domingo, 10 de outubro de 2021

Para os doidos, fracasso é sucesso, Elio Gaspari, FSP

 Na sexta-feira completam-se 140 anos do dia em que Machado de Assis começou a publicar a história do médico Simão Bacamarte, “o Alienista”. Ele era “o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas. Estudara em Coimbra e Pádua”. Essa obra prima está na rede, lendo-a recua-se no tempo e descobre-se que o doutor Bacamarte tinha suas razões. Bem que D. Pedro 2º avisaria, oito anos depois, na noite em que o embarcaram para o desterro: “Os senhores são uns doidos”.

Morrem 600 mil pessoas numa epidemia que o monarca republicano chamou de “gripezinha” e a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias ainda não se deu conta de que cloroquina é um medicamento ineficaz para a Covid. Em dois anos, dois ministros da Saúde foram embora porque não queriam receitar a poção. Já o ministro da Tecnologia, um astronauta e coronel da reserva, garantiu, em abril de 2020, que pesquisadores do governo haviam descoberto um remédio contra o vírus. Não disse o nome, mas garantiu que ele estaria disponível em poucas semanas.

Os doidos estavam chegando, mas não se pode dizer que avançavam apenas sobre a saúde pública. Na semana passada, a Petrobras leiloou 92 blocos oceânicos e 87 encalharam por falta de interessados.

Ninguém quis se meter com a exploração em áreas de proteção ambiental próximas à ilha de Fernando de Noronha e ao Atol das Rocas. O diretor da Agência Nacional de Petróleo veio à vitrine e anunciou: “O leilão foi um sucesso”. (No dia 1º de novembro começa em Glasgow, na Escócia, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas.)

Machado de Assis conhecia os doidos de seu tempo. Nos Estados Unidos, um grande empresário subornava servidores para sustentar que a condução da eletricidade por fios incendiaria cidades inteiras. No Brasil, os três homens mais ricos da terra, com três mil escravos, tinham um patrimônio equivalente a 10% do valor de todo o capital investido em ações e empresas. No Senado, um magano dizia que a escravidão era uma prova de caridade cristã, pois os senhores prestavam um grande serviço aos escravos.

Machado criou seu Simão Bacamarte, D. Pedro foi-se embora reclamando dos doidos. Ambos sabiam que, de tempos em tempos, os malucos dão as cartas.

Ideia do tabelamento dos livros renasceu das cinzas


Renasceu das cinzas uma ideia que pareceu enterrada durante o governo Temer. É o tabelamento dos livros à francesa. Se vingar, nenhuma livraria, física ou eletrônica, poderá dar descontos superiores a 10% do preço de capa durante o primeiro ano de circulação de um livro. Lei parecida existe na França há 40 anos.

Quando essa girafa surgiu, Jeff Bezos era um garoto a caminho da universidade de Princeton. De lá para cá, do nada, ele criou a Amazon e se tornou um dos homens mais ricos do mundo. Começou vendendo livros a US$ 9,99 (hoje custam cerca de US$ 15). Seu negócio é dar desconto, em tudo. Não há no mundo quem tenha reclamado por ter comprado uma coisa barata na Amazon ou em qualquer outro lugar. Desde que surgiu o Estado, apareceram tabelamentos para impedir que se cobre a mais. Nesse caso, querem tabelar para impedir que se cobre a menos.

O mercado editorial brasileiro melhorou durante a pandemia. Quando ele esteve no apogeu, algumas editoras brasileiras imprimiam seu livro na China, onde a mão de obra era barata. De lá para cá grandes redes de livrarias quebraram porque se meteram numa ciranda de vendas consignadas. Problema de quem micou dando-lhes crédito.

O projeto da tunga no preço do livro dorme no Senado. O tabelamento de um produto para impedir que os consumidores paguem menos é a joia que falta ao mandarinato liberal de Paulo Guedes.

RECORDAR É VIVER

Hostilidade da infantaria petista não começou com a vaia a Ciro Gomes na avenida Paulista.

Em 1984 o PT queria começar sozinho sua campanha pelas eleições diretas, mas o comício que organizou ficou fraco. Pouco depois, o governador paulista Franco Montoro começou a montar o comício na praça da Sé.

Todo mundo sabia que seria um sucesso, mas, para não ser vaiado pela infantaria petista, Montoro chegou ao palanque com Lula. Quem costurou a cena foi o advogado Márcio Thomaz Bastos.

Promotora quer incluir autoridades e funcionários em ação sobre pagamentos acima do teto na Alesp, FSP

 A promotora de Justiça Carla Maria Altavista Mapelli, do Ministério Público de São Paulo, pediu à Justiça a inclusão de autoridades, funcionários e administradores como possíveis responsáveis por pagamentos acima do teto do funcionalismo na Assembleia Legislativa do estado.

O pedido da Promotoria foi feito em ação popular apresentada por integrantes do MBL contra a própria Assembleia, que citava o atual e ex-secretário-geral de Administração da Casa.

Fachada da Assembleia Legislativa de São Paulo - Divulgação

Mapelli quer que a ação seja adequada pelos autores para acrescentar “autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão".

A ação, apresentada pelo deputado Arthur do Val (Patriota) e pelo seu assessor Renato Battista, queria a interrupção de pagamentos a título de indenização, acima do teto do funcionalismo estadual.

Esses pagamentos são de licenças-prêmio não gozadas e, neles, não incidem descontos fiscais e tributários. Também não são levados em conta os redutores salariais, que impedem que o teto seja ultrapassado.

Por exemplo: se um servidor tem um salário de R$ 30 mil, sua remuneração bruta é atualmente reduzida para R$ 25,3 mil (teto do Legislativo paulista e valor do salário de um deputado estadual). Já a líquida ficaria em torno de R$ 18 mil.

Esses descontos não valem para a indenização por licenças-prêmio não gozadas. Nesses casos, esse servidor hipotético receberá integralmente os R$ 30 mil por mês devido, segundo a ação.

Os funcionários da Alesp têm direito a 90 dias de licença a cada cinco anos ininterruptos, como prêmio de assiduidade, se não tiverem sofrido qualquer penalidade administrativa.

Governo de SP é derrotado no STF em tentativa de demitir servidor que denunciou Máfia do ICMS, FSP

 O STF (Supremo Tribunal Federal) negou continuidade a uma disputa judicial na qual o Governo de São Paulo tenta há anos demitir um funcionário que ajudou o Ministério Público a desvendar a chamada Máfia do ICMS.

A decisão foi tomada no último dia 5 pelo presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, que não viu motivo constitucional para análise do caso pela corte e foi contra recurso do governo paulista.

A investigação da Máfia do ICMS levou 17 agentes fiscais de rendas do governo, acusados de receberem propina para cobrar menos tributos de empresas, a se tornarem réus de 2017.

A apuração só aconteceu porque um outro agente fiscal de rendas, Henrique Poli Júnior, acessou o sistema interno do órgão e forneceu provas das irregularidades dos colegas a promotores de Justiça.

Em 2016, o Governo de São Paulo, na gestão Geraldo Alckmin (PSDB), o acusou de apresentar dados sigilosos aos investigadores e abriu um processo administrativo contra ele.

Poli Júnior recorreu à Justiça para não ser demitido do governo e obteve decisão positiva do Tribunal de Justiça em 2019, enquanto ainda tramitava o processo disciplinar. Por unanimidade, o voto do relator Rubens Rihl foi acompanhado pelos outros dois desembargadores.

No voto, o magistrado disse que “a atuação do Sr. Henrique [Poli] demonstrou seu zelo pela coisa pública e inquestionável probidade em sua atuação profissional”.

"Em razão da conduta irrepreensível do sr. Henrique Poli Júnior, foi possível a deflagração da Operação Zinabre, que ensejou a descoberta de esquema criminoso que movimentava milhões em propinas", disse Rihl.

O governo João Doria recorreu contra a decisão ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e ao STF (Supremo Tribunal Federal), mas não obteve vitórias em ambos os casos.

Em nota após a decisão do STF, Henrique Poli diz que foi "perseguido implacavelmente" e passou por sofrimento irreparável nestes últimos cinco anos.

"Jamais me esquecerei de toda a angústia e desolação que sofri. Passei por humilhações e cheguei a ser proibido de manter contato com contribuintes, como se o corrupto fosse eu", afirma o fiscal.