia, Alvaro Costa e Silva, FSP

 Para quem já admitiu que "o garimpo é um vício, está no sangue", o compadre Grota deve ser um herói, merecedor de ocupar a galeria dos maiorais, ao lado do ditador Augusto Pinochet, do torturador Brilhante Ustra e do Major Curió, também torturador e líder garimpeiro.

Compadre Grota é o nome de guerra de Heverton Soares, um dos narcotraficantes —o outro é Silvio Berri Júnior, ex-piloto de avião de Fernandinho Beira-Mar— apontados pela Polícia Federal como chefes de organizações criminosas no Pará e que ganharam do governo o direito de explorar uma área de mais de 810 hectares de garimpo de ouro.

As permissões foram outorgadas e efetivadas pela Agência Nacional de Mineração entre 2020 e 2021. Elas são válidas para Itaituba, um município paraense batizado de Cidade Pepita pela grande quantidade de jazidas encontradas quase na superfície do solo. Dá até para imaginar o presidente da República, em seus momentos de tédio e aflição em Brasília, com vontade de jogar tudo para o alto e ir "faiscar", como costumava fazer nos tempos de capitão do Exército.

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O general Augusto Heleno também curte um garimpo. Ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência e um dos principais conselheiros de Bolsonaro, Heleno autorizou o avanço de sete projetos de exploração de ouro numa região praticamente intocada da Amazônia, um lugar de fronteira com a Colômbia e a Venezuela conhecido como Cabeça do Cachorro, onde vivem 23 etnias indígenas. O empenho do general não surpreende, se lembrarmos que o regime militar permitiu e incentivou Serra Pelada, no início dos anos 80.

Um estudo do Instituto Escolhas revelou que, das quase 111 toneladas de ouro exportadas em 2020, 17% saíram sem registro de terras indígenas ou de Unidades de Conservação da Amazônia. O ouro ilegal chegou a Canadá, Suíça, Polônia, Reino Unido, Emirados Árabes, Itália, Índia. Bye, bye, Brasil.

Cristina Serra - Três meninos do Brasil, FSP

 Eles se chamavam Lucas, Alexandre e Fernando Henrique, tinham entre 8 e 11 anos de idade, moravam em Belford Roxo, Baixada Fluminense. No fim de 2020, saíram de casa para jogar bola. Nunca mais voltaram. Quase um ano depois, a polícia informa que eles foram torturados e assassinados por terem furtado dois passarinhos do tio de um traficante.

Lucas, Alexandre e Fernando, que desapareceram em Belford Roxo (RJ) no final de dezembro de2020
Lucas, Alexandre e Fernando, que desapareceram em Belford Roxo (RJ) no final de dezembro de2020 - Reprodução

A história dos três meninos é de um grau tão desmedido de barbárie que é até difícil pensar e escrever sobre ela. Porque dói pensar sobre o Brasil em que Lucas, Alexandre e Fernando Henrique viviam. A brutalidade interrompeu a vida deles num cruzamento entre miséria, desigualdade, violência, crime, abandono, indiferença e tudo o mais que compõe o cenário onde parte da sociedade brasileira, majoritariamente pobre e negra, é largada aos deus-dará. "E se Deus não dá?", pergunta a canção de Chico Buarque.

Fica tudo como está, aliás, piora muito. Lá pelos idos dos anos 1970, ainda distrito de Nova Iguaçu, Belford Roxo era tido como o lugar mais violento do mundo. Em 1990, foi emancipado e uma campanha tentou associar o lugar ao epíteto impossível de "cidade do amor". Como sabemos, o marketing não muda a realidade. Entrou governo, saiu governo (municipal, estadual e federal), Belford Roxo continuou sendo um inferno para viver e criar filhos.

Segundo dados da plataforma Fogo Cruzado (julho/2021), Belford Roxo é o município da Baixada com o maior número de tiroteios e por motivos variados: operações policiais, homicídios, roubos e disputa por controle de territórios entre traficantes e milicianos. Não bastasse a ausência do Estado, as balas perdidas, as chacinas sem culpados identificados, agora temos o tribunal do tráfico que condena crianças à morte, supostamente, por causa de dois passarinhos.

Importante assinalar que as mães dos meninos contestam a versão do furto. Um país que não protege suas crianças morre com elas. Lucas, Alexandre, Fernando Henrique, Rebeca, Emily, João Pedro, Ágatha, Marcos Vinicius… Quantos mais? Até quando?

Cigarros banidos, Hélio Schwartsman, FSP

 Drogas viciam porque propiciam prazer aos usuários. O tabaco tem uma estranha peculiaridade. As primeiras tragadas tendem a ser repulsivas. Isso significa que, para alguém tornar-se dependente, precisa insistir várias vezes, submetendo-se voluntariamente a pequenas sessões de tortura. Num mundo que levasse o hedonismo mais a sério, ninguém seria tabagista. Não obstante, essa é uma das dependências mais prevalentes no planeta —e também uma das mais letais.

Governos agem bem ao tomar medidas para reduzir o fumo. Fazê-lo traz benefícios para a saúde e as finanças públicas —objetivos legítimos para a ação estatal. Acredito, porém, que a Nova Zelândia tenha exagerado ao anunciar que proibirá para sempre a venda de cigarros para todos os nascidos a partir de 2008.

Ilustração de um cigarro sendo apagado num cinzeiro
Ilustração de um cigarro para a coluna Casos do Acaso da Ilustríssima com a Conspiração Filmes - Lucas Vidigal

Será preciso esperar o próximo ano para ver a forma exata que a lei terá, mas a simples ideia de banimento me parece excessivamente autoritária e em contradição com o princípio que inspira a política de drogas da Nova Zelândia, que é o da redução de danos.

O país está longe de ser permissivo em relação ao uso recreativo de drogas. Seus cidadãos rejeitaram no ano passado, em plebiscito, a legalização da maconha. No papel, usuários de substâncias ilícitas estão sujeitos a multa e detenções breves. Mas essas leis não são universalmente aplicadas. Ao contrário, os neozelandeses acabam de tornar permanente um programa que permite a usuários de todas as drogas testar suas doses para saber o que estão tomando e o grau de pureza. A medida evita overdoses e coloca dependentes em contato com um serviço que poderá encaminhá-los para tratamento, se assim desejarem.

A redução de danos nada mais é do que o reconhecimento de que, com drogas, a proibição não funciona bem, sendo preferível estimular os consumidores contumazes a tentar fazer um uso menos nocivo. É difícil ver como o banimento se inscreve nessa filosofia.