sábado, 5 de setembro de 2020

O Senado deve aprovar a proposta de abrir o mercado de gás para a iniciativa privada? SIM e NÃO

Clarissa Lins

Presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP)

Luiz Costamilan

Secretário-executivo de Gás Natural do IBP

A sociedade brasileira tem uma oportunidade ímpar para transformar o setor de energia com grande repercussão positiva na economia e em diversos setores: a abertura do mercado de gás natural, em debate no Congresso Nacional. A palavra-chave dessa grande mudança é a competição. Com o fim da situação atual de um único fornecedor, o insumo ficará mais acessível, impulsionando o desenvolvimento e a reindustrialização do país.

Sem reservas de mercado e eventuais subsídios, o gás natural a preços competitivos atrairá mais investimentos, gerará mais empregos e reduzirá o custo de produção de um número imenso de produtos —com benefícios para todos os consumidores brasileiros.

Por esses motivos, há uma expectativa em diversos segmentos industriais, especialistas e governo de que o Senado, após análise e deliberação, confirme a aprovação ocorrida na terça-feira (1º), na Câmara, do projeto de lei 6.407/13, conhecido como "Nova Lei do Gás". A convergência em torno do texto aprovado foi construída ao longo de quatro anos de profundas discussões.

Com a abertura do mercado, o Brasil passará a contar com mais de uma dezena de fornecedores de gás natural. O projeto de lei é revolucionário, pois abre caminho para que novos agentes ofertem, transportem e comercializem o gás. As novas regras vão estimular ainda a produção das reservas do pré-sal, convertendo-as mais rapidamente em riqueza para o país, com ganhos na arrecadação para União, estados e municípios.

O gás natural é também uma peça-chave na transição energética e fundamental para descarbonização da economia, pois é o combustível que menos emite entre as alternativas de origem fóssil, usadas na geração de energia e pela indústria.

Matéria-prima ou combustível para fertilizantes, indústria química, siderurgia, vidros e cerâmica, entre outros, o gás natural em bases competitivas atrairá novas fábricas desses e de outros setores industriais para o país.

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No setor elétrico, térmicas a gás natural são imprescindíveis para o equilíbrio e a complementaridade do sistema elétrico brasileiro, centrado em fontes renováveis que não geram energia de forma contínua.

Mas, para que todos esses benefícios se materializem, é indispensável assegurar a promoção da concorrência, ponto fundamental do projeto. Aí situam-se o acesso livre e não discriminatório às redes de transporte e de distribuição, garantindo ao grande consumidor a escolha de seu fornecedor de gás natural —além da desverticalização do segmento, com diferentes atores atuando em cada elo da cadeia.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sinalizou o caminho nesse sentido, com o acordo firmado (TCC) para a Petrobras vender seus ativos de transporte e distribuição.

Com a melhora do ambiente de negócios e a segurança jurídica que a proposta traz, investimentos em termelétricas e gasodutos acontecerão para atender à demanda crescente —sem subsídios para a instalação de infraestrutura, que sempre oneram a tarifa e o bolso dos consumidores.

Outra virtude dessa iniciativa legislativa é preservar a hegemonia das unidades da Federação com relação aos serviços locais de gás canalizado. Cada estado estabelecerá suas regras, mas é importante ressaltar que tendem a sair na frente aqueles que regulamentarem a figura do consumidor livre, fundamental para estimular a concorrência na oferta de gás.

Esse novo arcabouço regulatório recupera o atraso de mais de uma década no desenvolvimento do setor de gás natural e explicita as vantagens de uma competição saudável —um valor cada vez mais percebido pela sociedade. 

Não 

Carlos Zarattini ​

Economista formado pela USP, é deputado federal (PT-SP) e líder da minoria no Congresso

O Brasil tem grandes reservas de gás natural e produção suficiente para atender todo o mercado nacional. Entretanto, importamos gás liquefeito da Bolívia e de outros países porque não temos estrutura de escoamento nas plataformas e gasodutos para transporte, especialmente no interior do país. Hoje, quase 50% da nossa produção em poços de exploração do pré-sal é reinjetada no subsolo. Ou seja, a produção nacional é descartada por falta de infraestrutura de escoamento sem gerar arrecadação e royalties.

Todo mundo sabe que a exploração do gás natural tanto no sistema offshore (alto-mar nas camadas do pré-sal) como onshore (exploração em terra) é importante para o desenvolvimento econômico do Brasil e pode gerar emprego e renda. Mas seguimos importando gás e desperdiçando uma riqueza extraordinária por falta de uma política nacional de desenvolvimento.

Carlos Zarattini fala na Câmara Municipal em 2002, quando era secretário de Transportes de São Paulo
Carlos Zarattini fala na Câmara Municipal em 2002, quando era secretário de Transportes de São Paulo - Juca Varella - 13.nov.02/Folhapress

Na contramão das necessidades do setor de gás, o desgoverno Bolsonaro privatizou a nossa já escassa rede de gasodutos (só falta um gasoduto ser vendido) e agora aprovou na Câmara dos Deputados a falaciosa "Nova Lei do Gás" como solução para os problemas. A proposta que tramita no Congresso prevê o fim do monopólio das distribuidoras de gás nos estados e joga para a iniciativa privada a infraestrutura de transporte. Porém, até hoje, só quem investiu na construção de gasodutos foi a Petrobras, ou seja, investimento estatal. Com dimensões continentais, o Brasil tem apenas 9.400 km de dutos, enquanto a Argentina, por exemplo, tem 16 mil km.

Desde que assumiu como ministro da Economia, Paulo Guedes repete o mantra de que a iniciativa privada iria assumir as obras de infraestrutura no Brasil, onde, sob a gestão de um ultraliberal, os investimentos jorrariam. Mas a verdade é que o governo até agora foi incapaz de atrair o setor privado.

Concessões seguem paradas diante da incapacidade do governo de articular e promover propostas atraentes, fora a crise política constante, que afugenta os investidores. Então, por que agora Guedes vai conseguir a façanha de garantir que empresas façam investimentos milionários no sistema de gás sem qualquer garantia de retorno e de lucro?

Guedes ignora a importância dos gasodutos e ainda apresenta mais uma das suas ideias mirabolantes sem qualquer estudo técnico sério: transportar o gás pelas ferrovias e caminhões. Mais uma vez o ministro se enche de discurso vazio.

Para garantir apoio no Congresso, o governo comercializa a ideia de que a nova legislação vai gerar R$ 60 bilhões em investimentos, quatro milhões de empregos, gás mais barato para a indústria e botijão a preço melhor para o consumidor final. Mas tudo isso é conversa mole.

A verdade é que a Lei do Gás não responde como será solucionado o problema de falta de gasoduto de transporte e a ausência de estrutura de escoamento nas plataformas; e não traz, também, uma política de desenvolvimento no médio e longo prazo para o setor. A proposta apenas vende a falsa sensação de que uma nova legislação vai garantir retomada do crescimento e investimentos privados. Mas não existe no projeto nenhuma política pública que incentive a universalização do gás.

Esse é mais um discurso mentiroso da dupla Guedes e Bolsonaro e que precisa ser combatido. A Lei do Gás é mais do mesmo e não resolve nenhum dos problemas do setor. Só com um projeto de infraestrutura robusto seremos capazes de colocar fim às limitações logísticas e usufruir dessa riqueza nacional tão abundante.