Renée Pereira, O Estado de S.Paulo
18 de novembro de 2020 | 05h00
Responsável por dois dos maiores desastres ambientais do Brasil (Mariana e Brumadinho), a Vale tenta encontrar novos destinos para os rejeitos da mineração e desafogar suas barragens. A mineradora inicia nesta semana um projeto-piloto que visa transformar esse material em produtos para a construção civil, como blocos de concreto e pisos. Embora ainda incipiente, a alternativa é vista por especialistas como uma forma de reduzir a dependência pelas barragens, que viraram um risco iminente para as famílias que moram no entorno.
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A iniciativa da Vale vem num momento em que há uma escalada da consciência socioambiental no mundo. Isso tem motivado empresas a se movimentar para não perderem mercado nem serem prejudicadas entre investidores e financiadores. No caso da mineradora, avaliam especialistas, apesar de ter conseguido recuperar o valor de mercado perdido com os acidentes, há também a tentativa de melhorar a imagem no mercado.
A fábrica foi construída numa área de 10 mil metros quadrados dentro da unidade da Mina do Pico, no Complexo Vargem Grande, em Minas Gerais. Totalmente automatizada, a planta – resultado de um programa de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) de R$ 25 milhões – será operada por oito mulheres e deve passar por dois anos de testes.
Segundo a empresa, a unidade tem capacidade para reaproveitar cerca de 30 mil toneladas de rejeitos e produzir 3,8 milhões de materiais pré-moldados para a construção civil. O volume, no entanto, é pequeno perto da quantidade produzida pela Vale nas operações de minério de ferro. Em 2019, foram 55,2 milhões de toneladas – esse montante não inclui o material estéril, que é empilhado. O processamento a seco representa em torno de 60% da produção de minério da empresa.
“Esse projeto não envolve retirar o rejeito da barragem. O que vamos fazer é dar um novo destino para o material ao sair da mina”, diz o gerente executivo de Licenciamento Ambiental da Vale, Rodrigo Dutra. Segundo ele, em vez de empilhar ou colocar na barragem, o material será enviado para a fábrica produzir os blocos.
Essa é a primeira iniciativa da Vale para reaproveitar os rejeitos das minas. O projeto contará com a cooperação técnica do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG), que terá dez pesquisadores atuando na pesquisa. “Por estarmos dentro da unidade de mineração, teremos mais capacidade de pesquisarmos a aplicação de diversos resíduos e validarmos a tecnologia, desenvolvida em laboratório, no ambiente produtivo em escala industrial”, diz Augusto Bezerra, pesquisador líder do projeto e professor do Cefet-MG.
Segundo a Vale, nos dois anos de testes, os blocos produzidos na fábrica serão usados internamente e também doados para comunidades, prefeituras e parques. O primeiro lote será destinado à construção de um piso drenante na Reserva de Linhares, no Espírito Santo, administrada pela empresa.
Viabilidade econômica
Mas tornar o projeto viável não é uma tarefa fácil. O vice-diretor de Habitat e Infraestrutura do Instituto de Engenharia (associação dos engenheiros), Habib Jarrouge Neto, diz que a iniciativa da Vale é algo que se tenta tirar do papel há algum tempo, mas que ainda não se mostrou viável economicamente.
Mas o executivo argumenta que o alto grau de periculosidade que as barragens passaram a representar pode ser um fator que impulsione novas tecnologias para tornar o projeto viável. O aproveitamento total de rejeitos já é feito em outros países. Na China, a meta é aproveitar 22% de seu volume de rejeito mineral até 2022. “Depois dos acidentes de Mariana e Brumadinho, a legislação ficou mais rígida para a construção de novas barragens e para a manutenção das atuais. Por esse motivo, pode valer a pena subsidiar esse novo negócio.”