A sociedade brasileira tem uma oportunidade ímpar para transformar o setor de energia com grande repercussão positiva na economia e em diversos setores: a abertura do mercado de gás natural, em debate no Congresso Nacional. A palavra-chave dessa grande mudança é a competição. Com o fim da situação atual de um único fornecedor, o insumo ficará mais acessível, impulsionando o desenvolvimento e a reindustrialização do país.
Sem reservas de mercado e eventuais subsídios, o gás natural a preços competitivos atrairá mais investimentos, gerará mais empregos e reduzirá o custo de produção de um número imenso de produtos —com benefícios para todos os consumidores brasileiros.
Por esses motivos, há uma expectativa em diversos segmentos industriais, especialistas e governo de que o Senado, após análise e deliberação, confirme a aprovação ocorrida na terça-feira (1º), na Câmara, do projeto de lei 6.407/13, conhecido como "Nova Lei do Gás". A convergência em torno do texto aprovado foi construída ao longo de quatro anos de profundas discussões.
Com a abertura do mercado, o Brasil passará a contar com mais de uma dezena de fornecedores de gás natural. O projeto de lei é revolucionário, pois abre caminho para que novos agentes ofertem, transportem e comercializem o gás. As novas regras vão estimular ainda a produção das reservas do pré-sal, convertendo-as mais rapidamente em riqueza para o país, com ganhos na arrecadação para União, estados e municípios.
O gás natural é também uma peça-chave na transição energética e fundamental para descarbonização da economia, pois é o combustível que menos emite entre as alternativas de origem fóssil, usadas na geração de energia e pela indústria.
Matéria-prima ou combustível para fertilizantes, indústria química, siderurgia, vidros e cerâmica, entre outros, o gás natural em bases competitivas atrairá novas fábricas desses e de outros setores industriais para o país.
No setor elétrico, térmicas a gás natural são imprescindíveis para o equilíbrio e a complementaridade do sistema elétrico brasileiro, centrado em fontes renováveis que não geram energia de forma contínua.
Mas, para que todos esses benefícios se materializem, é indispensável assegurar a promoção da concorrência, ponto fundamental do projeto. Aí situam-se o acesso livre e não discriminatório às redes de transporte e de distribuição, garantindo ao grande consumidor a escolha de seu fornecedor de gás natural —além da desverticalização do segmento, com diferentes atores atuando em cada elo da cadeia.
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sinalizou o caminho nesse sentido, com o acordo firmado (TCC) para a Petrobras vender seus ativos de transporte e distribuição.
Com a melhora do ambiente de negócios e a segurança jurídica que a proposta traz, investimentos em termelétricas e gasodutos acontecerão para atender à demanda crescente —sem subsídios para a instalação de infraestrutura, que sempre oneram a tarifa e o bolso dos consumidores.
Outra virtude dessa iniciativa legislativa é preservar a hegemonia das unidades da Federação com relação aos serviços locais de gás canalizado. Cada estado estabelecerá suas regras, mas é importante ressaltar que tendem a sair na frente aqueles que regulamentarem a figura do consumidor livre, fundamental para estimular a concorrência na oferta de gás.
Esse novo arcabouço regulatório recupera o atraso de mais de uma década no desenvolvimento do setor de gás natural e explicita as vantagens de uma competição saudável —um valor cada vez mais percebido pela sociedade.
Não
O Brasil tem grandes reservas de gás natural e produção suficiente para atender todo o mercado nacional. Entretanto, importamos gás liquefeito da Bolívia e de outros países porque não temos estrutura de escoamento nas plataformas e gasodutos para transporte, especialmente no interior do país. Hoje, quase 50% da nossa produção em poços de exploração do pré-sal é reinjetada no subsolo. Ou seja, a produção nacional é descartada por falta de infraestrutura de escoamento sem gerar arrecadação e royalties.
Todo mundo sabe que a exploração do gás natural tanto no sistema offshore (alto-mar nas camadas do pré-sal) como onshore (exploração em terra) é importante para o desenvolvimento econômico do Brasil e pode gerar emprego e renda. Mas seguimos importando gás e desperdiçando uma riqueza extraordinária por falta de uma política nacional de desenvolvimento.
Na contramão das necessidades do setor de gás, o desgoverno Bolsonaro privatizou a nossa já escassa rede de gasodutos (só falta um gasoduto ser vendido) e agora aprovou na Câmara dos Deputados a falaciosa "Nova Lei do Gás" como solução para os problemas. A proposta que tramita no Congresso prevê o fim do monopólio das distribuidoras de gás nos estados e joga para a iniciativa privada a infraestrutura de transporte. Porém, até hoje, só quem investiu na construção de gasodutos foi a Petrobras, ou seja, investimento estatal. Com dimensões continentais, o Brasil tem apenas 9.400 km de dutos, enquanto a Argentina, por exemplo, tem 16 mil km.
Desde que assumiu como ministro da Economia, Paulo Guedes repete o mantra de que a iniciativa privada iria assumir as obras de infraestrutura no Brasil, onde, sob a gestão de um ultraliberal, os investimentos jorrariam. Mas a verdade é que o governo até agora foi incapaz de atrair o setor privado.
Concessões seguem paradas diante da incapacidade do governo de articular e promover propostas atraentes, fora a crise política constante, que afugenta os investidores. Então, por que agora Guedes vai conseguir a façanha de garantir que empresas façam investimentos milionários no sistema de gás sem qualquer garantia de retorno e de lucro?
Guedes ignora a importância dos gasodutos e ainda apresenta mais uma das suas ideias mirabolantes sem qualquer estudo técnico sério: transportar o gás pelas ferrovias e caminhões. Mais uma vez o ministro se enche de discurso vazio.
Para garantir apoio no Congresso, o governo comercializa a ideia de que a nova legislação vai gerar R$ 60 bilhões em investimentos, quatro milhões de empregos, gás mais barato para a indústria e botijão a preço melhor para o consumidor final. Mas tudo isso é conversa mole.
A verdade é que a Lei do Gás não responde como será solucionado o problema de falta de gasoduto de transporte e a ausência de estrutura de escoamento nas plataformas; e não traz, também, uma política de desenvolvimento no médio e longo prazo para o setor. A proposta apenas vende a falsa sensação de que uma nova legislação vai garantir retomada do crescimento e investimentos privados. Mas não existe no projeto nenhuma política pública que incentive a universalização do gás.
Esse é mais um discurso mentiroso da dupla Guedes e Bolsonaro e que precisa ser combatido. A Lei do Gás é mais do mesmo e não resolve nenhum dos problemas do setor. Só com um projeto de infraestrutura robusto seremos capazes de colocar fim às limitações logísticas e usufruir dessa riqueza nacional tão abundante.