sábado, 21 de agosto de 2021

O fim da Lei de Segurança Nacional, Luís Francisco Carvalho Filho - FSP

 


revogação da Lei de Segurança Nacional (LSN) tem a utilidade prática de inviabilizar a estratégia de intimidação do governo Bolsonaro: abrir inquérito policial por violação da “honra” do presidente da República, como se fosse valor essencial à manutenção do regime democrático, e, assim, inibir críticas ao seu pavoroso desempenho como chefe de Estado.

Há também o efeito simbólico. Editada em 1983, no processo de abertura lenta e gradual (mais suave que as LSNs de 1969 e 1978), é uma herança do regime militar que vai para a lata do lixo. E acontece justamente quando o governo federal e o Ministério da Defesa celebram a ditadura.

Por ironia, o projeto aprovado pelo Congresso e que espera a sanção do presidente da República, incorporando ao Código Penal dispositivos de proteção do Estado de Direito, pode, em parte, beneficiá-lo.

Jair Bolsonaro e seus seguidores (alguns investigados pelo STF) violaram a LSN: com o novo texto, o crime de incitar à subversão da ordem política deixa de existir.

Desde 1987, o Brasil tenta se livrar do fantasma da LSN. Em 1991, o então deputado federal do PT de São Paulo Hélio Bicudo (1922-2018) apresentou o projeto de lei, alterado ao longo do tempo por emendas e substitutivos, que se converteria no texto agora aprovado.

A bancada governista não resistiu à mudança legislativa —sinal de que Bolsonaro não se sente vulnerável com a novidade.

Tradicionalmente, este tipo de legislação existe para proteger os governos de seus oponentes, não para proteger o país de atentados e crimes cometidos pelo próprio governante. Golpe de Estado é tentar depor o “governo legitimamente constituído”.

O impeachment é o instrumento próprio (se existir vontade política do Congresso, é claro) para o afastamento do presidente por atos como incitar militares à desobediência da lei, impedir a execução da lei eleitoral ou opor-se (diretamente e por fatos) ao livre exercício do Poder Judiciário.

Em matéria de crime comum, Jair Bolsonaro está blindado. Tem imunidade plena: é constrangedora e cínica a subserviência do procurador-geral da República ao Palácio do Planalto.

Há uma mudança de eixo relevante. Além dos tipos penais para punição de espionagem, sabotagem e atentados à soberania e à integridade nacional, o texto inova (para o bem) ao propor crimes contra as instituições democráticas, o processo eleitoral e o direito de manifestação.

Especula-se sobre a extensão de eventuais vetos de Bolsonaro, capazes de modular o texto legal.

Seria um tiro no pé (confissão de plano golpista) o veto à “abolição violenta do Estado Democrático de Direito” –dispositivo que, em tese, o atinge com mais gravidade que a atual LSN.

Mas é previsível o veto à regra da ação penal subsidiária (para partidos políticos nos casos de “interrupção do processo eleitoral”, “comunicação enganosa em massa” e “violência política”) se o Ministério Público se omitir. Bolsonaro aposta em acusadores sabujos e omissos.

Resta saber da eficácia da nova lei neste momento de polarização ideológica.

Os critérios de coerência penal no Brasil são curiosos.

A pena mínima para quem tentar abolir o “Estado de Direito Democrático” com emprego de violência ou grave ameaça (o texto entra em vigor 90 dias depois da publicação) será de quatro anos. Para o roubo do seu celular, praticado por um jovem armado com um simples canivete, a pena mínima é de cinco anos e quatro meses de reclusão.​

STJ, juízes e procuradores saem em defesa de Moraes e criticam ataques de Bolsonaro ao Judiciário, FSP


BRASÍLIA

O STJ (Superior Tribunal de Justiça), magistrados e procuradores reagiram neste sábado (21) ao pedido de impeachment apresentado pelo presidente Jair Bolsonaro contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).

O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, também criticou a iniciativa.

Nesta sexta-feira (20), Bolsonaro ignorou apelos e ingressou com o pedido de impeachment contra Moraes no Senado. No mesmo dia, o STF afirmou repudiar a decisão.

Em comunicado, sem assinatura de ministros, o STJ reforçou as críticas à medida e lembrou a previsão constitucional de independência dos Poderes. "Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário são independentes e harmônicos entre si", afirmou o tribunal.

"O Poder Judiciário tem como função preponderante a jurisdicional, diretamente vinculada ao fortalecimento da democracia e do Estado de Direito. A convivência entre os Poderes exige aproximação e cooperação, atuando cada um nos limites de sua competência, obedecidos os preceitos estabelecidos em nossa Carta Magna."

O tribunal é composto por 33 ministros. Existem atualmente duas vagas a serem preenchidas. A indicação compete ao chefe do Executivo. O STJ é responsável pelo julgamento de ações em diferentes áreas do direito. É, por exemplo, o foro de governadores em matéria penal.

O texto prossegue afirmando que o país se constitui em um Estado de Direito, "cujas decisões judiciais podem ser questionadas por meio de recursos próprios, observado o devido processo legal".

"O Tribunal da Cidadania [como o STJ é chamado] reafirma a importância do Poder Judiciário para a segurança jurídica e desenvolvimento do País, garantindo a democracia e a cidadania."

A formalização do pedido de impeachment ocorreu no mesmo dia em que a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços do cantor Sérgio Reis e do deputado Otoni de Paula (PSC-RJ), aliados do presidente.

As medidas foram solicitadas pela PGR (Procuradoria-Geral da República) e autorizadas por Moraes. Eles são investigados por organizar levante contra as instituições democráticos, em ato marcado para o dia 7 de setembro.

Auxiliares palacianos viram na apresentação do pedido uma reação do presidente à operação da PF. Bolsonaro havia anunciado que também pediria o afastamento do presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Luís Roberto Barroso, o que não ocorreu.

Neste sábado, as entidades da magistratura cobraram reação por parte do Senado.

De acordo com o comunicado conjunto da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) e da Ajufe (Associação dos Juízes Federais), o pedido de abertura de processo de impeachment contra Moraes "representa um ataque frontal à independência e à harmonia entre os Poderes".

"As decisões tomadas pelo magistrado Alexandre de Moraes são oriundas de sua independência funcional —valor constitucional instituído como proteção da sociedade", afirmaram os presidentes das associações, Renata Gil (AMB) e Eduardo André Brandão (Ajufe).

"Decisões judiciais devem ser contestadas no âmbito do Poder Judiciário e jamais por meio de instrumentos políticos. Temos a certeza de que as instituições —em especial, o Senado Federal— saberão reagir a toda e qualquer tentativa de rompimento do Estado de Direito e da ordem democrática", escreveram.

A Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) também divulgou nota na qual fez "defesa intransigente da independência e da harmonia entre os Poderes da República, que são traduzidas por normas constitucionais".

Assinado pelo presidente da entidade, Luiz Antonio Colussi, o texto afirma que pedidos de impeachment contra ministros do Supremo promovidos por integrante de outro poder infringem, "de forma visceral", a Constituição.

"A imputação ao magistrado Alexandre de Moraes de crime de responsabilidade parece se motivar, exatamente, no exercício independente da jurisdição, dever comum a todos os magistrados, forjados na cotidiana atividade de interpretar e aplicar o sistema normativo contra poderes políticos, econômicos e qualquer grupo de interesse organizado", afirmou a Anamatra.

A ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) também se manifestou sobre o assunto.
Em nota, afirmou "preocupação com a forma adotada pelo presidente da República para contestar as decisões tomadas por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF)".

"O uso do pedido de impeachment para questionar entendimentos do tribunal consiste não apenas em remédio inadequado, mas também em fator de desestabilização na relação entre os Poderes da República", afirmou a entidade.

"Ao pedir o impeachment de um ministro do STF e prometer a formulação de pedido em relação a outro [Luís Roberto Barroso], o presidente da República avança o sinal para criar um cenário de intimidação na relação com o Poder Judiciário, o que fragiliza a nossa própria democracia."

No Twitter, Santa Cruz, da OAB, afirmou que determinou a elaboração de parecer sobre o pedido de impeachment de Moraes feito por Bolsonaro. Ele ainda criticou a iniciativa do presidente.

"O pedido de impeachment apresentado pelo presidente da República contra o ministro Alexandre de Moraes, iniciativa sem qualquer fundamentação jurídica, reveste-se do repugnante intuito de criminalizar o Poder Judiciário", escreveu.

Ainda nesta sexta, o STF também reagiu a Bolsonaro. A corte divulgou uma nota oficial para repudiar o pedido de impeachment contra Moraes.

O comunicado, também sem assinatura, em nome de todo o tribunal, disse que a corte "manifesta total confiança" no ministro.

"O Supremo Tribunal Federal, neste momento em que as instituições brasileiras buscam meios para manter a higidez da democracia, repudia o ato do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, de oferecer denúncia contra um de seus integrantes por conta de decisões em inquérito chancelado pelo plenário da corte", diz o texto.

Segundo o STF, "o Estado democrático de Direito não tolera que um magistrado seja acusado por suas decisões, uma vez que devem ser questionadas nas vias recursais próprias, obedecido o devido processo legal".

O tribunal reforçou ainda que, "ao mesmo tempo em que manifesta total confiança na independência e imparcialidade do ministro Alexandre de Moraes, aguardará de forma republicana a deliberação do Senado Federal".

Nesta sexta, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse que não vai se render a "nenhum tipo de investida que seja para desunir o Brasil".

Pacheco fez a afirmação, em São Paulo, ao comentar o pedido de impeachment de Moraes.

O senador garantiu que irá dar tratamento normal à representação e encaminhá-la para área técnica da Casa e depois decidir se dará continuidade ao procedimento ou não. Ele ressaltou, no entanto, que não antevê motivos para o afastamento de Moraes.

"Eu terei muito critério nisso e sinceramente não antevejo fundamentos técnicos, jurídicos e políticos para impeachment de ministro do Supremo, como também não antevejo em relação ao impeachment de presidente da República", afirmou.

Pacheco voltou a defender que o impeachment "é algo grave, excepcional, de exceção, que não pode ser banalizado".

A tensão entre os Poderes subiu mais um degrau no sábado passado (14). Um dia após a prisão de seu aliado Roberto Jefferson (PTB), Bolsonaro anunciou que iria apresentar a ação. A detenção do ex-deputado ocorreu por ordem de Moraes, após ataques do político às instituições.

"De há muito, os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, extrapolam com atos os limites constitucionais. Na próxima semana, levarei ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um pedido para que instaure um processo sobre ambos, de acordo com o art. 52 da Constituição Federal", escreveu em rede social.